“Não precisa se repetir, uma vez só que você é alvejado você fica marcado para sempre”. É assim que Joana Cortês, jornalista na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), caracteriza o assédio moral. O relato forte, emocionado e impactante da jornalista foi exposto em público pela primeira vez e questionou a caracterização do assédio moral como algo recorrente. Segundo ela, o assédio sofrido foi um episódio isolado que, no entanto, gerou diversas consequências.
O relato de Joana foi apenas o primeiro da noite desta quarta-feira (30) durante o debate promovido pelo Sindicado dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) e o Coletivo Sindicato é Pra Lutar, que levou para o auditório Vladimir Herzog a pauta “Assédios moral e sexual no jornalismo: como combater”.
Depois dela, Maria Tereza Cruz, da Ponte Jornalismo, focou no assédio que as jornalistas sofrem das fontes e fez o relato de alguns episódios vividos por ela. Tereza destacou a importância em sinalizar aos assediadores que o limite razoável foi ultrapassado e, em caso de continuidade, foi taxativa ao dizer que o contato deve ser cortado. “Eu costumo dizer que a gente não pode se calar e a primeira postura individual é se posicionar. Eu não comecei ontem e as jornalistas mais jovens sofrem por esse medo de perder a fonte, mas fonte a gente sempre acha. Não aceite. Não é ser grosseira, eu simplesmente bloqueei. E realmente era uma fonte importante, mas depois eu achei outras. A Mônica Bergamo diz que não é possível transigir com o essencial e eu levo isso para a minha vida”, contou Tereza.
Mariana Pereira do coletivo #DeixaElaTrabalhar também relatou uma outra situação de assédio durante o exercício profissional, mas que não partiu nem de colegas de trabalho e nem de fontes. Como ela atua no jornalismo esportivo, falou do ataque que partiu da torcida enquanto ela cobria uma partida de futebol. Embora o clube ao qual a torcida pertencia não tenha respaldado a jornalista diante do ataque, Mariana lembrou que publicar o vídeo possibilitou que ela fosse acolhida pelo coletivo #DeixaElaTrabalhar. “No momento que o vídeo foi postado eu me tornei uma figura pública. Alguém do coletivo descobriu esse meu vídeo, me adicionou no grupo e começou uma sessão de acolhimento. Porque o primeiro processo do trabalho é conversar com a vítima e ver o que ela quer fazer. E a partir do momento que ela sabe o que quer fazer, você direciona os trabalhos para tentar satisfazer. Porque, você participa desse processo para entender e ver que o problema está lá [na situação] e não está aqui [na vítima]”, pontuou Mariana.
A luta do Sindicato no combate aos assédios
Já Lilian Parise, secretária de Sindicalização do SJSP e mediadora do debate, destacou que o sofrimento e o dano causado pelos assédios a jornalistas é imenso. “A prática de assédios moral e sexual é atualmente uma triste realidade que acontece em quase todos os locais de trabalho e já virou rotina a ser enfrentada pelos profissionais de imprensa, colocando em risco a saúde física e emocional dos jornalistas. São práticas que sempre mereceram o repúdio do Sindicato e exigem o combate coletivo para acabar com essas violências”, afirmou. Relembrou também que, a partir de um caso específico, o Sindicato retomou a Comissão de Mulheres e criou um Canal de Denúncias que tem como objetivo acolher, apoiar e encarar esse sofrimento das jornalistas. “As mulheres ainda são, infelizmente, um alvo preferencial dessa violência e, a partir desse debate, vamos retomar os encaminhamentos necessários para o bom combate coletivo, unificando a luta do Sindicato com vários coletivos que também entendem que assédio é crime e lutam para o fim dessas práticas violentas e contra quaisquer tipos de discriminação”, completou.
Para acessar o canal de denúncia, clique aqui.
Lílian abordou também outras frentes de luta contra os assédios, ressaltando as cláusulas sociais conquistadas recentemente na negociação com o sindicato patronal da capital, e as denúncias encaminhadas ao Ministério Público do Trabalho. Ao abrir a palavra para os participantes do evento, algumas jornalistas presentes sentiram-se à vontade para também fazerem seus relatos pessoais de assédio fomentando uma reciprocidade e acolhimento mútuo.
Ao final, entre os encaminhamentos, a diretora convidou os participantes e demais jornalistas a integrar as discussões sobre o tema articuladas no âmbito do Sindicato, reafirmou o compromisso da entidade em reativar o Canal de Denúncias e ficou de encaminhar as propostas tiradas no debate para as instâncias da direção, entre elas, a necessidade de o Sindicato se fazer presente em outros locais para fomentar o debate e acolher os profissionais.
Características do Assédio Moral
A psicóloga Cláudia Lima, especialista em saúde pública e em saúde do trabalhador, explicou no debate as características dos assédios que são marcados por assimetrias de poder existente nas relações de trabalho, onde constrangimentos e humilhações são usados como formas de dominação e controle, muitas vezes dentro de uma estratégia geral das empresas ou instituições.
Na tentativa de caracterizar o assédio moral, Claudia questionou como é possível tipificar o assédio e indagou: “O que vale mais: a frequência ou a intensidade?”, perguntou à plateia. Segundo ela, estudos apontam que o assédio moral ocorre com maior frequência entre as mulheres. Em relação aos jornalistas, afirmou que as pesquisas apontam para o Brasil como um dos mais violentos para o exercício da profissão, sendo os homens comumente vítimas de violência física e as mulheres, vítimas de assédio moral e sexual no trabalho, inclusive por parte das fontes, como relatou uma das integrantes do debate.
Cláudia mencionou ainda que tanto o assédio sexual quanto o assédio moral são caracterizados pela intimidação, humilhação, não consentimento, constrangimento e podem estar relacionados entre si, no entanto, os objetivos se diferenciam. No assédio moral, o objetivo é a destruição psicológica da vítima.
A psicóloga destacou as consequências dos assédios na vida e na saúde das vítimas que são levados ao isolamento progressivo e à solidão com consequências sob a autoestima, a autoconfiança, fragilização da identidade, gerando estresse e depressão e podendo até levar ao suicídio. Entre os desafios diante do cenário, Claudia elencou a criação de espaços de escuta e acolhimento às vítimas, a desnaturalização da violência no trabalho e a transformação das queixas em demandas e pautas de negociação coletiva.