Depois de 84 dias de greve iniciada em 14 de fevereiro, os jornalistas da Rede Anhanguera de Comunicação (RAC) saíram vitoriosos do julgamento do dissídio realizado na tarde desta quarta-feira (9), no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas. A paralisação é a maior da história do jornalismo em São Paulo.
Por unanimidade, o movimento paredista foi considerado legal, justo e legítimo pelo TRT15-Campinas, e a empresa foi condenada a pagar toda a dívida com os trabalhadores e trabalhadoras: os salários que estão em aberto desde janeiro, os dias paradas no período de greve, o 13º de 2017, seis meses de vales refeição e alimentação, o adicional de um terço aos que saíram de férias no últimos dois anos, além de depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que estão irregulares desde 2014.
Bastante emocionados, alguns aos prantos, os jornalistas comemoraram a decisão após quase três meses de intensa mobilização e enfrentando dificuldades financeiras. A partir da publicação do acórdão, a rede, que é responsável pelos jornais Correio Popular e Notícias Já, entre outras mídias, tem o prazo de cinco dias para quitação dos débitos, sob a pena de multa diária de R$ 500 por trabalhador.
A sentença ainda garantiu 90 dias de estabilidade aos grevistas, contados a partir do retorno ao trabalho, bem como a reintegração de uma trabalhadora do administrativo que foi demitida durante a paralisação, outra ilegalidade cometida pela RAC. Nem o advogado e nem qualquer representante da rede compareceram ao julgamento, em mais uma clara demonstração de desrespeito aos próprios jornalistas.
Durante a sustentação oral, o advogado Marcel Roberto Barbosa, responsável pelo processo movido contra o grupo de comunicação, ressaltou a falta de disposição da RAC em negociar, pois desde a primeira tentativa de conciliação, em audiência no dia 28 de fevereiro, se passaram quase 70 dias nos quais a rede não só se manteve insensível aos grevistas, como também descontou os dias parados e suspendeu os vales refeição e alimentação. Ele também destacou aos desembargadores os problemas financeiros enfrentados pelos grevistas, obrigados a contrair empréstimos para continuarem a sobreviver.
“Esse momento é um marco na história da categoria dos jornalistas do estado de São Paulo. Conseguimos êxito em todo o nosso pleito, e a Justiça do Trabalho foi muito combativa, sensível e entendeu as agruras que os trabalhadores têm passado. Além de imputar o dever de a empresa cumprir o que não vinha cumprindo, como pagamentos de salários, 13º e FGTS, entre outros deveres trabalhistas, a decisão também imputou a multa diária de R$ 500 por trabalhador. É realmente uma vitória para a classe trabalhadora dos jornalistas”, diz Barbosa.
Diretor da Regional Campinas do SJSP, Agildo Nogueria Júnior destaca que a decisão “foi uma vitória dos trabalhadores que tiveram muita garra, determinação, solidariedade e apoio mútuo. Não foi fácil esse tempo todo, mas todos os nossos pleitos foram atendidos, a Justiça compreendeu e acatou. Agora estamos avaliando qual vai ser a reação da empresa, se ela vai continuar desrespeitando a lei, como já fez durante a greve quando contratou pessoas, o que não é permitido. A RAC ainda entregou holerites descontando os dias parados sem ter uma decisão sobre se isso era justo ou não. Mas foi uma grande vitória e um grande aprendizado para todos nós”, afirma o sindicalista.
Segundo um dos grevistas “o importante da vitória, pelo tempo e unanimidade da votação dos desembargadores, é mostrar que a força de uma reivindicação não pode ser reduzida pela ‘força’ da empresa. A união de todos os grevistas e a justeza daquilo que é reivindicado – para que seja pago o salário, minimamente o salário por algo que é a relação mínima trabalhista – podem ser vencedoras. Muitas vezes, o trabalhador, se acreditar em si e na sua luta, poderá vencer quem não crê que o trabalho tem que ser honrado e respeitado”, comemora.
Na avaliação de Paulo Zocchi, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), “a sentença faz justiça à admirável luta e à greve dos jornalistas da RAC. A paralisação é histórica e engrandece muito a categoria e o Sindicato. Os companheiros e companheiras estão de parabéns. Porém, a luta tem que se manter firme porque a sentença é uma grande vitória, mas tem que se concretizar com a empresa pagando os atrasados”.
A conquista dos jornalistas da RAC foi comemorada também na Câmara Municipal de Campinas, onde o vereador Pedro Tourinho (PT) expressou seus cumprimentos aos profissionais e destacou a vitória na tribuna, durante a sessão ordinária deste 9 de maio, lembrando, ainda, da contribuição da Casa que aprovou moção de apoio aos grevistas no último 4 de abril.
A secretária de Comunicação e Cultura do SJSP, Lílian Parise, e o secretário do Interior, José Eduardo de Souza, acompanharam o julgamento representando a direção do Sindicato no TRT15-Campinas, além de Agildo Nogueira Júnior, diretor da Regional Campinas da entidade e coordenador da greve.
Histórico da luta
Proprietária dos jornais Correio Popular, Notícias Já e Gazeta de Piracicaba, das revistas Metrópole e VCP News, e do portal RAC.com, a Rede Anhanguera de Comunicação vem atrasado os pagamentos de salários, benefícios e férias desde o final de 2015. Desde então, os jornalistas sofrem com a crise financeira, o que levou vários profissionais, inclusive, ao adoecimento na redação, com casos de estresse e depressão.
Depois de várias tentativas de negociação, a paralisação das atividades foi a única alternativa dos jornalistas para protestar contra os frequentes atrasos. Em junho de 2017, outra greve já havia arrancado um acordo junto ao TRT, determinando o pagamento semanal de 25% do salário mensal como forma de quitar os débitos, mas a empresa descumpriu a sentença, aumentando a dívida com seus trabalhadores.
Após a deflagração da greve, em 14 de fevereiro, os jornalistas saíram frustrados da audiência de conciliação ocorrida no dia 28 do mesmo mês no TRT, pois a única proposta da rede, prontamente recusada pelos grevistas, foi a de quitar somente o vale alimentação devido até 9 de março.
Para garantir o pagamento emergencial dos grevistas, o SJSP criou um fundo de greve e a Regional Campinas da entidade promoveu a Galinhada Solidária, o evento “Som da Resistência” e o Bazar da Amizade como forma de arrecadar dinheiro e cestas básicas para os jornalistas da RAC.
Em parecer divulgado no último 14 de abril, o Ministério Público do Trabalho (MPT) já havia considerado a greve legítima, determinando o pagamento dos atrasados, com garantia de estabilidade aos grevistas e multa à empresa em caso de descumprimento.
Como se não bastasse a indisposição em negociar, durante os quase três meses de paralisação o grupo de comunicação descontou os dias parados e suspendeu o vale alimentação dos grevistas, demitiu uma trabalhadora administrativa, contratou estagiários e sobrecarregou de trabalho os que permaneceram na redação, em clara atitude antissindical.
Em sua tentativa de defesa no processo junto ao TRT15-Campinas, a rede ainda tentou desqualificar o movimento paredista questionando a legalidade dos procedimentos que deram início à paralisação e afirmou que não tinha obrigação de pagar vale alimentação, apesar desse direito estar garantido há anos na Convenção Coletiva da categoria.
No caso do FGTS, os depósitos estão irregulares desde 2014 e os atrasos dos últimos anos também atingiram o recolhimento do Imposto de Renda que, mesmo sendo descontado em folha, não tem sido repassado à Receita Federal, levando vários profissionais a caírem na malha fina, além dos inúmeros problemas financeiros enfrentados.
A previsão é de que o TRT15-Campinas publique o acórdão com detalhes da decisão entre cinco a 10 dias após o julgamento do processo.