Os desafios das mulheres jornalistas diante da precarização da profissão, do machismo das redações e da retirada de direitos pelo governo ilegítimo de Michel Temer (MDB) foram discutidos na noite desta segunda-feira (5), no debate “A realidade da jornalista: direitos e democracia”, na sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), centro paulistano.
Promovido pela Comissão de Jornalistas pela Igualdade de Gênero do SJSP, o evento teve como convidadas as jornalistas Rita Lisauskas, blogueira do “Ser mãe é padecer na internet” e colunista da Rádio Eldorado, e de Rosane Borges, pós-doutora em ciências da comunicação, professora da Universidade Estadual de Londrina, articulista da Carta Capital e membro da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-SP), com mediação de Priscilla Chandretti, diretora do Sindicato.
O debate reuniu diferentes gerações no auditório Vladimir Herzog, desde jovens estudantes de jornalismo às veteranas com cinco décadas de profissão e, nas questões debatidas, ficou claro que, independente da idade, o machismo e as desigualdades de gênero atingem a todas as mulheres.
A sindicalista abriu o debate fazendo um panorama, na perspectiva da mulher jornalista, do cenário de precarização que vem atingindo as empresas de comunicação, quadro que, segundo Priscilla, se agrava com a “reforma” trabalhista que entrou em vigor em novembro passado, e também com a redução das políticas sociais, das políticas para mulheres e com o congelamento de investimentos que vai afetar os estados de todo país pelos próximos 20 anos.
A dirigente destacou que a “reforma” da legislação do trabalho traz uma série de prejuízos para o conjunto dos trabalhadores, mas que tem impacto ainda maior para as mulheres trabalhadoras, que já são maioria entre os desempregados, no subemprego ou ganhando salários menores. Como exemplo, a sindicalista alertou para a possibilidade de flexibilização da jornada de trabalho por acordo individual que, na prática, é fazer o que o patrão determina sem opção de escolha pela trabalhadora.
“Quando a reforma trabalhista trata da jornada, piora a situação porque, bem ou mal, até então, havia uma lei que até podia não ser respeitada sempre, mas a legislação existia e tínhamos condições de exigir esse direito”. Por isso, diz Priscilla, “para quem é mãe, por exemplo, é uma situação que começa a ficar insustentável. E a forma como nosso trabalho é organizado nas redações, com plantões de fim de semana, trabalho por 10, 12 horas como a empresa coloca, ou jornada até às 22h ou 23h em algumas redações, para muitas mães, são questões impeditivas”, pontuou.
Gênero, raça e democracia no jornalismo
Professora universitária, a jornalista Rosane Borges falou da importância de se abordar as questões de raça e gênero na profissão por serem estruturais na sociedade e porque “ao casar as questões de gênero e raça no jornalismo, isso nos faz pensar direitos, nos faz pensar sobre a democracia”.
Rosane afirmou que, em meio ao golpe à democracia por Temer, o país vive um processo de “des-democracia’, como têm dito alguns sociólogos, de perda de musculatura da democracia de tal forma que a intervenção militar é mais um passo dessa equação. Por isso, é importante pensar numa agenda de direitos e democracia, a partir de nosso lugar de atuação, colocando o jornalismo como central nesse debate”.
Ela também recordou que o jornalismo “é filho ilegítimo de duas revoluções, a Francesa e a Industrial. Um dos pilares modernos do jornalismo é que ele surge para fundar uma esfera pública e tudo isso tem a ver com o que chamamos de democracia num dos seus conceitos mais recorrentes, que é o de que todas e todos têm que ter partilha do comum, e essa partilha tem que ser na perspectiva de um mundo plural”, ressaltou.
Partindo dessa reflexão, Rosane fez uma alerta sobre o papel dos e das jornalistas e do jornalismo para a democracia, e para abordagem das questões de raça e gênero. Ela criticou a cobertura da mídia comercial em situações como a violência obstétrica, na qual são divulgados dados que afirmam que as mulheres negras e pobres são as maiores vítimas, mas sem explicar os motivos dessa realidade.
“Elas são maioria nessa estatística porque a elas não é dado nenhum tipo de procedimento anestésico, pois o que move o imaginário dos nossos médicos é que mulher negra resiste à dor. Sonegar essa informação, ou o repórter não ir atrás dessa informação, significa subscrever o papel do Estado na morte dessas mulheres porque é o Estado quem as está matando. Há uma sobra nesse dado que sempre aparece na imprensa, mas que não aparece na perspectiva racial”, observou.
Citando o filósofo camaronês Achille Mbembe, Rosane comentou ainda que, segundo esse pensador, essas mulheres habitam as chamadas “topografias da crueldade, lugares que são as franjas das periferias das grandes metrópoles, onde esses corpos negros estão autorizados a morrer seja pela polícia ou pela falta de aparelhos do Estado que faz com que essas pessoas não tenham uma vida digna”.
Os desafios de ser mãe e jornalista
A jornalista Rita Lisauskas disse que começou a escrever sobre maternidade depois do nascimento de seu filho Samuel, quando constatou que o jornalismo, que já é uma profissão difícil para as mulheres devido ao assédio e outras questões, se torna ainda massacrante quando a mulher se torna mãe, opina a blogueira.
“A redação sempre vai olhar para você quando acha que alguém vai faltar porque o filho está doente, é para você que a redação vai torcer o nariz quando tiver um plantão de 12 horas por saber que você não vai querer fazer, pois a sociedade acredita que cuidar do filho é uma responsabilidade exclusivamente da mulher”, criticou.
A blogueira ressaltou que só metade das mulheres voltam ao mercado de trabalho depois da licença maternidade, o que ocorre não porque elas querem só ser mães, também querem ser profissionais, “só que nesse mercado o chef diz ‘você não é mais a mesma, vou tirar esse projeto de você’. E aí vemos aquele homem na redação que pode ficar até tarde todos os dias. E por quê? Porque a mulher dele está saindo mais cedo do trabalho. Vemos o profissional que também é pai na redação e que tem oportunidades, aumento de salário, vira chefe, mas ele busca os filhos na escola? Quem cuida é a mulher dele!”.
Caminhos para quebra de paradigmas
Para enfrentamento de todas essas questões, as debatedoras abordaram diferentes caminhos, mas ambas ressaltaram a importância da união e da organização entre as próprias mulheres para a luta e para a quebra de paradigmas.
Na prática jornalística, Rosane orientou para a relevância de trazer e abordar as pautas na perspectiva de gênero e de raça. “Como somos assalariadas, muitas vezes temos poucas condições de manobra. Mas é possível, por exemplo, numa pauta sobre economia, indicar uma mulher que pode ser fonte para o tema”.
Sobre o machismo que atinge e oprime mulheres e homens, Rita disse que ouviu de uma chefe mulher que não poderia ser mãe e repórter. “Ela é mãe de dois filhos e faz essa afirmação porque acredita nisso, porque aprendeu assim, porque isso foi exigido dela”.
Na opinião de Rita, quebrar esse ciclo é complicado no mercado de trabalho porque as mulheres acabam repetindo o que ouvem e aprendem sobre os papeis de cada gênero. “A mulher não consegue ver que a próxima vítima pode ser ela, mas quando for ela, temos que estar lá para apoiar também”, avalia.
Priscilla Chandretti ressaltou a importância da garantia de direitos que atendam às especificidades das mulheres nas convenções e acordos coletivos de trabalho, e convidou as participantes a integrarem a Comissão pela Igualdade de Gênero do SJSP “não só para discutir os problemas que enfrentamos como mulheres, mas também sobre o que é possível fazer para sairmos dessa situação”. Para a sindicalista, como a categoria é majoritariamente formada por mulheres, um dos desafios que o SJSP tem é o de ampliar o diálogo sobre as agruras vividas pelas jornalistas no cotidiano de trabalho.
Entre outras dirigentes, o debate teve a participação de Márcia Regina Gonçalves Viana, secretária da Mulher Trabalhadora da CUT São Paulo, e das diretoras do Sindicato dos Jornalistas, Ana Flavia Marx, secretária de Sindicalização; Evany Sessa, secretária de Ação e Formação Sindical; Lílian Parise, secretária de Comunicação e Cultura do SJSP e diretora da CUT São Paulo; Vilma Amaro, da Regional ABCD; Márcia Quintanilha, representante do SJSP na direção da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
Jornada das Mulheres em Defesa da Democracia e dos Direitos
Neste 8 de março, o Sindicato dos Jornalistas se soma ao conjunto do movimento sindical e dos movimentos sociais para a mobilização que ocorre a partir das 16h, na Praça Oswaldo Cruz, com caminhada pela Av. Paulista.
A ação integra a Jornada das Mulheres em Defesa da Democracia e dos Direitos, iniciada pela CUT São Paulo no último dia 24 de fevereiro, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo.
A caravana percorre a capital paulista e cidades do interior até o próximo dia 1º de maio, promovendo diversas atividades com o intuito de alertar as mulheres sobre os impactos da perda de direitos pelo governo golpista de Temer. Confira a agenda de ações clicando aqui.