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Investigação jornalística na era das fake news

Livro aborda investigação jornalística na era das fake news

“A complexidade é bem-vinda no jornalismo, principalmente em uma sociedade polarizada (dualista) porque ela abre caminho para o diálogo. A partir da construção de narrativas complexas, o jornalismo poderá combater a desinformação e restabelecer o diálogo tão caro à democracia”, avalia a jornalista Kassia Nobre dos Santos, autora do recém lançado livro-tese “Em busca da credibilidade perdida: a rede de investigação jornalística na era das fake news”.

Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo, ela analisou o processo de produção da revista piauí e da agência Lupa e afirma que, se por um lado as redes sociais ampliaram a participação da sociedade em assuntos de interesse coletivo, do outro também são responsáveis pelos fenômenos da pós-verdade e das fake news.

É neste cenário de crise do jornalismo que, segundo Kassia, há um campo de experimentações que o jornalista precisa explorar para retomada da credibilidade perdida, resgatando e valorizando pilares da profissão – a apuração aprofundada e a checagem.

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“Em busca da credibilidade perdida: a rede de investigação jornalística na era das fake news”

Em entrevista ao site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, Kassia fala sobre o fetiche da velocidade versus a apuração no jornalismo, sobre as perspectivas de ampliação do fact-checking nas redações tradicionais do país, e o papel do jornalismo para o fortalecimento da democracia.

Você parte da afirmação de que a crise do jornalismo resgatou o papel de investigar. Na sua avaliação, os jornalistas estão conscientes desse resgate da investigação ou não?
Sim. O fenômeno da pós-verdade trouxe à tona a necessidade de refletir criticamente sobre a prática jornalística e rememorou a antiga crise que o campo viveu e ainda vive diante da inclusão sem volta das novas tecnologias na comunicação. Agora, o jornalismo se vê diante da necessidade de rever seus modos de produção para enfrentar as chamadas “fake news”, produtos da pós-verdade. Para isso, foi necessário voltar um pouco atrás na história do jornalismo e reviver algumas tradições como a checagem e uma apuração mais consistente e demorada, que priorize a explicação, contextualização e reflexão da notícia.

Quais elementos sua pesquisa aponta como essenciais para a construção da narrativa jornalística na atualidade?
Eu pesquisei o modo de produção da revista piauí (exemplo de reportagem) e a agência Lupa (exemplo de checagem) para construir a rede de investigação jornalística e classifiquei como nós (pontos) os principais elementos de uma narrativa jornalística. Para a reportagem: tempo de criação, narratividade e especialidade do repórter. Assim, é preciso deixar de lado o fetiche da velocidade e apostar em apurações demoradas. Ao mesmo tempo, é necessária uma aposta na experiência e experimentação do repórter ao dialogar com as técnicas narrativas emprestadas da literatura e do cinema.

Para a checagem: a transparência e a correção do erro. Ou seja, é indicada a transparência da metodologia do trabalho do jornalista. Além da transparência de suas fontes e apartidarismo para o fortalecimento da credibilidade diante do público. Por fim, a reparação do erro e a autocrítica para melhorar o diálogo com aqueles que consomem as notícias. Todas essas ferramentas podem fomentar uma oposição às crenças e verdades estabelecidas presentes nas notícias falsas.

A jornalista e pesquisadora Kassia Nobre. Foto: Diogo CronembergerO seu livro-tese aponta o colapso de confiança como a base social da pós-verdade. Você avalia que os grandes meios de comunicação do Brasil estão, de fato, atentos à questão da credibilidade? Ou isso ainda tem ficado em segundo plano diante da velocidade como fetiche no jornalismo?
O jornalismo, desde o surgimento dos jornais até os dias de hoje, busca se credenciar diante do público para ser o porta-voz da informação. Ele conquistou a confiabilidade junto ao público de diferentes formas com o passar do tempo. Essa confiança sempre foi a moeda de troca com o leitor. É certo que diante da pós-verdade, há este colapso. A diminuição do imediatismo da notícia que impossibilita a checagem de dados, fatos e eventos é um caminho que aponta para a retomada da credibilidade. Porém, é certo, que ainda existe resistência das empresas que preferem o imediatismo da notícia, modelo de negócio já padronizado nas redações.

Quanto à checagem de notícias, você acha as agências especializadas ou mesmo o fact-checking pelas próprias redações tendem a crescer no Brasil nessa conjuntura? As suas pesquisas constataram alguma mudança quanto a isso em meio à crise? No Brasil, diante do cenário de desinformação crescente, os veículos da imprensa tradicional criaram núcleos de checagem ou aderiram a projetos colaborativos de checagem. Assim, principalmente no ano de 2018, uma verdadeira onda de checagem se espalhou pelos principais meios de comunicação brasileiros. No meu trabalho, apresentei algumas dessas novas iniciativas. Destaco aqui o projeto de verificação colaborativo “Comprova” que reuniu jornalistas de 24 veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e falsas durante a campanha presidencial de 2018.

Você acha possível um caminho da reportagem com processo mais lento para elaboração e checagem de informações também em redações como dos portais de notícias?
Há uma tendência no campo jornalístico para isso, que investe em reportagens aprofundadas, o chamado “Jornalismo Lento” ou “Slow News” ou “Slow Journalism”. Sobre a checagem, acredito que seja positivo o fato de os principais veículos da imprensa tradicional estarem preocupados com a checagem e realizarem mobilizações para isso, principalmente em um país polarizado politicamente como o Brasil. Porém, é interessante exigir ainda das empresas de mídia tradicional princípios éticos de comportamento, como os estabelecidos por redes internacionais de checagem, como a transparência plena do seu financiamento e o apartidarismo, por exemplo.

Para além da revista piauí, você acha que jornalistas de outras redações têm tido a “brecha”, o desvio criativo necessário para experimentar e inovar o modo de fazer jornalismo? Que experimentações você apontaria como relevantes para essa inovação?
Sim. O jornalismo vê surgir novos formatos, especialmente em 2015, ano de criação das agências de checagem Lupa e Aos Fatos. Além da criação do jornal Nexo, o Intercept Brasil e a Agência Pública. Todas essas iniciativas têm a investigação jornalística como motriz fundamental.

No cenário atual, como você observa o jornalismo brasileiro quanto ao seu papel de fortalecimento da democracia?
Sustentar o fato está cada vez mais difícil em meio à existência de uma verdadeira indústria da desinformação. A dificuldade reside no fato de que, ao contrário da informação bem apurada, a desinformação é simples e barata, o que permite que fake news sejam transformadas em memes, gifs ou vídeos compartilhados nas redes sociais de forma incontrolável.

Porém, o que realmente dificulta o combate à desinformação são as crenças não contestadas e verdades absolutas. Isso explica porque a reportagem e a checagem têm dificuldade de penetração em ambientes com pensamentos extremistas direitistas ou esquerdistas. Ou seja, as pessoas que estão em ambientes extremos não aceitam com facilidade as informações contrárias à sua crença. 

Desta forma, é ainda mais necessário iniciativas como a revista piauí e a agência de checagem Lupa, assim como outros modelos semelhantes. Ou seja, é preciso investigar e não apenas informar. É preciso apresentar ao leitor diferentes pontos de vistas e diferentes vozes sobre um assunto, o que possibilita a construção de um diálogo e não apenas de um discurso no jornalismo.

A complexidade é bem-vinda no jornalismo, principalmente em uma sociedade polarizada (dualista) porque ela abre caminho para o diálogo. A partir da construção de narrativas complexas, o jornalismo poderá combater a desinformação e restabelecer o diálogo tão caro à democracia. 

Livro “Em busca da credibilidade perdida: a rede de investigação jornalística na era das fake news”
Autora:
Kassia Nobre dos Santos
Editora Letramento
Link para a pré-venda: http://bit.ly/embuscadacredibilidade
Valor: R$ 42,90

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