Desde a publicação da Medida Provisória 936, em 1º de abril passado, pelo menos 3,5 milhões de trabalhadores já tiveram suspensão de contrato de trabalho ou corte de salários em todo o Brasil – e o número está subindo! Isso mostra o quanto a medida adotada pelo governo federal, até aqui com anuência do Congresso, amplia o impacto da recessão causada pela pandemia em curso, em vez de se adotarem medidas de proteção aos trabalhadores neste momento de crise aguda e de necessidade de fortalecer o isolamento social.
Naturalmente, a quarentena atingiu duramente diversos ramos da economia. Mas, após a promulgação da MP, diversas empresas de comunicação de diferentes setores passaram a usar a coação dos acordos individuais para forçar a redução de salários, apesar de que, no segmento de imprensa — considerado oficialmente atividade essencial –, o interesse do público cresceu e os jornalistas estão sob forte carga de trabalho, além de haver parcelas dos profissionais ampliando seu risco de contágio na reportagem ou para irem às redações. Entre as primeiras a agir para a redução salarial no Estado, estão o SBT de Araçatuba (grupo Massa), a EPTV, a Editora Caras, o jornal Lance, Elemídia, Meio e Mensagem.
A situação piorou com a anuência do Supremo Tribunal Federal ao acordo individual para redução de salário, em julgamento liminar em 17 de abril. A decisão foi tomada em clara contraposição ao que a Constituição traz expresso em seu artigo 7º, quando diz: “São direitos dos trabalhadores (…) [inciso VI] irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”. Para o Sindicato, a redução de salário por “acordo” individual é claramente inconstitucional, mas as empresas se sentiram à vontade com a decisão do STF para reduzir salários, fazendo pressão diretamente sobre cada profissional.
Nesta difícil situação, os jornalistas têm buscado se unir e debater coletivamente, em cada local de trabalho (mesmo estando em home office), com o apoio e a participação do Sindicato. Na segunda quinzena de abril, na capital, foram realizadas assembleias virtuais em sete empresas. Também está em curso uma campanha pela valorização do jornalismo e dos profissionais, com o mote #Jornalistas Salvam Vidas.
Frente à decisão de qualquer empresa de reduzir os salários, a primeira questão colocada é organizar um processo de debate coletivo para que os jornalistas decidam, coletivamente, não assinar os acordos individuais, como meio para forçar a empresa a uma negociação coletiva. No entanto, é absolutamente compreensível que cada trabalhador, confrontado pessoalmente, se veja numa situação de fragilidade – é com isso que as empresas contam ao apostar nessa via.
Nos locais nos quais foi possível articular com antecedência um boicote à adesão individual, se nota um segundo efeito perverso da decisão do STF: a força ampliada da empresa para levar a negociação direto para o terreno da redução salarial. Os jornalistas se veem então frente a dois caminhos: se opor ao corte e discutir medidas de mobilização (já com a decisão de boicote coletivo ao acordo individual) para barrá-lo, ou negociar contrapartidas como estabilidade real, indenização suplementar e outras garantias.
O conflito aberto em torno dessa questão abrangeu várias empresas da capital e do interior ao mesmo tempo. Na capital, as empresas de jornais e revistas tentaram a via de um aditivo à Convenção Coletiva, autorizando a redução de salários em até 70% e a suspensão do contrato de trabalho, mas a proposta foi rejeitada, por unanimidade, em assembleia virtual que agrupou cerca de 350 jornalistas em 15 de abril. Abaixo, registramos como está a situação em quatro empresas da capital nas quais houve importante mobilização da categoria. Na capital, litoral e interior, diretores do Sindicato e as Regionais estão em diálogo permanente com os profissionais, buscando de todas as formas ajudar o processo de resistência.
Estadão
A mobilização dos jornalistas do Grupo Estado começou quando a empresa enviou aditivo ao contrato de trabalho para estabelecer que não haveria controle de jornada em home office – isso quando há profissionais que chegam a trabalhar mais de 12 horas por dia neste momento de cobertura da pandemia. A primeira assembleia da redação ocorreu em 9 de abril, quando se decidiu não assinar o aditivo e insistir no registro do ponto por meio de negociação coletiva.
Em seguida, o sindicato patronal de jornais e revistas mandou ao Sindicato dos Jornalistas SP a proposta de aditivo à Convenção Coletiva. Na assembleia geral da categoria, participaram mais de 150 jornalistas do Estado de S. Paulo e Agência Estado.
Na véspera da assembleia geral, a direção da empresa anunciou sua intenção de reduzir salários e a jornada em 25%. Por isso, os trabalhadores decidiram formalizar à empresa que mantinham a intenção da negociação coletiva, em nova assembleia realizada em 17 de abril. O SJSP recebeu então uma proposta de Acordo Coletivo da empresa que estabelecia a redução de salário em 25%, com base na MP 936, mas também estabelecia o controle de ponto para quem está em home office.
Em sua terceira assembleia, em 22 de abril, os jornalistas do Estadão fizeram um debate sobre qual caminho tomar: opor-se à redução ou negociar contrapartidas. Após o debate, a maioria decidiu pelo segundo caminho, considerando que a empresa apresentaria acordos individuais e boa parte dos profissionais poderiam não ter condições de resistir sozinhos.
Mais duas assembleias ocorreram, uma em 24 de abril, e a assembleia final em 26 de abril, domingo, à noite, ambas com mais de 150 profissionais. Houve um intenso processo de negociação com a empresa, e que ao final chegou a um acordo cujos principais pontos foram a estabilidade provisória no emprego com uma indenização de cerca de 70% dos salários do período (mais do que os 50% previstos na MP) para casos de demissão, entrada em vigor dessa cláusula com o fechamento do acordo, home office com controle de ponto e auxílio alimentação mensal de R$ 150 para profissionais com salários até R$ 5.410 após a redução e plano de saúde garantido até 31 de dezembro (veja o acordo aqui).
Ao final, os jornalistas sentiram a força da ação conjunta e o Sindicato saiu fortalecido com órgão de representação, com várias novas filiações. O movimento continua para acompanhar a situação e porque ainda há várias demandas colocadas.
Editora Globo, Valor e Globo Condé Nast
Na Editora Globo (que inclui a sucursal do jornal O Globo, revista Época e outras e o jornal Valor) e Globo Condé Nast, houve também um movimento expresso em várias assembleias com mais de cem jornalistas em cada. O movimento também começou com o aditivo de home office, que deixava os custos do trabalho a cargo dos jornalistas, além do que abolia o controle de jornada.
Diante da intenção da empresa em reduzir os salários em 25% por acordo individual, os jornalistas enviaram uma proposta à empresa inspirada na dos jornalistas do Grupo Estado, com exigência de estabilidade por ano no centro da demanda. Num movimento inédito, uniram-se sindicatos de jornalistas de três Estados (São Paulo, Rio e Distrito Federal) para encaminhar uma pauta única.
A empresa respondeu formalmente, encampando diversas demandas, entre as quais arcar com custos diretos do home office, prever o controle de jornada, manter o vale-refeição (nos dias trabalhados) e apontar para a estabilidade para o dobro do tempo de redução de salário, além de garantir a vigência do plano de saúde até o final do ano. Desenvolveu-se uma intensa mobilização dos profissionais para que se avançasse a um acordo coletivo, mas a empresa recusou essa perspectiva, de forma definitiva, na segunda-feira, 27 de abril, ao final da manhã. Incorporou várias demandas coletivas nos acordos individuais, mas não faria um acordo coletivo. Instalou-se então uma assembleia nacional com mais de 130 jornalistas que, ao final, decidiu valorizar as conquistas obtidas, mas liberar a assinatura individual, por avaliar que não havia meios de organizar um boicote com os jornalistas em casa.
Fica o saldo muito positivo de um movimento amplo dos jornalistas e de caráter interestadual, levando a empresa à negociação, com vários avanços.
Editora Abril
O desenrolar dos acontecimentos na editora Abril mostra claramente o peso da decisão do Supremo. Na quinta-feira, 16 de abril, antes do julgamento da liminar, o Sindicato recebeu a proposta da empresa de redução salarial para 40 jornalistas de veículos como Vejinha, Cláudia e Superinteressante, via Acordo Coletivo.
Os profissionais se reuniram em assembleia na noite da sexta, 17 de abril, após o julgamento, e decidiram negociar os termos com a empresa, com envio imediato de contraproposta incluindo contrapartidas e orientando uma negativa de assinatura dos acordos individuais. Mas, na noite de domingo, a editora comunicou que não faria acordo coletivo e que iria impor os acordos individuais de 25% de redução, nos termos da MP, com prazo de assinatura para os profissionais até o final da tarde da segunda (20/4). Assembleia realizada ao meio-dia decidiu liberar os profissionais para assinar, mantendo os contatos com o Sindicato para chamar novamente a todos a qualquer momento.
RedeTV
Na RedeTV, os profissionais já tinham uma experiência recente de resistência bem-sucedida à redução dos salários pela tentativa de corte das horas extras regulares, ocorrida em novembro de 2019. Em abril, o movimento começou com a cobrança do pagamento da PLR, que deveria ter sido feito até o início do mês, mas a empresa não pagou.
Com essa questão não resolvida, a empresa voltou à carga, encaminhando ao Sindicato a proposta de Acordo Coletivo para reduzir os salários em 50% (neste percentual, é obrigatório o acordo coletivo para reduzir na faixa salarial de 90% dos jornalistas da empresa). Assembleia com mais da metade dos jornalistas da casa recusou a proposta em votação unânime.
Daí, em 22 de abril, o RH passou a enviar acordos coletivos de redução de 25% para todos. Os jornalistas da empresa têm um problema adicional no fato de que a 6ª e a 7ª horas extras diárias não são registradas na carteira. No entanto, os profissionais as cumprem habitualmente e por isso são consideradas incorporadas ao salário. O documento enviado pela empresa para aceite de cada trabalhador não explicita como será feito o cálculo da redução, e por isso, os cortes nos salários podem ser superiores na prática, de forma indevida. No mesmo dia, os jornalistas em assembleia decidiram não assinar o acordo individual para forçar a negociação coletiva. No dia seguinte, o RH foi até a redação constranger os profissionais para recolher as adesões, mais uma prova de que não há acordo: há imposição. Em nova assembleia, na segunda-feira, 27 de abril, os jornalistas decidiram liberar a todos para assinar individualmente, por avaliar que não havia condições de boicote coletivo, e a ação sindical prossegue para garantir o respeito aos direitos de cada profissional.
Neste conjunto de casos, fica claro que não existe “acordo individual”, nem negociação entre cada profissional e seu empregador, mas apenas imposição individual pela empresa, a parte forte na relação econômica. O Sindicato dos Jornalistas se atém ao texto legal: a redução nestas condições é inconstitucional, além de injusto. Boa parte das empresas mantém condições econômicas saudáveis e apenas se utiliza da situação para reduzir o custo de folha salarial.
Os jornalistas, que estão no máximo esforço profissional em meio à pandemia, resistem em defesa de suas condições de trabalho e de sua saúde. O Sindicato dos Jornalistas lhes dá todo apoio e, neste momento crítico, procura abrir a via, por meio de assembleias com centenas de trabalhadores, para que a categoria possa se informar, debater e agir coletivamente.
—-
ERRATA: uma primeira versão dessa matéria dizia que a Trip Editora reduziu os salários. Na verdade, até o momento, ela fez uma consulta ao Sindicato dos Jornalistas. O SJSP entrou em contato com o RH da empresa mas ainda não teve resposta. Vamos insistir.