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‘É muita indignação’ afirmam dispensados da Abril

“É muita indignação” : relatos de trabalhadores dispensados da Abril

Acesse o especial sobre as demissões e o calote da Editora Abril no jornal Unidade clicando aqui. 

Bruno Favoretto, 36 anos, jornalista da revista Viagem e Turismo:

O jornalista Bruno Favoretto. Foto: Cadu Bazilevski/SJSP“O lucro é dele, mas o prejuízo não é. Trabalhei durante 12 anos na editora Abril, virando noites, trabalhando fim de semana e nunca recebi nada por isso. Há cerca de três anos, a empresa tirou a vaga do estacionamento e obrigou a pagar, outro direito que foi tirado. Também não pagava convênio médico e a empresa inventou uma coparticipação de 30%. Há cerca de três meses no prédio de Pinheiros, o Giancarlo Civita nos chamou para falar dizendo que não ia ter mais corte nenhum, que o que ia ter já tinha acontecido, que a partir dali teria investimentos e que seria uma ‘nova fase’ na qual ele seria o presidente. Quando questionaram sobre a dívida da Abril, ele teve a pachorra de dizer que ‘dívida grande não se paga. Quem tem que pagar são vocês, que têm que pagar conta de luz’. O Civita diz que não tem que pagar a dívida, mas você tem que pagar. Agora, na recuperação judicial, nos enquadrou como credores, quer dizer, eu sou a mesma coisa que o Itaú. Essa recuperação judicial foi um golpe. Mentiram, mentiram, mentiram. A filha do Giancarlo mora do bairro mais caro de Londres, fica ostentando nas redes sociais e esse cara dorme à noite, ele e os outros Civita”.

Fernando Souza, 44 anos, jornalista, ex-editor da revista Viagem e Turismo. Entrou na Abril em 2000 como frela-fixo e foi contratado em 2001:

O ex-editor Fernando Souza e o filho no protesto contra as demissões e o calote da Abril. Foto: Carolina Cascone/Comitê de Jornalistas Demitidos da Abril“O fim de algumas publicações já era esperado. Isso já havia sido dito e é um movimento que não é só da Abril, mas a gestão ruim da empresa ajudou a levar a esse cenário. O que foi muito complicado e bastante imoral por parte da Abril é que fomos comunicados pelo RH com uma data de homologação dizendo que receberíamos de forma parcelada. Primeiro, a Abril disse que ia ‘dar’ um mês de salário bruto porque ia parcelar nossa rescisão, quando na verdade ela tinha que fazer isso por lei. Em segundo, disse que ia parcelar e houve um acordo sobre isso, e era melhor receber parcelado do que não receber. Depois, soubemos do pedido de recuperação judicial, ou seja, a Abril mentiu para os 800 funcionários. Recebi essa notícia com bastante indignação, não podia ser de outra forma. Não sobre a demissão porque estava esperando isso, era óbvio o declínio da empresa, mas o calote foi uma coisa muito grave, assim como a maneira como foi feito, na calada da noite. Passei duas semanas muito estressado por causa disso, muito presente nos grupos de discussão do Sindicato, com um sentimento de frustração muito grande. Foi uma atitude aviltante da Abril, da família, de quem quer que seja o responsável por isso. É uma coisa que começa a contabilizar mentalmente pensando ‘ah, pelo menos quando eu sair, vou receber’. Isso não só é merecido, como é direito. Dediquei 18 anos da minha vida à Abril. Talvez, indiretamente, eu tenha ajudado a construir a piscina mais cara que eles têm, não sei. Agora é momento de transição e estou aqui em busca dos meus direitos e, paralelamente, tentando tocar a vida atrás de outras oportunidades profissionais”.

Hércules Lopes, gráfico de 46 anos, dos quais 25 trabalhando na Abril:

“A empresa me demitiu e mais um monte de funcionários. Saímos tristes, claro, mas acreditamos que a Abril ia nos pagar. Chegou no 10º dia depois da demissão, o dinheiro não caiu, a empresa não comunicou ninguém. Simplesmente começamos a colher informação de um, de outro, e descobrimos que o pagamento da nossa rescisão estava atrelado à recuperação judicial. O gráfico Hercules Lopes. Foto: Acervo pessoalEntramos em contato com o RH e não tinham resposta. Depois de dez dias, nos deram uma liberação para que eu pudesse pagar o meu Fundo de Garantia, o saldo que foi depositado na minha conta do meu dinheiro descontado todo mês. Nunca pensei que essa empresa pudesse fazer esse tipo de sacanagem, dar o golpe e não nos pagar. Estou indignado e, desde então, não consigo fazer mais nada no meu dia a dia. Só conseguimos pensar no dinheiro que temos aqui e poderíamos estar empreendendo, procurando emprego, pagando contas. Podíamos estar fazendo um monte de coisas com esse dinheiro porque, afinal de contas, não pedimos para sair, a Abril nos demitiu e não cumpriu a lei que é clara sobre o pagamento da multa de 40% do Fundo de Garantia, 13º salário, dias trabalhados, aviso prévio, férias, e a empresa não cumpriu nada disso. Agora a Abril vem dar esse cala-a-boca de que vai depositar até R$ 15 mil e isso é brincadeira. R$ 15 mil depois de 25 anos de trabalho? Isso é 10%, 12%, 15% do montante que a maioria aqui tem para receber. O que pretendo fazer é continuar lutando, nos grupos, incentivando. Se a Abril não fizer nosso pagamento, temos que fazer uma manifestação maior, de repente lá no prédio do Morumbi ou descobrir o endereço residencial de um dos Civita, para fazer algo de impacto realmente e que a população reconheça que fomos demitidos e que a Abril não honrou com seus compromissos”.

> Saiba tudo sobre as demissões em massa e o calote da Abril

Patrícia Zaidan, 58, foi redatora-chefe da revista Claudia e trabalhou 19 anos na Abril:

A jornalista Patricia Zaidan no ato público que denunciou o calote da editora. Foto: Cadu Bazilevski/SJSP“Estávamos prevendo a chegada dessa demissão porque as coisas andavam complicadas e a mídia já tinha dificuldades que nós já conhecíamos dentro da Abril. Porém, ninguém imaginou que demissão seria tão vasta, que atingisse tanta gente e que desse um tiro no coração do jornalismo feminino brasileiro porque, dos oito títulos fechados, 11 eram dirigidos às mulheres. Foi terrível para a mão de obra feminina porque, desses veículos fechados, 90% da mão de obra era de mulheres e, sobretudo, para o público feminino. As revistas da Abril tinham um papel muito importante na história da emancipação da mulher, acompanhando todos os avanços das mulheres ou noticiando esses avanços, propondo discussões ou até mesmo participando deles. Como redatora da revista Claudia, fui a várias audiências públicas do Congresso Nacional para discutir o que deveria constar na Lei Maria da Penha, por exemplo. Quando o senador Nelson Carneiro foi elaborar o projeto de divórcio nos anos 1970, ele chamou Carmen da Silva, que era uma jornalista icônica da revista Claudia, para perguntar a ela o que deveria ter nesta lei. Mais recentemente, fui ao Congresso Nacional levar um documento da revista Claudia que era intitulado ‘A reforma das mulheres’, com mais de 40 páginas, para dizer que nós não queríamos a ‘reforma’ da Previdência, que a mulher seria muito prejudicada com essa reforma e que nós contra propúnhamos com a reforma que nos interessa. Ali nós levantamos os principais projetos que eram do nosso interesse e outros que não existiam nós propusemos na área de direito civil, direito reprodutivo e saúde, de todos as áreas nós apontávamos qual era o problema principal e o que nós propúnhamos para resolver. Esse histórico é para dizer o quanto foi nefasto matar de uma vez só tantos títulos dirigidos à mulher, que davam às mulheres elementos para discussão, reflexão. Então, quando vi a casa cair em 6 de agosto, essas coisas todas passaram pela minha cabeça. Estou numa faixa etária e tenho um trabalho consolidado no jornalismo e não pensei primeiro ‘estou sem emprego’. Na verdade, quando olhei para tudo isso, fiquei pensando no que faríamos com todas aquelas pessoas sofrendo o que estavam sofrendo porque, em 19 anos de Abril, conheci muito gente da gráfica, da distribuição, de assinaturas, de outros setores e as histórias que chegavam eram no sentido de ‘precisamos fazer alguma coisa, só tenho esse trabalho, não temo mais nada, não posso ficar sem esse salário, tenho quatro filhos’. Quando a Justiça aceitou o pedido de recuperação judicial, vimos consolidado ali um golpe terrível na mão de obra porque nos tratar como credores é de um absurdo terrível. Nós não somos credores, somos trabalhadores, nossa única fonte de sobrevivência é o salário. E ainda da forma como feito, segurando carteiras de trabalho, demorando para devolvê-las, demorando para dar o acesso ao Fundo de Garantia e as guias de seguro desemprego, foi de uma sordidez sem tamanho. Então, imediatamente fomos ao Sindicato dos Jornalistas discutir o que seria o futuro dessa organização e dessa luta. Meu mal estar não é só pessoal. Claro que quero que a Abril me pague cada centavo que conquistei por direito, com suor e pelo meu trabalho, mas me angustia, sobretudo, as pessoas que estão com enorme dificuldade para pagar a conta de água, de luz. Isso é terrível. Também lamentei pelo mercado de trabalho que essa medida significou. Tudo isso me impactou sobremaneira. Desde então, meu dia a dia não tem sido de desempregada, mas tem sido de muita luta, muita resistência. Meu dia a dia está tomado por entender como é que vamos atuar nessa recuperação judicial, por ouvir e falar com outros jornalistas, gráficos, administrativos envolvidos, porque conseguimos entender que a lei tem uma saída para nós. Essa saída se resume em a Abril comprar nossos créditos. A Abril não poderá jamais continuar oferecendo Prêmio Claudia, ou publicando índice das melhores empresas para trabalhar, as ‘maiores e melhores’, não pode fazer mais nada disso se não cumprir sua responsabilidade com seus empregados. Meus dias são fazendo pressão para que isso ocorra, que eles comprem nossos créditos e tomem nosso lugar como na lista de credores da recuperação judicial, que a empresa vá se entender com o juiz, com as empresas globalizadas e com os bancos com quem a editora faz negócios e a quem a Abril deve mais de R$ 1,6 bilhão. Nossa luta é no sentido de mostrar que R$ 110 milhões que nos devem eles têm que tirar do próprio bolso e honrar esse compromisso”.

Repórter fotográfico freelancer dispensado pela Abril

“Fechei dois trabalhos grandes com a Abril no começo desse ano, aos quais me dediquei por cerca de sete meses e que praticamente fecharam minha agenda. Comecei a entregar as notas fiscais a medida que ia entregando os trabalhos porque a editora costumava dividir o pagamento em três parcelas. Recebi o primeiro pagamento de um dos trabalhos e os outros dois pagamentos começaram a demorar, o que achei estranho. Depois, acumulou quatro notas que tinha para receber e quando eu falava com o financeiro da empresa, me diziam que não tinham recebido as notas, que havia atraso e tinha que cancelar, e foi ocorrendo um remanejamento o tempo inteiro. Mandei até pelos Correios, por Sedex, e mesmo assim o financeiro dizia que não recebia, um rolo muito grande e tudo muito estranho até que chegou uma hora em que eu estava há quatro meses fazendo outro trabalho e não pagaram nem a primeira parte. Informei que não iria entregar a outra parte do trabalho até que providenciassem o pagamento porque eu estava há meses me dedicando sem receber. Depois dessa ameaça de não entregar o trabalho, me pagaram outras duas parcelas de um dos trabalhos e o pagamento do outro não recebi por conta da recuperação judicial da Abril. O que é muito indignante é que quem paga esse trabalho é o patrocinador de uma premiação da Abril e a editora tinha o compromisso de entregar isso, então havia esse dinheiro entrando, mas não me pagaram. Eu podia não ter entregue esse trabalho e a Abril iria se prejudicar com o patrocinador, mas não quis chegar a esse ponto e prejudicar a revista à qual eu fazia esse freelancer até porque eu tinha uma relação com o pessoal da publicação. Querendo ou não, quem estava na revista estava se desdobrando para poder editar a publicação e tive esse cuidado apesar de todo esse contexto, pois o pessoal da redação não tinha nada a ver com o financeiro. Antes da recuperação judicial, eu estava há pelos menos três meses sem receber nada por um dos trabalhos. Além das fotografias, fiz vários vídeos que ainda não haviam sido editados até depois da recuperação judicial, e tive que deixar o trabalho na metade, tudo isso depois de passar meses viajando, longe da minha família para fazer esse freelancer, e agora recebo parcialmente, o que gera um clima muito ruim e desanimador. Fui avisado pela direção da revista que eu não receberia o pagamento, e que a consultoria que está administrando a Abril queria fazer uma reunião comigo para negociar pagamento. Como fotógrafo freelancer, não tenho que me reunir com consultores que administram a Abril que queriam negociar meu cachê que tem um valor que não representa nada perto da dívida da editora, sendo que esse dinheiro existe porque veio de um patrocinador com o qual a empresa tinha o compromisso de fazer esse trabalho. Continuei fazendo meu trabalho para que a Abril honrasse esse compromisso com o patrocinador, o que me indignou muito. Eles argumentaram que, por lei, não podem me pagar porque emiti as notas fiscais antes da recuperação judicial e, se eu cancelar as notas e emitir outras novas, isso é considerado fraude. É muita indignação porque foi tudo muito calculado como essa de ‘perder’ as notas ou dizer que não chegaram. Como trabalho com meu lado criativo, desde que recebi essa notícia do calote, não consigo produzir porque estou correndo atrás do Sindicato, do gerente do banco, tenho que ver como trabalhar, ver que amigo pode ficar com minha filha quando ela volta da escola. Tudo isso vai te podando, enfraquecendo por todos os lados, principalmente o financeiro, com todo um estresse que gera. É muito desolador para todo mundo, afeta muito emocionalmente. O que estou fazendo agora é ficar perto do Sindicato para fortalecer a luta dos freelancers depois de mais de cinco anos dedicados à Editora Abril”.

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