Estamos no início de um duro período em termos de saúde, econômicos e sociais. Nessa situação, quando são urgentes ações contundentes para defender o emprego e a renda do povo brasileiro, Bolsonaro vai no sentido contrário, como mostra o conteúdo da Medida Provisória 927 (editada por ele em 22 de março). A MP parte da premissa de tomar medidas para proteger empresas, e dessa forma garantir a manutenção de empregos, e descarrega o custo disso justamente nas costas dos trabalhadores, o setor mais fragilizado e que deveria ser o foco da ação protetiva do Estado brasileiro.
Com essa MP, Bolsonaro deixa cristalina a sua falta de preocupação com a garantia de renda dos trabalhadores, ainda que tenha voltado atrás horas depois da possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho (retomado agora, de outra forma, na MP 936). O conjunto do que foi mantido em vigor fragiliza os empregados neste momento de crise aguda, como mostra a análise de nosso Departamento Jurídico (veja a íntegra aqui).
Um alerta preliminar diz respeito ao fato de que a adoção do estado de calamidade, que entrou em vigor em 20 de março, constitui hipótese de força maior, nos termos do art. 501 da CLT, que estabelece, entre outros pontos, que a indenização rescisória, nesta situação, é paga pela metade.
Teletrabalho (home office, trabalho remoto ou a distância): não há dúvida de que este dispositivo é importantíssimo neste momento de combate à propagação do coronavírus, e é o que o Sindicato dos Jornalistas SP tem defendido para o maior número possível de profissionais. Mas a adoção dessa medida não pode justificar o desrespeito à jornada de trabalho. Lembramos, inclusive, que na Convenção Coletiva do setor de Jornais e Revistas da Capital está previsto que o home office seja feito com a observância da jornada contratada.
No entanto, pela Medida Provisória, um chefe pode mandar mensagens pelo whatsapp a qualquer hora do dia ao subordinado, ou ao longo do dia inteiro. A MP diz que isso não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, ou seja, não haverá remuneração (salvo se houver acordo coletivo expressando o contrário).
Além disso, quem arca com os custos da estrutura necessária para o trabalho remoto será definido em “acordo” individual (ver próximo ponto). É claro que tende a sobrar para o bolso do trabalhador.
Acordo individual: a MP prevê a possibilidade de “acordo” individual entre empregado e empregador, dispositivo legal também conhecido como “manda quem pode”, ainda mais em um momento no qual a possibilidade de desemprego ganha contornos desesperadores.
Antecipação de férias (individuais ou coletivas): pode ser feita por imposição unilateral do empregador, mas o pagamento do adicional de um terço de férias… pode ser atrasado até dezembro! Por “acordo” individual, podem ser antecipadas férias futuras de novos períodos aquisitivos – e depois o trabalhador poderá ficar um longo período sem férias.
Para jornalistas (função essencial no combate à pandemia conforme decreto de 22 de março), o contrário também pode ser feito: a suspensão de férias ou licenças não remuneradas.
Antecipação de feriados: a lógica é a mesma do ponto acima, imposição unilateral do empregador (à exceção dos feriados religiosos, que deverão constar em “acordo” individual), e o empregado que está agora isolado em casa perde a folga no futuro.
Banco de horas em regime especial: a MP começa afirmando que será realizado por “acordo” individual, com o prazo de compensação de 18 meses a partir do encerramento do estado de calamidade! Mas, depois, ela se contradiz, estabelecendo que a compensação fica a critério do empregador. Na verdade, a MP atropela qualquer norma que conste em acordos coletivos. Mas, o fato é que o modelo foi talhado para as categorias que estão sem trabalho agora, sendo colocadas em casa – neste caso, o trabalhador acumula dezenas ou centenas de horas “a dever”, e as paga em até um ano e meio trabalhando horas extras sem receber. No caso dos jornalistas, cujo trabalho (na redação, na rua ou em home office) continua a todo vapor, essas regras não encaixam.
Suspensão de exigências em segurança e saúde no trabalho: em um momento no qual se esperaria mais cobranças para um ambiente de trabalho saudável, o governo federal achou por bem suspender exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto os demissionais, além de outras questões.
Suspensão do recolhimento do FGTS: os empregadores não têm mais a exigência de fazer os pagamentos relativos a março, abril e maio de 2020, podendo ser parcelado em 6 vezes posteriormente sem juros ou correção.
Empresas desobrigadas de tomar medidas contra a pandemia: Pela MP, os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados “ocupacionais” (ou seja, decorrentes da relação de trabalho), exceto mediante comprovação do nexo causal (quer dizer, a prova da origem da contaminação). É uma decisão que desobriga as empresas de tomarem medidas para evitar que a doença se propague no ambiente de trabalho. Por exemplo, se a empresa decidir não afastar um trabalhador com sintomas de Covid-19 (ou que tenha tido contato estreito com alguém doente), e houver uma contaminação dos colegas de trabalho, as vítimas terão de provar na Justiça que seu contágio se deu pelo trabalhador que não foi afastado pela empresa. Não basta apenas provar que a empresa não tomou as medidas adequadas à situação.
Fiscalização trabalhista suspensa: processos que tramitam na Delegacia Regional do Trabalho (DRT) (como denúncias de irregularidades trabalhistas ou pedidos de fiscalização) ficam suspensos por 180 dias.
Ultratividade dos Acordos Coletivos: instrumentos legais como os acordos ou convenções coletivas de trabalho que estejam vencendo poderão ser prorrogados, pelo prazo de 90 dias – mas, de novo, fica a critério só do empregador. O SJSP discute o que fazer no caso da Convenções Coletivas que vencem em 1º de junho, as de Jornais e Revistas da Capital e do Interior.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo se opõe a todas as medidas que retiram direitos, e combate os “acordos individuais”. O Sindicato considera que as relações de trabalho são, por definição, uma questão coletiva, e que os direitos e deveres devem ser acertados por acordos coletivos entre sindicatos (expressando a vontade organizada das categorias profissionais) e as empresas.