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Audálio Dantas: uma vida de luta que entra para a história

Emoção no adeus a Audálio Dantas: uma vida de luta que entra para a história

Ato religioso durante o velório de Audálio Dantas no auditório Vladimir Herzog, sede do Sindicato dos Jornalistas. Foto: Cadu Bazilevski/SJSPMais de 700 pessoas participaram da despedida a Audálio Dantas na última quinta-feira (31), na sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), no centro paulistano.

Dantas morreu aos 88 anos na tarde deste 30 de maio, na capital paulista, vítima de um câncer de intestino contra o qual lutava desde 2015.O jornalista deixa a mulher Vanira Kunc e as filhas Juliana e Mariana, além dos filhos José e Ana, dos dois primeiros casamentos, netos e bisnetos.

A despedida foi marcada pela emoção e as várias histórias de vida lembradas e contadas por familiares, amigos e admiradores de Audálio, referência na luta contra a ditadura, na combatividade como sindicalista e na prática da ética como jornalista.

Uma longa salva de palmas marcou o início da cerimônia, que ocorreu das 12h às 20h com o Auditório Vladimir Herzog lotado. Foram dois os atos religiosos celebrados durante o velório. O primeiro, logo no início, foi conduzido pelo padre Júlio Lancellotti, da  Pastoral do Povo de Rua, e o segundo, um pouco mais tarde, pelo padre Tarcísio Marques Mesquita, da Arquidiocese de São Paulo.

“Neste momento grave em que vive nosso povo e nosso país, o Audálio adormeceu para que o país acorde, para que nós acordemos. Há um silêncio que também incomoda e o Audálio não era uma pessoa que se calava diante das injustiças”, destacou Lancellotti. Ele fez um agradecimento pelos que tiveram o privilégio de conhecer, conviver e lutar ao lado de Audálio, pela vida plena do jornalista e disse que as orações começariam pensando nos pobres, nos pequenos, nas camadas “de baixo” da sociedade que sempre estiveram na pauta do olhar sensível de Dantas às causas sociais, dentro e fora das reportagens.

Sua história de vida também foi lembrada. Nascido em Tanque D'Arca, em 8 de julho de 1929, o jornalista e escritor alagoano Audálio Dantas presidiu o Sindicato dos Jornalistas de 1975 a 1978. Eleito em 1979, foi deputado federal até 1983, e esteve entre os parlamentares mais influentes do país. Também foi presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) em 1983, o primeiro por voto direto na história da entidade.

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Dedicou mais de seis décadas de vida ao jornalismo, destacando-se em grandes reportagens. O alagoano do agreste chegou com a família em São Paulo aos cinco anos. Aos 17 anos, em 1946, conseguiu seu primeiro emprego em um laboratório fotográfico. Em 1954, começou a trabalhar na Folha da Manhã revelando as fotos do italiano Luigi Mamprin e passou à reportagem em pouco tempo. A partir daí, se consolidou como repórter – sempre nas ruas, onde preferia estar em vez de fazer coberturas na redação-, e atuou nos principais veículos do país, como as revistas O Cruzeiro, Quatro Rodas, Realidade, Veja e Manchete.

Durante toda a tarde da cerimônia, nos vários círculos de amigos, familiares, jornalistas, artistas, escritores e parlamentares que passaram pelo Auditório Vladimir Herzog, brotaram histórias e declarações de gratidão pelos feitos de Audálio, que segue vivo pela herança inestimável que deixa ao jornalismo. Uma vida resumida pelo filho José Dantas como marcada também “pelo afeto, amizade, esperança e pelo exemplo de destemor e coerência”.

No encerramento da despedida, uma grande imagem de São Jorge aos pés do caixão e, às 19h30, o Coro Luther King, do maestro Martinho Lutero Galati De Oliveira, se apresentou à luz de velas. Num dos momentos mais emocionantes das homenagens a Audálio Dantas, os coristas interpretaram a “Canção da partida”, do compositor baiano Dorival Caymmi, seguida de “Bella ciao”, canção hino de resistência dos italianos contra o fascista Benito Mussolini e os nazistas na Segunda Guerra. Com versão em francês e refrão em português, “A Internacional”, encerrou a apresentação do coro e o velório marcado pela emoção.

A cerimônia de cremação ocorreu na manhã de sexta (1º), no Cemitério Vila Alpina, na região oeste da cidade de São Paulo.

Emoção marcou final da despedida a Audálio Dantas com apresentação do Coro Luther King. Foto: Cadu Bazilevski/SJSPCoragem na vida e na luta

Audálio se sindicalizou em 21 de fevereiro de 1962 e, antes de se tornar presidente, ocupou outros cargos na entidade, sempre defendendo que o SJSP  deveria ser instrumento de combate à censura e à violência do regime civil-militar.

Em 1967, participou de uma Comissão de Liberdade de Imprensa pela oposição sindical. A Lei de Imprensa foi instituída no mesmo ano pelo governo autoritário do marechal Castelo Branco, mas o jornalista havia mobilizado cerca de dois mil profissionais contra a legislação e assustou o patronato.

A chegada de Audálio à presidência do SJSP, em maio de 1975, marcou a retomada da entidade para as mãos dos jornalistas contra a ditadura militar, depois de uma década em que a direção só debatia questões trabalhistas, sem discutir a censura enfrentada pela categoria. A história da entidade e do jornalista ficaramm marcadas para sempre já no quinto mês do mandato da nova direção.

Em outubro do mesmo ano, ele enfrentou a ditadura ao reforçar a denúncia do assassinato de Vladimir Herzog, forjado pelos agentes do regime militar inicialmente como “suicídio” para esconder os crimes cometidos sob tortura nos porões do Doi-Codi. Audálio nunca acreditou na versão oficial e o “enforcamento” acabou desmascarado com a denúncia do rabino Henri Sobel, logo depois da preparação do corpo de Herzog para sepultamento de acordo com os rituais judaicos.

Com Audálio à frente, foi dentro do auditório do SJSP que se organizou o ato ecumênico que reuniu mais de oito mil pessoas na Catedral da Sé, no centro paulistano, um marco da reação da sociedade contra a violência do regime ditatorial. Foi dele também a ideia da produção do jornal Unidade denunciando o assassinato em edição histórica que faz parte da memória da luta dos jornalistas contra a ditadura e pela redemocratização do Brasil.

Paulo Zocchi, presidente do SJSP, destacou que Dantas é o maior nome da história do Sindicato e “o pilar mais forte” da entidade, lembrando que o jornalista participou das atividades sindicais até o fim, com um laço que se manteve perene e ativo durante a maior parte da vida. Audálio fez parte da Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas e, eleito em 2016, era membro da Comissão de Ética da Fenaj.

Além da coragem, “ele tinha um aspecto profundo de ligação com a democracia, focado na maioria, nos mais pobres, na grande parcela trabalhadora da população brasileira”, disse o dirigente. Zocchi também falou sobre a importância de que os últimos pronunciamentos públicos de Audálio tenham sido contra a prisão do ex-presidente Lula (leia mais nesta entrevista exclusiva concedida ao jornal Unidade, em agosto de 2017).

“Ainda que as pessoas tenham diferentes opiniões a respeito [da prisão de Lula], quando olhamos para a trajetória do Audálio, vemos uma coerência férrea, uma continuidade, uma posição extremamente firme”, ressaltou o atual presidente.

Apesar da perda irreparável para o jornalismo, para o Sindicato, para a vida pública e para a intelectualidade do país, o legado deixado faz de Audálio vivo e eterno, afirmou Zocchi, em nome da direção do Sindicato. “Ele tem uma vida que marcou e que marca, e o sal da terra frutifica, ele é fértil. O trabalho, a vida, os pensamentos dele frutificam e estarão sempre presentes para nós”, concluiu.  

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