“O verdadeiro humor dá um soco no fígado de quem oprime”. Essa é uma das mais conhecidas citações do cartunista, jornalista e escritor mineiro Henrique de Souza Filho, o Henfil. A frase resume com precisão o trabalho do cartunista, cuja morte, por complicações da AIDS, contraída após uma transfusão de sangue, completa 30 anos neste 4 de janeiro.
O cartunista, assim como seu irmão, o sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho, foi um importante militante contra a ditadura militar no Brasil. O exílio de Betinho no Chile seria imortalizado pela canção “O bêbado e a Equilibrista”, na voz de Elis Regina.
O artista teve toda sua produção feita durante o regime militar e, por isso, a maior parte de suas obras reflete a luta pela democratização do país, pela anistia aos presos políticos e pelas eleições Diretas Já.
Ele foi responsável pela renovação das ilustrações humorísticas brasileiras, criando personagens típicos que se consagraram com os anos, como a Graúna, os Fradinhos e o Capitão Zeferino.
A Graúna era um simpático passarinho que trazia, em seus balões de fala, valores críticos. Ela tem sido resgatada pela esquerda brasileira e readaptada para denunciar o golpe que tirou do poder a ex-presidenta Dilma Rousseff.
Para Ivan Cosenza, filho de Henfil, o resgate expõe a atualidade do trabalho de seu pai.
“Antes, quando apareciam as notícias do que estava acontecendo, eu republicava algumas charges antigas dele que tinham tudo a ver, algumas pareciam que tinham sido feitas para aquele acontecimento, e não 40 anos antes”, afirmou.
Cosenza é presidente do Instituto Henfil e inaugurou, em novembro, um projeto chamado “Carta do Pai“, uma releitura das consagradas crônicas “Cartas da Mãe” produzidas por Henfil. Nos textos, o filho explica a conjuntura política para o falecido pai: “essa crônica acabou sendo um jeito de situar o trabalho dele com o que está acontecendo, mostrando um pouco da atualidade da visão que ele tinha, que era impressionante”.
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Henfil cresceu na periferia de Belo Horizonte, onde trabalhou como embalador de queijos e jornalista, até especializar-se em quadrinhos na década de 1960. Como ilustrador, chegou a trabalhar nas revistas Realidade, Visão, Placar, O Cruzeiro, e O Pasquim.
Na década de 1970 criou a revista humorística Fradim. Na época, mudou-se para São Paulo em um apartamento que ficou conhecido como “bunker”, por abrigar outros cartunistas como Angeli, Glauco, Nilson e Laerte Coutinho. De acordo com Laerte, que relembrou seus momentos com o falecido cartunista, trabalhar com Henfil era, ao mesmo tempo, “muito legal e exasperante”.
“A gente sentava para produzir coletivamente, mas o Henfil tinha uma velocidade e uma profusão na criação que a gente não chegava aos pés. A gente ficava pensando ideias, e ele já tinha desenhado uma dúzia de cartuns. Ele era assim, a cabeça dele era uma usina muito ativa”, contou.
A cartunista conta ainda que Henfil estava decepcionado e pessimista com a política brasileira no final de sua vida, mas opina que ele certamente continuaria militando pela democracia e denunciando o golpe de 2016. Ela ressalta que o maior legado de Henfil é a defesa dos direitos do povo por meio do humor. Para Laerte, o maior legado da história e das obras de Henfil é a defesa dos direitos do povo através do humor.
“Ele tem uma conexão com a linguagem do humor e do humor vinculada à defesa da população brasileira mais oprimida, que é importantíssimo a gente manter a vista. Esse legado é o principal dele, nunca deixar de lado os que sofrem, que são a maioria mesmo”, disse.