Nos primeiros cinco meses deste ano, a Ouvidoria da Polícia de São Paulo recebeu 2.214 denúncias e reclamações sobre a atuação de policiais civis e militares no estado. A má qualidade no atendimento à população e o abuso de autoridade são as queixas mais comuns dos cidadãos envolvendo as duas forças. Já especificamente sobre a Polícia Militar, os homicídios praticados pelos agentes são a queixa principal, com 17% do total das denúncias.
Em entrevista à Rádio Brasil Atual, o ouvidor das polícias de São Paulo, Benedito Mariano, alega que o mau atendimento prestado à população se deve à falta de estrutura e investimento. “Hoje, o estado de São Paulo tem pelo menos 300 municípios que não têm delegados de polícia”. Sobre a letalidade policial, o órgão afirma que está prestes a lançar pesquisa específica sobre o tema.
Junto com o balanço das reclamações, e elogios – que somam 272 –, o relatório produzido pelo ouvidorconta com oito sugestões que foram encaminhadas ao governador Márcio França (PSB). A principal proposta pede a implementação de um piso salarial estadual para as polícias. Outras propostas se relacionam com o fortalecimento da Corregedoria, para coibir abusos, e o aumento do efetivo das Polícias Civil e Científica, para melhorar a qualidade do atendimento e a resolução de crimes.
“O relatório revela aquilo que o a gente já sabe e o governo insiste em não ver”, afirma o professor de Estudos Organizacionais da FGV-EAESP Rafael Alcadipani, que há anos acompanha o trabalho policial em São Paulo. Sobre os assassinatos cometidos por agentes da segurança pública, ele diz é que é resultado da “cultura informal da violência” e da impunidade dos envolvidos.
“A Polícia Militar, que mata assustadoramente, tem uma boa formação. O problema é a cultura informal, que impera em vários grupos que incentivam a letalidade. Eles têm aulas de direitos humanos, ótimas academias de padrão internacional. Mas a gente tem o que a gente chama de 'currículo não dito'. O agente aprende direitos humanos na academia de polícia e, no dia a dia, o superior diz 'esquece tudo isso que você aprendeu na academia'”, explica Rafael.
Esse código implícito de conduta valoriza, por exemplo, o policial que sai 'à caça' de criminosos pelas ruas em viaturas apagadas, quando, na verdade, deveria realizar o policiamento preventivo, mais próximo das pessoas. Segundo Rafael, o policial deve ser visto como um agente de segurança, e não como um combatente das Forças Armadas.
Além de chefes de polícia comprometidos em combater essa “cultura informal”, o professor chama a atenção para a necessidade de atuação mais incisiva do Ministério Público (MP-SP), responsável por apresentar denúncias contra agentes acusados de cometer crimes. “O MP tem que começar a responsabilizar os comandantes dos batalhões individualmente, e não apenas os policiais”.
Segundo ele, a sociedade também é “leniente” com o policial que mata. “Enfrentar essa cultura é tentar mudar a forma como esses caras veem o mundo. É muito difícil conseguir fazer isso. O segundo aspecto é que o Ministério Público, a Justiça e a sociedade, como um todo, acham que matar está certo. Em pesquisas de opinião, pelo menos 50% acham que a polícia tem que matar mesmo, e que 'bandido bom é bandido morto'”.
O professor da FGV diz que a valorização dos salários também é medida importante para tentar atrair melhores quadros para as polícias e combater a desmotivação. Outra questão, segundo ele, é que, melhores remunerações, diminuiriam a pressão para policiais fazerem “bicos” como segurança, garantindo o devido período de descanso, o que também traria impacto na qualidade do atendimento.
Para Alcadipani o fortalecimento das corregedorias, que poderiam funcionar como órgãos disciplinadores e com autonomia em relação aos comandos, é medida importante, mas o ideal, segundo ele, é a criação de corregedorias externas e independentes para cada uma das duas polícias.