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Sindicato dará continuidade à Comissão da Verdade dos Jornalistas

Sindicato dará continuidade à Comissão da Verdade dos Jornalistas


anistia zocchi

 

O Sindicato deverá dar continuidade aos trabalhos da Comissão da Verdade dos Jornalistas, mesmo após o fechamento dos relatórios da Comissão Nacional. Esta decisão foi comunicada pelo presidente da entidade, Paulo Zocchi, durante ato público realizado na noite do dia 24 de agosto, no auditório Vladimir Herzog, relembrando a promulgação da Lei da Anistia, que neste mês completará 36 anos.

A atividade, organizada pelo Fórum dos Trabalhadores e Trabalhadoras, Comitê Paulista Pela Memória Verdade e Justiça, com o apoio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo e do Sindicato, reuniu militantes da causa dos direitos humanos, que debateram o que ocorreu no Brasil após a Lei da Anistia. Os debates foram mediados por Denise Fon.

Zocchi disse que era motivo de orgulho para a entidade receber um ato para discutir a questão da Anistia e os Direitos Humanos, e que sempre o sindicato esteve envolvido “apaixonadamente” na luta contra o regime militar. Lembrou que muitos jornalistas foram perseguidos e 15 deles prestaram depoimentos à Comissão da Verdade da categoria, mas que há dezenas deles que ainda podem contribuir para esclarecer o que se passou com os jornalistas no período da repressão.

Quanto à Anistia, Zocchi lembrou que ela foi uma conquista do movimento de massas que derrotou a ditadura e que, apesar de ter significado importantes avanços – já que asseguraram as Diretas Já, a liberdade e autonomia sindical, a libertação de presos políticos e a volta dos exilados, ficou incompleta por não punir os torturadores. “E hoje, para piorar, como consequencia disso, assistimos a um acinte, com torturadores desfilando e fazendo discursos em passeatas”.

O presidente do Sindicato disse que é necessário continuar a luta para eliminar os resquícios da ditadura militar presentes ainda na vida dos brasileiros, com o esclarecimento dos fatos e punição dos torturadores. “Temos uma Polícia Militar que muitas vezes age como na época da repressão, vitimando os trabalhadores”, argumenta ele.

Falácias históricas

Fábio Luiz Franco, representando o secretário municipal dos Direitos Humanos e Cidadania, Eduardo Suplicy, lembrou que a Carta de Intenções do Comitê de Anistia, apesar de Ampla, Geral e Irrestrita, não previa anistia aos torturadores. “Ela foi uma lei conciliatória, mas deveria ter garantido a punição àqueles que torturaram e assassinaram em nome do estado”.

Marcio Sotelo Felippe, advogado e ex-procurador do Estado de São Paulo, relembrou a promulgação da Lei da Anistia e como as manobras jurídicas do Supremo Tribunal Federal tiveram efeito para não punir os responsáveis pela ditadura.“ Utilizou-se de falácias históricas e jurídicas para colocar como iguais as vítimas e os algozes, em cima de um suposto acordo entre os envolvidos que nunca existiu”, conta.

Márcia Hattori, arqueóloga do grupo forense de Perus, relatou como um jovem grupo de antropólogos, arqueólogos e fotógrafos forenses tem trabalhado para identificar vítimas da ditadura enterradas na vala clandestina de Perus. “Buscar pessoas vítimas da violência de Estado, com apoio do próprio Estado que cometeu os crimes, não é tarefa fácil. O caso de Perus está caminhando. Foram analisados 20 livros de sepultamento do cemitério coletando quase 6 mil entradas de nomes conhecidos, nomes falsos e desconhecidos, levantando a possibilidade de que alguns deles tenham entrado como desconhecidos no cemitério”.

Ela diz que foram analisados livros de fotografias de vítimas de 1971 a 1980, 566 livros que continham laudos necroscópicos e quase cinco mil declarações de óbito. “Recuperamos fotografias perdidas, analisamos fichas antigas, conseguimos pormenorizar o histórico das buscas, com muitas lacunas e incertezas; acessamos e reencontramos 42 famílias, cujos contatos oficiais eram os dos anos de 1990 e os trouxemos à São Paulo; limpamos e acondicionamos 391 caixas, muitas mofadas, mescladas, coladas, com o primeiro propósito de dar dignidade aos mortos e o segundo de preparar o material para a chamada análise antropológica (sexo, idade, doenças, estilo de vida, lesões, causas de morte), onde analisamos 385 caixas e graças a alguns colegas conseguimos retirar, depois de 12 anos de abrigo temporário, as caixas restantes do cemitério do Araçá para um local mais seguro”. (leia abaixo a íntegra do documento redigido pelo grupo).

Já o advogado Antonio Funari Filho, membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo lembrou as dificuldades que foi conceber o Comitê Brasileiro pela Anistia, do qual foi participante. “A OAB/SP, por exemplo, não era apoiadora. Ele nasceu exatamente na oposição à diretoria daquela época, na chamada Chapa Marrom. E foi graças, sobretudo, ao empenho das mulheres, que tomaram em suas mãos a luta pela Anistia, que o país alcançou a democracia. Mas ainda precisamos acabar com a impunidade e trabalhar para retomar as reformas estruturais que foram abortadas com o golpe militar no governo de João Goulart”.

 

Este é o texto escrito pelo grupo forense de Perus:

” Elson viveu clandestino praticamente dos 17 aos 61 anos, Tio Maneco,  para os sobrinhos, Mané Vaca para os amigos do futebol. Ísis gostava de seu  cabelo curto. Joel era vascaíno roxo. Davi gostava de provocar as irmãs, freiras  devotas. Aluísio pensou em trabalhar no Banco do Brasil. Edgar não queria ser agricultor e foi para a marinha. Thomás tinha uma chapa de metal no braço. Luis fez mochilão com os amigos da escola pela América do Sul. Itair trabalhava com o tio em Nilópolis fazendo calçado. Issami quebrou a perna jogando futebol. Grenaldo sequestrou um avião. Mas a história pode ser diferente. Elson recebeu uma injeção letal para cavalos. Chico passou pelo IML. Davi foi preso pelos alemães em um campo de concentração. Aluísio arrancou todos os dentes para não ser pego. Luís foi barbaramente torturado. Itair teria sido esquartejado. Pouco se sabe de Issami. Grenaldo desapareceu e desaparece a cada vez que um processo de busca pára, a cada resposta negativa, a cada vitimização e violação. Mas reaparece quando repetimos incessantemente seu nome: Grenaldo de Jesus da Silva.

O que se chama de Antropologia Forense no Brasil e a busca pelos mortos e desaparecidos do período da ditadura civil-militar têm, grande parte das vezes, sido uma violência para com os familiares e amigos que procuram pelo ente-querido arrancado de sua vida, privado de sua liberdade, pelo terror de Estado. O termo “ossada” não dá conta da imensidão de uma vida de luta, de engajamento, de felicidade e dor, de alegria e frustração, de crenças, ideologias e práticas. Cada “ossada” era uma pessoa, um indivíduo biológico com fundamental dimensão social, costumamos dizer, que herdou do pai e da mãe muito de sua biologia, mas que gostava de jogar futebol, que lia Marx, que pintava que, enfim, vivia em sociedade. Os ossos são mais que corpos, são amigos, vizinhos, irmãos, filhos, primos, pessoas, seres humanos, mas que destituídos de identidade, ocultados, postos em sacos de lixo hospitalar, ainda teimam em seguir reaparecendo aqui e acolá, para mostrar que ninguém simplesmente desaparece, que desaparecer não é uma capacidade fisiológica, genética, mas que é parte de uma arquitetura política e social que tornou o corpo daquele que subverte a ordem, o alvo de uma feroz estratégia de higiene que limparia, da sociedade, o indígena, o negro, a mulher, o comunista. Foi impossível limpar as ideias e as ideologias. Penso, logo me desaparecem, diz se para os 43 de Ayotzinapa. A estratégia repressiva do estado não acabou, assim como a dor do desaparecimento, os traumas sociais e a impossibilidade de finalmente respirar para fora do silêncio, da especulação e da incerteza.

Buscar pessoas vítimas da violência de Estado, com apoio do próprio Estado que cometeu os crimes, não é tarefa fácil. Vemos amigos antropólogos e arqueólogos médicos e odontólogos, lutando diariamente no Peru, como a Equipe Peruana de Antropologia Forense, no México, como a Equipe Mexicana de Antropologia Forense, na Argentina, como a Equipe Argentina de Antropologia Forense, no Uruguai, com o Grupo de Investigação em Arqueologia Forense, na Guatemala, com a Fundação de Antropologia Forense da Guatemala, e em outros países hermanos, mas também nos EUA, na Somália, na Argélia, de onde recebemos o aprendizado sobre os desaparecimentos, herança colonialista no “melhor estilo” Noite e Nevoeiro,  obtendo sucesso, avançando, duramente. Vemos no Brasil, todavia, onde os antropólogos e arqueólogos, cujo conhecimento posto na prática forense dá origem a Antropologia Forense, não tem cargos de perícia e onde a perícia ainda é realizada pelas instituições policiais que tornam as buscas não apenas medicalizadas, como militarizadas.

Pela primeira vez estamos em um grupo de Antropologia. Em um diálogo interdisciplinar, revisitando, relendo, refazendo. Algumas verdades necessárias já foram quebradas, como o fato de que não podemos afirmar 1049 pessoas na vala, mas 1049 caixas – semana passada abrimos uma caixa com 4 crânios adultos -, ou que não devemos chamar a abertura da vala de uma escavação, se não de um desenterramento. Achamos as fotos originais de pessoas mortas e desaparecidas, 25 anos fechadas em uma caixa que passou 10 anos na universidade e outros 15 no IML, e descobrimos que os familiares não as tem mais ou nunca as viram. A sistematização de documentos do IML e do Cemitério nos trouxe novas siglas talvez relacionadas a “terroristas” junto de fotos de pessoas que não conseguimos dar o nome, o TRR no livro de fotografia de vítimas; vemos legistas envolvidos com a repressão fazendo laudos pontuais de “desconhecidos”; vemos algumas pessoas que tinham nomes nos inquéritos policiais pararem em Perus como “desconhecidas”.

Mas isso é pouco, muito pouco, e há muito a ser feito. Queremos saber onde estão as pessoas que buscamos? Elas estão na vala? O que aconteceu com elas em sua vida e nos últimos momentos da vida? E o que é a vala? Quem está lá? Quem não está? Existem outras valas?

Infelizmente, direitos humanos e desaparecimento não são os temas mais importantes ao Estado Brasileiro, não estamos dizendo aqui a partir de iniciativas individuais, que temos muitas, mas como instituição. Haja visto que a democracia no Brasil continua desaparecendo com as pessoas, tirando a cidadania através de muitas formas: seja a partir do chamado desaparecimento forçado seja, a partir do que temos denominado de desaparecimento administrativo, no qual a falta de documentação, de padrões, de coesão, as lacunas, a destruição de documentos, nos desaparece enquanto cidadãos em uma sociedade em que existimos por nossos papéis. Não sem interesse, grupos policiais retiram de moradores de rua seus RGs; assim, quando morrerem, seguem sendo “ninguém”.

O mundo capitalista também transforma trabalhos humanitários em dependentes do capital. E a burocracia instituída pela ditadura ainda é a mesma hidra de sete cabeças contra a qual é difícil lutar, uma névoa que paira, apaga, dificulta, frustra, e que nenhuma espada consegue atingir. Isso acarreta a falta de materiais para trabalho, a falta de salários, as frustrações, as incompreensões, a infraestrutura precária. A luta contra as consequências do desaparecer como estratégia repressiva é diária e envolve a todos: o não saber, a inexistência, a incerteza, a falta de clareza, as divergências de informações, a falta de informações, de documentação, o não falado, a lacuna e o silêncio, atinge as buscas, as equipes e os envolvidos, e fere continuamente os familiares e amigos. “A morte pode ser infinita?”, nos questionou um familiar, já da 4ª geração.

Perus está caminhando, não podemos negar. Até o momento, analisamos 20 livros de sepultamento do cemitério coletando quase 6 mil entradas de nomes conhecidos, nomes falsos e desconhecidos, levantando a possibilidade de que alguns dos nossos tenham entrado como desconhecidos no cemitério; analisamos livros de fotografias de vítimas de 1971 a 1980, 566 livros que continham laudos necroscópicos e quase cinco mil declarações de óbito.Recuperamos as fotografias perdidas, analisamos fichas antigas, conseguimos pormenorizar o histórico das buscas, com muitas lacunas e incertezas; acessamos e reencontramos 42 famílias, cujos contatos oficiais eram os dos anos de 1990 e os trouxemos à São Paulo; limpamos e acondicionamos 391 caixas, muitas mofadas, mescladas, coladas, com o primeiro propósito de dar dignidade aos mortos e o segundo de preparar o material para a chamada análise antropológica (sexo, idade, doenças, estilo de vida, lesões, causas de morte), onde analisamos 385 caixas e graças a alguns colegas conseguimos retirar, depois de 12 anos de abrigo temporário, as caixas restantes do Araçá para um local mais seguro.

É claro que não podemos ocultar que ainda faltam os materiais de trabalho como sacos e colas, o laboratório precisa de reforma, é preciso coletar amostras de DNA dos vivos, das mães que ainda estão, é preciso fechar o laboratório para a genética forense, já que a proposta de identificação, atualmente, depende disso. Ao que só podemos agradecer profundamente a  deputada Erundina, que nos destinou uma emenda de 2 milhões de reais apenas para a questão genética e que precisa ser parcialmente comprometida ainda neste ano.

É claro que só poderíamos estar aqui dizendo isso tudo em um país que mudou, em certos e bons aspectos. Mas também, e especialmente, graças a relação que há cerca de um ano buscamos construir com diferentes grupos de familiares entre eles o Comitê Paulista Memória, Verdade e Justiça, o CPMVJ, e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, a quem precisamos agradecer muito, pela possibilidade de convívio, e talvez nos desculparmos, como Estado, como peritos, pelos entraves à localização de seus ente-queridos e amigos. Herdamos muito, não apenas no que se refere ao grau de integridade e preservação dos ossos na vala, mas no âmbito cultural, político e social da ditadura; e essa herança está aqui, nos puxando para trás, nos bloqueando. Mas se existem fissuras nessa muralha, elas são todas e todos que estão aqui presentes e tantos outros que encontramos em reuniões às terças, em conversas em suas casas, neste universo imprescindível de convívio, de proposições e de aprendizado, que tem nos instigado a fazer não qualquer antropologia forense, mas uma antropologia forense de guerrilha”.

Por Rafael de Abreu e Souza e Márcia Lika Hattori

 

 

Foto de Douglas Mansur/Celeiro da Memória

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