Rose Nogueira
Quis o destino que a condenação do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra pela morte de Luiz Eduardo Merlino fosse publicada no Diário Oficial no dia 26 de junho, Dia Mundial de Combate à Tortura.
Merlino foi um dos melhores jornalistas de São Paulo. Vinha de Santos e trabalhou no Jornal da Tarde, no final dos anos 60. Depois foi para a Folha da Tarde, onde o conheci, como redator e fechador da editoria de Política – hoje em dia chamada de Brasil. Era o mais culto entre nós. Lia sem parar, recomendava livros que, na época, eram proibidos, mas se podia comprar por baixo do pano na livraria Mestre Ju, na rua Martins Fontes.
Era bom de título – o que significa bom de ironia, bom de sacada inteligente. Merlino era bom sentimentos, era bom amigo e bom companheiro. Discreto, meio calado, mas hilariante nos bilhetes do mural da redação, onde quase sempre chamava atenção da “canalha reportariante” – que muitas vezes se esquecia de fazer as perguntas que ele achava fundamentais.
Faz 41 anos que Ricardo Gontijo, nosso editor-chefe na Folha da Tarde, chegou em minha casa chorando e disse: “o Merlino morreu.”. Choramos juntos, ficamos desesperados. Soubemos depois que estava no IML já morto e foi reconhecido pelo cunhado. Preso dias antes pelos homens do Doi-Codi, foi barbaramente torturado. Todos que estavam com ele no Doi-Codi, na rua Tutóia, lembram-se de sua agonia.
Na notícia que saiu nos jornais, o cinismo era gritante: os homens da repressão informavam que ele havia tentado fugir do carro da polícia e havia sido atropelado. Outras notícias falam que ele teria se jogado na frente do carro, como se fosse uma tentativa de suicídio.
Na verdade, Merlino morreu devido às torturas a que foi submetido.
O coronel Ustra foi condenado a pagar 50 mil reais para sua companheira, Angela Mendes de Almeida, e para sua irmã, Regina Merlino. Isso é simbólico. A sentença poderia ser mais pesada, mas não importa. O que interessa é que, pela primeira vez, um torturador da ditadura foi condenado.