Nos últimos dias, jornalistas da Record receberam um “Manual de Uso de Mídias Sociais para Jornalistas” que na prática impõe a censura à livre expressão dos profissionais, mesmo fora do período de trabalho e em espaços que não têm relação alguma com a empresa.
Formulado pela Vice-presidência de Jornalismo da Record, o documento de 15 páginas apresenta “orientações gerais” afirmando que nenhum jornalista deve se posicionar em mídias sociais sobre assuntos como política, religião ou “acontecimentos controversos e sensíveis, independentemente do tema, seja em nome do Grupo Record ou em nome próprio”.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo vem a público para denunciar e repudiar tal prática adotada pela empresa. Infelizmente, não é a primeira vez em que um caso semelhante ocorre. Em 2018, o Grupo Globo também formulou “recomendações” para o uso de redes sociais que atentavam contra a liberdade de expressão, ameaçando com retaliações a profissionais que expressassem suas opiniões como cidadãs e cidadãos. Além da Globo, também podemos citar outras empresas com a mesma política, como Folha de S.Paulo e Editora Abril, entre outras.
Deve-se lembrar que tais medidas atentam contra a Constituição Federal. O artigo 5º, em seus incisos IV, VIII e IX, garante a livre manifestação do pensamento e a liberdade para exercer a atividade intelectual, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Além de desrespeitar princípios basilares da CF e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Record também tentar controlar as atividades de seus trabalhadores e trabalhadoras para além do período contratual firmado em contrato.
Nunca é demais relembrar que, por conta da natureza de suas atividades profissionais, muitos jornalistas optam por não se posicionar em ambientes virtuais — algo que deve ser entendido com naturalidade. O que é muito diferente da tentativa de censura prévia imposta ao conjunto de jornalistas pela empresa, impedindo a livre manifestação de quem se sente confortável em compartilhar opiniões de qualquer natureza (e não apenas política).
Aliás, fica uma pergunta para a Record: o jornalista político está impedido de reclamar que o seu time de futebol foi prejudicado pela arbitragem por isso ser um “acontecimento sensível”? Um analista de economia não pode mais falar em suas redes que assistiu a um filme muito ruim ou que então adorou visitar um restaurante? O absurdo disso fala por si só.
E vale questionar: a diretriz vale para chefias e diretores, inclusive aqueles que trabalham em veículos de outros grupos, emitindo todo tipo de opinião? Ou alguns jornalistas têm direito a dar opinião e outros não?
Por fim, também é importante destacar que o Sindicato dos Jornalistas historicamente defende a inclusão de cláusulas nas convenções coletivas de trabalho que garantem a liberdade de expressão dos profissionais e o direito de consciência, em que fica reconhecido o direito ao jornalista de recusar a realização de reportagens que de alguma forma possam ferir o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, contrariando a sua apuração dos fatos.
As empresas se recusam a debater tais pontos, essenciais para uma verdadeira construção da comunicação que tenha o jornalismo como ferramenta para fortalecimento da democracia no Brasil. Enquanto isso, estas mesmas empresas não têm maiores pudores ao tentar amordaçar os seus profissionais.