Com 50 anos de jornalismo e histórica militante de direitos humanos, Rose Nogueira, dirigente do SJSP, recebeu o Prêmio Especial 2017
A entrega da 39ª edição do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos ocorreu neste 31 de outubro, no Tucarena, na capital paulista, reunindo centenas de participantes numa cerimônia marcada por emoção e homenagens.
Na abertura da solenidade, Paulo Zocchi, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), fez um resgate da história de vida e de lutas do jornalista Fernando Pacheco Jordão, que morreu no último dia 14 de setembro. Jordão foi um dos principais responsáveis pela denúncia do assassinato de Vladimir Herzog, morto sob tortura em 25 de outubro de 1975, e pela busca de que o regime militar fosse responsabilizado pelo crime cometido nas dependências do Doi-Codi.
O jornalista também foi articulador do ato ecumênico em memória de Vlado, realizado na Catedral da Sé, em 31 de outubro de 1975, numa mobilização que desafiou o aparato repressivo da ditadura, e foi um dos redatores do documento “Em nome da verdade”, assinado por mais de mil jornalistas e que escancarou a farsa do suicídio de Herzog forjada pelos militares.
“Com o livro ‘Dossiê Herzog: prisão, morte e tortura no Brasil’, lançado em 1979, ainda em plena ditadura, Jordão estabelece uma base sólida para que a sociedade brasileira entendesse os fatos e tomasse consciência da real natureza do episódio – a prisão arbitrária de Vlado, a tortura e o assassinato de um homem íntegro, democrata e, por isso mesmo, um opositor irredutível do regime ditatorial”, recordou Zocchi em seu discurso.
“Voltaremos e venceremos”
A jornalista Rose Nogueira, diretora do SJSP, recebeu o Prêmio Vladimir Herzog Especial por seus 50 anos de jornalismo e dedicação incessante aos direitos humanos no país. Pioneira das redações quando as empresas jornalísticas eram majoritariamente masculinas, Rose é história viva do jornalismo brasileiro, principalmente na televisão, onde foi uma das criadoras da TV Mulher, que nos anos 1980 marcou época na Rede Globo desafiando a ditadura e abordando temáticas como feminismo e sexualidade.
A jornalista, que começou no início da década de 1960 como foca de Hermínio Sacchetta no jornal Shopping News, também foi colega de Herzog e de Jordão na TV Cultura, no telejornal “Hora da Notícia”, outro marco da televisão brasileira na década de 1970.
“Quando cheguei na TV Cultura eu nem acreditava. Lá estava o Vlado fechando o jornal e o Jordão dirigindo. Eles me deram as boas vindas e eu nunca na vida tinha entrado numa redação de TV. O Vlado me levou para a moviola, passou a me dar aula, com desenhos, inclusive, sobre enquadramento, corte. E o Fernando Jordão era aquele cara que dizia assim ‘toda matéria tem salvação’. Ele dizia que qualquer matéria tem uma coisa boa e qualquer jornalista tem uma coisa boa”, afirmou a jornalista.
Em cinco décadas de profissão, Rose Nogueira viveu o golpe militar de 1964 e, apoiadora da Aliança Libertadora Nacional (ALN), foi presa em 1969, apenas um mês depois de dar à luz ao seu único filho, Carlos Guilherme Clauset, o Cacá, que seguiu os passos da mãe no jornalismo.
Vítima de tortura física e psicológica no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), Rose ficou nove meses no Presídio Tiradentes, na “Torre das Donzelas” ao lado de companheiras de cela como a então estudante Dilma Rousseff e Eleonora Menicucci, ex-ministra de Políticas para Mulheres que também esteve presente na premiação.
Julgada e absolvida em 1975, a jornalista nunca mais abandonou a luta pela condenação dos torturadores, pela verdade e justiça às vítimas do regime repressivo, e segue militante dos direitos humanos como membro do grupo Tortura Nunca Mais-SP e do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe).
“Infelizmente, se instalou o que considero um golpe no Brasil, um golpe no Estado de direito pelo qual lutei tanto, e meus companheiros também. Mas nós voltaremos, vamos continuar lutando. Voltaremos e venceremos!”, ressaltou ao concluir seu discurso sob os aplausos da plateia.
A premiação especial também foi entregue em duas homenagens póstumas da 39ª edição. A primeira foi recebida por Tânia Lopes, irmã do jornalista Tim Lopes, assassinado por traficantes enquanto investigava a exploração sexual de menores na região da favela Vila Cruzeiro, bairro da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, em junho de 2002.
Dom Paulo Evaristo Arns, que morreu aos 95 anos, em dezembro passado, recebeu o segundo prêmio especial, entregue aos seus sobrinhos Nelson Arns Neumann e Flávio José Arns.
Na cerimônia, também foi divulgado o lançamento de “Coragem: as muitas vidas de Dom Paulo Evaristo Arns”, documentário sobre a vida do cardeal, com direção do jornalista Ricardo Carvalho, que estreia no próximo dia 4 de dezembro, no Cine Belas Artes, na capital paulista.
Os vencedores em 2017
Outra marca da 39ª edição do prêmio é o recorde de inscrições, o maior desde que a premiação foi criada, em 1979. Foram 634 trabalhos inscritos em seis categorias – 41 inscrições em Arte (ilustrações, charges, cartuns, caricaturas e quadrinhos em veículos impressos ou eletrônicos),107 em Fotografia; 218 em Produção jornalística em texto (publicadas em veículos impressos ou eletrônicos); 40 em Produção jornalística em áudio; 124 em Produção jornalística em vídeo e 104 em Produção jornalística em multimídia.
No período da tarde, antes da cerimônia, os vencedores participaram de uma roda de conversa no Tucarena, onde compartilharam as experiências e relataram os desafios enfrentados para elaboração das matérias sobre direitos humanos.
Além do Sindicato dos Jornalistas, a Comissão Organizadora do 39º Prêmio é formada pela Federação Nacional dos Jornalistas – Fenaj; Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; Conectas Direitos Humanos; Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo – Abraji; Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil – UNIC Rio; Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP; Sociedade Brasileira dos Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB Nacional; Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo, coletivo Periferia em Movimento, Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo e Instituto Vladimir Herzog
Confira abaixo os vencedores e para conhecer na íntegra os trabalhos premiados clique aqui.
CATEGORIA ARTE
Vencedor
Simanca
“Massacre do Carandiru”
Jornal A Tarde – Salvador/BA
Menção Honrosa
Bruno Nobru, Ciro Barros e Julio Falas
“Ricardo Silva, executado pela PM”
Agência Pública – São Paulo/SP
CATEGORIA FOTOGRAFIA
Vencedor
Fábio Teixeira
Foto de abertura da reportagem “Tiroteios, mortes e invasões dominam o Complexo do Alemão”
VICE – São Paulo/SP
Menção Honrosa
Nelson Antoine
Foto de abertura da reportagem “Prefeitura retira sem-teto de viaduto em SP”
Portal da Band – São Paulo/SP
CATEGORIA ÁUDIO
Vencedor
Claudia Rocha
“Moradores do Moinho falam em rotina de repressão da PM, um mês após morte de jovem”
Ponte Jornalismo – São Paulo/SP
Menção Honrosa
Gabriel Jacobsen e Daiane Vivatti
“Histórias invisíveis”
Rádio Guaíba – Porto Alegre/RS
Menção Honrosa
Hebert Araújo
“Dar à luz a dor”
Rádio CBN João Pessoa – João Pessoa/PB
CATEGORIA MULTIMÍDIA
Vencedor
Ângela Bastos, Aline Fialho, Chico Duarte, Felipe Carneiro, Julia Pitthan, Maiara Santos, Ricardo Wolffenbüttel
“Sozinhas: histórias de mulheres que sofrem violência no campo”
Diário Catarinense – Florianópolis/SC
Menção Honrosa
Thiago Reis, Alexandre Nascimento, Alexandre Mauro, Beatriz Souza, Fabíola Glenia, Glauco Araújo, Igor Estrella, Kleber Tomaz, Marcelo Brandt, Mariana Mendicelli, Rodrigo Cunha, Rogério Banquieri, Sávio Ladeira e Wagner Santos
“Mapa da homofobia em SP”
G1 – São Paulo/SP
CATEGORIA TEXTO
Vencedor
Patrick Camporez Mação, Luísa Torre e Marcelo Prest
“Especial Quilombolas”
Agência Pública – São Paulo/SP
Menção Honrosa
Adriana Bernardes e Renato Alves
“Brasília Confidencial”
Correio Braziliense – Brasília/DF
Menção Honrosa
André Borges e Werther Santana
“Cerco aos isolados”
O Estado de S. Paulo – São Paulo/SP
CATEGORIA VÍDEO
Vencedor
Bruno Della Latta, Cláudio Guterres, Nunuca Vieira e Renata Ceribelli
“Quem sou eu?”
TV Globo – São Paulo/SP
Menção Honrosa
Gabriela Pimentel, Domingos Meirelles, Heleine Heringer, Natália Fiorentino
“O inferno de Lidiany”
TV Record – São Paulo/SP
Escrito por: Flaviana Serafim – Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo
Fotos: Cadu Bazilevski/SJSP