O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo retirou de seu site, em junho de 2024, a Tabela de Referência de Valores dos serviços jornalísticos avulsos. Essa ausência foi prontamente notada pelos jornalistas e o motivo é um processo contra a entidade movido pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).
O Cade é uma autarquia federal, ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, com o objetivo de prevenir e reprimir infrações que prejudiquem a “ordem econômica”. Notadamente, é um órgão que deveria impedir a ação predatória de grandes monopólios econômicos, que infernizam cotidianamente a vida da população brasileira nos mais diversos setores.
O Cade, no entanto, resolveu gastar tempo com ações antissindicais. Seu diretor-superintendente, Alexandre Barreto, decidiu em 2023 abrir um inquérito administrativo contra a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e 25 sindicatos de jornalistas por “possível violação das regras de concorrência”. Barreto, indicado ao cargo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 2022, acredita que as tabelas de referência de preços para orientar a categoria atentam contra as “regras de concorrência”. Provavelmente, ele não deve ver nenhum problema na superexploração do trabalho conduzida por empresas que demitem em massa, precarizam os vínculos por meio da pejotização e depois querem impor preços ínfimos a serviços avulsos, incapazes de garantir a sobrevivência digna a quem os presta. O Cade decide tentar impedir os sindicatos de defenderem, infelizmente de forma pouco efetiva, a categoria, ajudando a evitar que ela receba contrapartidas aviltantes por seu trabalho.
Como sabe quem conhece a vida difícil de nossa categoria, a tabela do Sindicato é apenas uma referência para os jornalistas, não tendo nenhum poder de imposição a nenhuma empresa contratante. Serve basicamente para dar apoio a trabalhadores isolados, que têm de negociar os preços de seus serviços com entes muito mais poderosos na esfera econômica, como são as empresas.
Autonomia sindical
Em nenhum lugar do Brasil, as tabelas publicadas pelos sindicatos são impositivas. Prestam-se basicamente a orientar os próprios profissionais a buscarem uma remuneração digna e justa. Isso já foi dito ao Cade: a Fenaj e os sindicatos argumentaram que as tabelas não estabelecem preços, nem têm o poder de fixá-los, mas buscam oferecer um parâmetro mínimo para que jornalistas possam negociar seus serviços com mais equidade.
Thiago Tanji, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo (SJSP), expressou estranheza em relação ao inquérito. “Para nós, é inadequado, por ferir a autonomia sindical, pois entendemos que a tabela de referência é basicamente um apoio à categoria. O que apresentamos não é nenhuma tentativa de inflar valores, mas apenas de assegurar um mínimo para os freelancers”, afirma.
No entanto, o Cade interpreta a tabela como uma possível violação de normas de concorrência, argumentando que podem ser vistas como uma tentativa de “combinação de preços”.
Raphael Maia, coordenador do departamento jurídico do SJSP, afirma que as tabelas são apenas indicativos para que jornalistas autônomos possam se referenciar. “Como autônomo, o profissional não é um empregado e, portanto, não se trata de um acordo coletivo que estabelece um piso salarial. Autônomos são como pequenas empresas. O Cade entende que isso pode ser uma combinação de preços contra o ‘consumidor’, que neste caso seriam as empresas de jornais e revistas”, explica.
As entidades acreditam que, no nosso segmento econômico, o Cade deveria focar seus esforços em investigar os conglomerados da comunicação e as plataformas digitais, cuja atuação monopolista são as verdadeiras fontes de crise estrutural no setor – e não adotar uma posição para favorecer abertamente as empresas, ajudando-as a rebaixar o custo do trabalho.
Para Samira Castro, presidenta da Fenaj o processo é um ataque à categoria. “É absurdo o questionamento do órgão colegiado sobre as tabelas de freelancers elaboradas pelos sindicatos, com a colaboração da categoria. Trata-se de um claro atentado à liberdade e à autonomia sindicais.”
Função constitucional
A Constituição Federal, em seu art. 8º, inciso III, atribui aos sindicatos “a defesa dos direitos e interesses coletivos e individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”. Essa função de representação está ainda prevista nas alíneas “a” e “b” do art. 513 da CLT, que atribui ao sindicato a prerrogativa de “representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias, os interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal ou os interesses individuais dos associados relativos à atividade ou profissão exercida” e de “celebrar contratos coletivos de trabalho”. Assim, o exercício da representação é a principal finalidade de uma entidade sindical, constituída para defender os interesses (em sentido amplo) dos seus filiados ou da categoria correspondente. No exercício de suas funções, as entidades sindicais contribuem não só para a melhoria da vida de seus representados, mas também para efetivar direitos e garantias eventualmente violados.
“A liberdade sindical é considerada essencial para o funcionamento eficaz do mercado de trabalho e para o fortalecimento das relações econômicas, pois permite que os trabalhadores expressem suas preocupações e busquem coletivamente melhores condições de trabalho e salários justos. Além disso, a liberdade sindical é vista como um componente crucial da democracia e do respeito pelos direitos humanos no local de trabalho e na sociedade em geral”, afirma Samira de Castro.
Com base nessas premissas, as tabelas de preços existentes nos sites dos sindicatos filiados à Fenaj são apenas indicações, de caráter referencial e não obrigatório, que sugerem os valores mínimos para remunerar adequadamente cada serviço a ser prestado. O objetivo das entidades sindicais ao recomendar valores mínimos para a remuneração de serviços jornalísticos foi estabelecer parâmetros para preservação de uma base salarial e uma justa remuneração dos profissionais. Essas recomendações, portanto, estão alinhadas às funções sindicais de representação e defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores.
O Cade, no entanto, possui um poder coercitivo em sua ação antissindical, pois as entidades podem ser condenadas a pagar multas em valores que poderiam significar a destruição das próprias entidades, deixando as categorias totalmente desprotegidas. Em função disso, mesmo achando o inquérito despropositado e abusivo, o SJSP decidiu retirar a tabela do ar enquanto se defende, com confiança de que os jornalistas conseguirão fazer valer ao final o seu direito democrático de usufruir de uma tabela de referência de preços mínimos.