Por Nelson André de Russi*
Na madrugada da última segunda-feira, 4, a polícia cercou o edifício onde funciona a Télam, a agência de notícias da Argentina, que é a maior da América Latina. Desde que as forças policiais fecharam a entrada da agência, os mais de 750 trabalhadores e trabalhadoras, entre jornalistas e pessoal administrativo, convivem com a incerteza. Além de impedir o acesso ao local de trabalho, a página web da Télam está desativada com uma mensagem de que “está em reconstrução”.
Alfredo Luna é fotógrafo da agência e delegado do Sindicato de Imprensa de Buenos Aires, SiPreBA. Ele estava terminando o horário de trabalho quando a polícia chegou. “Nos surpreendeu de imediato a situação violenta, eu fiquei olhando enquanto se colocavam os bloqueios ao edifício. Verdadeiramente, é uma imagem muito sombria”.
O fechamento da agência jornalística ocorreu horas após o presidente Javier Milei realizar o discurso de abertura do ano legislativo no Congresso Nacional, apresentando uma série de medidas de ataques aos serviços públicos, o que incluía o encerramento da Télam.
As e os trabalhadoras/es foram dispensadas/os por uma semana enquanto o governo define como será o plano de fechamento da agência jornalística. Mas, por enquanto, nada foi divulgado. O que se sabe é que enquanto o Decreto de Necessidade e Urgência, assinado em dezembro por Milei, estiver em vigor, o governo pode transformar as empresas públicas em sociedades anônimas e depois dissolvê-las se assim quiser. Tais medidas, no entanto, ainda podem ser barradas no Congresso Nacional da Argentina.
Enquanto as e os trabalhadoras/es aguardam o futuro, eles realizam um plantão 24 horas em frente à sede da Télam. De acordo com Alfredo Luna, os advogados do Sindicato de Buenos Aires estão planejando estratégias para enfrentar essa decisão arbitrária do governo Milei.
Além da demissão de mais de 750 funcionários, o fim da agência, que foi criada em 1945, causaria uma enorme perda para a qualidade da informação na Argentina. A Télam é a única agência que tem correspondentes em todo o país. Com isso, abastece desde os grandes meios de comunicação, com redações cada vez mais reduzidas, até os pequenos jornais que necessitam das informações da agência.
De acordo com uma jornalista que trabalha na Télam e não quis se identificar para evitar represálias, como os grandes meios de comunicação se concentram em Buenos Aires, seria difícil ter informações dos diferentes locais da Argentina sem o trabalho realizado pela agência. “A Télam como meio público também tenta dar voz as minorias e isso é importante, o que não é interessante para um meio grande comercialmente. A Télam trata de dar voz a esses setores minoritários para que se possa contar o que está acontecendo”, afirma.
Em um artigo recente no portal de notícias El Destape, a ex-chefe da editoria internacional da agência, Maria Laura Carpineta, chamou a atenção para o apagão informativo que pode ocorrer com o fim da Télam. “Por um lado, menos notícias, menos fotos. Por outro, mais centralismo de Buenos Aires e mais análises sobre “tweets” desprovido de contexto e de confirmação.”
O governo utiliza uma série de informações de difícil comprovação para justificar o fechamento da Télam. Entre os argumentos, estariam a falta de imparcialidade e de que a Télam seria muito “kirchnerista”, ou seja, teria um viés de apoio às políticas realizadas nos governos de Néstor e Cristina Kirchner. Para as e os trabalhadoras/es, essa é mais uma tentativa de falsear a realidade. “Tem um discurso de que Télam é apenas propaganda kirchnerista, quando na verdade a agência é oficialista de acordo com o governo da época”, afirma a jornalista que preferiu não se identificar.
As dificuldades enfrentadas pelas/os trabalhadoras/es da Télam, entretanto, não são novas. Durante o governo de Mauricio Macri, mais de 360 pessoas foram demitidas e a agência esteve parada durante oito meses.
Enquanto esperam uma definição sobre o que ocorrerá com a agência jornalística, as centenas de trabalhadores permanecem mobilizadas, mas com uma grande incerteza sobre o futuro de seus empregos.
Infelizmente, o que ocorre na Argentina não é uma novidade para as e as/os jornalistas brasileiras/os. Os anos de 2016 a 2022, nos governos Temer e Bolsonaro, foram marcados por um período de ataques e desmonte à comunicação pública do Brasil, com as sucessivas tentativas de sucateamento e privatização da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Graças à resistência da categoria, com a realização da greve mais longa da história da EBC, em 2021, os intentos de destruição da empresa não lograram sucesso.
*Jornalista brasileiro free lancer em Buenos Aires.