Participantes de ato em defesa da estatal são unânimes no apoio às investigações, julgamento e punição a culpados por corrupção, mas afirmam que é preciso preservar a presença da sanha privatista
“Somos 200 milhões de petroleiros.” A frase estampada na faixa aberta por militantes da Federação Única dos Petroleiros (FUP) retrata o espírito que animou o ato em defesa da Petrobras realizado na noite de ontem (24) na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) no Rio de Janeiro. Com a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, auditório lotado e cerca de mil manifestantes na rua, em frente ao prédio da ABI, o ato, organizado pela FUP e pela CUT, contou com expressiva presença de representantes de sindicatos, movimentos sociais e entidades de classe, além de estudantes, artistas e jornalistas.
Acompanhado pela executiva da CUT, o presidente da central, Vágner Freitas, também convocou as forças democráticas para o ato marcado para o dia 13 de março: “Essa campanha para vender a Petrobras a preço de banana para o capitalismo internacional não é um ato isolado dessa direita golpista brasileira. Esse é um enfrentamento de classes, é a luta de classes”, disse.
Freitas também elencou outros pontos da agenda política da CUT, como a reforma política e a criação de um novo marco regulatório para a mídia: “Se queremos acabar com a corrupção, vamos fazer a reforma política no Brasil através de um plebiscito, porque esse Congresso que está aí não tem condições de conduzi-la, pois muitos deputados foram eleitos com o dinheiro daqueles que os escravizam. Vamos acabar com o financiamento empresarial de campanha já e construir a possibilidade de que todos possam se eleger, e não sempre a mesma meia-dúzia”.
O presidente da CUT também criticou o papel das grandes empresas de mídia: “Para o Brasil ser passado a limpo, temos de fazer urgente uma reforma democrática da mídia brasileira. A mídia no Brasil não é um espaço de debate de ideias e transmissão de informação. Desde a época de Getúlio Vargas, o que a mídia conservadora faz é oposição aos projetos dos trabalhadores. Mentiras são ditas diariamente por uma mídia golpista, por uma direita golpista que não aceita o resultado das urnas”.
Lula
Recebido aos gritos de “guerreiro do povo brasileiro”, o ex-presidente Lula também fez uma comparação entre o atual momento político brasileiro e as campanhas de desestabilização contra Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck, João Goulart e ele próprio (em 2005, na época das denúncias sobre o mensalão): “Querem punir a Petrobras e criminalizar a política. Essa empresa é motivo de orgulho para mim e para todos os brasileiros. A gente não pode jogar a Petrobras fora por causa de meia dúzia de pessoas em uma família de 86 mil trabalhadores”.
“O que estamos vendo é a criminalização da ascensão social de uma parte da sociedade brasileira. Como vimos na campanha eleitoral, para eles é ofensivo as pessoas receberem Bolsa-Família, é ofensivo as pessoas participarem do Pro-Uni. A elite não se conforma com a ascensão social dos pobres que está acontecendo neste país”, completou o ex-presidente.
Lula defendeu a reforma política: “Qual a regra da democracia? Querem mudar, vamos mudar. Podemos começar transformando o financiamento privado de campanha em crime inafiançável”, disse.
Lula disse que a presidenta Dilma Rousseff tem que “levantar a cabeça e dizer: eu ganhei as eleições e vou governar. A Dilma não pode e não deve ficar dando trela, senão o país fica paralisado”. Outro recado foi dirigido à militância: “Em vez de ficarmos chorando, vamos lutar para dar continuidade ao processo de revolução social neste país. Estamos começando uma luta. Eu quero paz e democracia, mas, se eles não querem, nós sabemos brigar também”.
Democracia sob risco
Todos os discursos convergiram para a necessidade de se separar o joio do trigo. Investigação e, se for o caso, condenação e punição sim. Enfraquecimento de uma empresa que é orgulho nacional e foi construída graças à luta do povo brasileiro não. Por isso, o ato da ABI é encarado como o pontapé inicial de uma ampla mobilização em defesa da Petrobras que terá seu ápice em 13 de março, dia nacional de luta convocado pelas centrais sindicais e movimentos sociais.
“Espero que esse ato signifique que as forças democráticas saiam da letargia e defendam a ordem jurídica”, disse o advogado Wadih Damous, presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro e representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no ato da ABI. Damous exigiu que “seja obedecido o devido processo legal” nas investigações sobre a Petrobras: “O que está acontecendo no Brasil hoje é uma articulação – que só tem paralelo em 1964 – da grande mídia, de setores oposicionistas conservadores de direita, do Judiciário e do Ministério Público, numa afronta sem precedentes à ordem jurídica, com prisões ilegais, manutenção de prisões sem necessidade e a irresponsabilidade de pretender quebrar a Petrobras”.
Coordenador do MST, João Pedro Stédile disse esperar que um novo ciclo de mobilizações sociais se inicie no Brasil. “Hoje demos uma demonstração de força da sociedade brasileira. Estão aqui as mais diferentes representações para dizer em alto e bom som que a Petrobras é uma empresa do povo brasileiro.”
Stédile apontou os poderosos interesses que estão por trás da campanha de desmoralização da Petrobras. “Quando nós descobrimos o pré-sal, atraímos a atenção de todas as aves de rapina do capital internacional, das sete irmãs inglesas e norte-americanas que querem se apoderar do nosso petróleo. Essas denúncias de corrupção, que devem ser apuradas e julgadas, é apenas a ponta do iceberg. Na verdade, eles querem acabar com a lei de partilha e privatizar o acesso ao pré-sal.”
Para o dirigente do movimento sem-terra, só há um jeito de reagir ao ataque conservador, que é “o povo sair pra rua” em defesa de suas conquistas: “Eu espero que daqui nós saiamos com a motivação política de organizar comitês populares em todas as cidades e fazer uma campanha igual àquela que criou a Petrobras. Cinquenta anos depois, temos que refundar a Petrobras para que ela permaneça apenas a serviço do povo”, disse.
O físico Luiz Pinguelli Rosa, que durante o ato anunciou o abaixo-assinado “Puna-se, mas deixem a Petrobras em paz”, feito pela comunidade científica e que já conta com 1,3 mil assinaturas, cobrou rapidez na reação à especulação conservadora. “Eu acho que nós devemos cobrar uma punição para os corruptos e a defesa da Petrobras. Precisamos fazer isso com rapidez para não deixar rendendo uma pressão que, no fundo, é para acabar com a Petrobras”, disse.
Dirigente do PSB, Roberto Amaral também cobrou pressa: “Esse ato poderia ter vários nomes. Eu o chamaria de Acorda Brasil, Acorda Governo, Acordem Partidos de Esquerda, Acorda Movimento Social, Acordem Sindicatos, Acordem Petroleiros. Essa é a forma de salvarmos a Petrobras e garantirmos a continuidade do regime democrático e do governo da presidente Dilma. É a sociedade, os estudantes e os trabalhadores nas ruas. Fora disso, será uma tragédia”.
Vice-presidente do PT, Alberto Cantalice apontou o PSDB como grande interessado na campanha de desmoralização da Petrobras. “Já defendemos a Petrobras há muito tempo, desde a época do tucanato, quando eles tentaram transformar a Petrobras em Petrobrax e iniciaram um processo de privatização da empresa. Agora resolveram fazer diferente: atacar a empresa para criar uma situação em que ela possa ser desnacionalizada. Mas, isso não vai acontecer”, prometeu.
O produtor cinematográfico Luiz Carlos Barreto disse que o processo que estamos vivendo não é novo, mais sim uma reprise de muitas coisas: “Do alto dos meus 87 anos, eu posso dizer que já vi esse filme várias vezes. A derrubada do Perón e o suicídio do Getúlio em 1954 correspondem ao que eles estão hoje, tentando dar o golpe na Dilma e na Cristina Kirchner. A diferença é que agora, o golpe não é militar, é judicial. Esse é mais perigoso porque tem uma capa de legalidade aparente, argumentos jurídicos. O objetivo não é só Brasil e Argentina, é também Equador, Bolívia, Venezuela, Uruguai. Tudo isso está em jogo, e as camadas populares brasileiras não podem se colocar ingenuamente nesse processo”. Barreto também criticou a imprensa: “Quem é delator não merece crédito, a não ser que prove o que diz. Até agora, nenhum delator apresentou documento sobre nada, mas isso é publicado na imprensa como se fosse verdade”.
Também marcaram presença no ato em defesa da Petrobras os jornalistas Eric Nepomuceno, Hildegard Angel e Luís Nassif, o advogado Modesto da Silveira, o ator Antônio Pitanga, o economista Márcio Pochmann (presidente da Fundação Perseu Abramo), o ex-ministro Carlos Minc e a presidente da UNE, Vicky Barros.
Legenda: Lula fechou ato contra ataques para enfraquecer a Petrobras e facilitar privatizações: “direita inconformada com o novo Brasil”
Foto: Roberto Parizotti/CUT
Texto: Maurício Thuswohl – Rede Brasil Atual