O coral da Guarda Civil Metropolitana abriu com músicas de três períodos do país: São Paulo, São Paulo, interpretada pelo grupo Premeditando o Breque, O Bêbado e a Equilibrista (João Bosco/Aldir Blanc), imortalizada por Elis Regina, e Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, com pitadas de Carinhoso, de Pixinguinha. Era o começo do ato, na manhã deste sábado (6), que marcou a inauguração de estátua com réplica do Troféu Vladimir Herzog, na praça de mesmo nome, localizada atrás da Câmara paulistana. Concebido há 40 anos para premiar jornalistas que se destacam na área de direitos humanos, o troféu, criado pelo artista plástico Elifas Andreato, homenageia o jornalista morto no DOI-Codi paulista em 1975. Ivo Herzog, filho de Vlado, manifestou tristeza pelo momento que o país atravessa, mas disse também ter esperança em uma “virada”.
Ivo lembrou que, como muitos, considerava a candidatura Bolsonaro um “fogo de palha”, assim como havia a expectativa de que a ditadura não voltaria. “A gente vê o comportamento desse governo muito parecido com o daquela época”, afirmou durante o evento. Um governo particularmente doloroso para a família, por ser defensor da ditadura iniciada em 1964, que teve o jornalista Vladimir Herzog como uma de suas vítimas. Então diretor de Jornalismo da TV Cultura, Vlado apresentou-se para depor no DOI-Codi em 25 de outubro de 1975, também um sábado, e terminou aquele dia morto sob tortura.
Ivo e o irmão André nasceram na Inglaterra, onde Vlado trabalhava pela BBC. O jornalista estava para retornar ao Brasil quando veio o AI-5, em dezembro de 1968, inaugurando o período mais agudo da ditadura. Herzog foi aconselhado a ficar mais um tempo na Europa, mas disse – segundo lembrou Ivo – que o ato institucional era “mais um motivo para voltar”. Por isso, lembrou Ivo, é momento de resistir.
“A gente abriu os flancos e essa coisa (vitória de Bolsonaro) aconteceu. Hoje (a praça) é mais que um local de memória, é um local de resistência”, disse o filho de Vlado, fazendo menção à ascensão do conservadorismo. “Está acontecendo no mundo todo, mas eu acredito que o Brasil vai ser o primeiro país a dar uma resposta firme e virar esse jogo, no sentido pró humanidade, liberdade, pró respeito”, acrescentou Ivo, que nos últimos dias defendeu a renúncia do chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, pela afirmação – contrariando a lógica – de que o nazismo é uma ideologia “de esquerda”.
Lutas e sonhos
Na praça localizada atrás da Câmara Municipal, estavam, entre outros, o jornalista Juca Kfouri, o cineasta João Batista de Andrade, o ex-deputado José Genoino e o ativista Darci Costa, do Movimento Nacional da População de Rua. O local, que tem esse nome desde 2013, já contava com uma versão ampliada da estátua Vlado Vitorioso e uma mosaico feito por crianças do Projeto Âncora reproduzindo a obra 25 de Outubro (uma representação da tortura com a data da morte de Herzog) e agora tem uma réplica do troféu, todas obras de Elifas.
A peça inaugurada hoje, véspera do Dia do Jornalista, foi feita com recursos de emenda parlamentar apresentada pela vereadora Soninha (sem partido), que apresentou o evento, com participação dos também vereadores Eduardo Suplicy (PT) e Eliseu Gabriel (PSB), além do ex-parlamentar Ítalo Cardoso. Representantes das faculdades de comunicação da Cásper Líbero, da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC) também falaram durante o ato.
“O Vlado ofereceu a vida dele para que todos se levantassem. Elifas emprestou a sua arte para dar conteúdo a isto aqui”, disse Ítalo. Para Eliseu, a inauguração foi “uma vitória em meio a tantas coisas que têm acontecido” – ele defendeu o jornalismo para se contrapor às chamadas fake news. Criador da editora Oboré, o jornalista Sérgio Gomes também foi homenageado – e chamado por Ivo de “alma” do Instituto Vladimir Herzog. “Precisamos cuidar com carinho deste espaço que conquistamos, pois ele guarda nossas melhores lutas e nossos melhores sonhos”, diz Sérgio.
Autor de vários trabalhos referenciais, Elifas Andreato confessou-se deprimido com o momento brasileiro, mas também falou em resistência contra quem diz que não houve ditadura. “O que estamos fazendo aqui? Estamos mostrando as provas históricas. Esse regime torturou, estuprou, matou, censurou a imprensa”, afirmou, minutos antes do descerramento da réplica, exatamente às 11h58. Em seguida, o coral cantou o Hino da República, que traz os versos “liberdade, liberdade!/ abre as asas sobre nós”, lembrados durante o ato por Vanira Kunc, viúva do jornalista Audálio Dantas, morto há quase um ano – ele era presidente do sindicato da categoria em São Paulo na época em que Vlado foi assassinado no DOI-Codi.