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Paulo Moreira Leite: função social do jornalismo é separar o joio do trigo

Paulo Moreira Leite: função social do jornalismo é separar o joio do trigo


Em entrevista exclusiva, Paulo Moreira Leite fala sobre a operação Lava Jato e o futuro do jornalismo

Paulo Moreira Leite é o segundo entrevistado da série com sindicalizados que fazem a história do jornalismo, publicada na nova edição no jornal Unidade.

Com 48 anos de carreira e hoje no Brasil 247, ele começou no Jornal da Tarde, trabalhou na redação das revistas Época, IstoÉ e Veja, e de jornais como o Diário de S.Paulo e Gazeta Mercantil.

A cobertura da Lava Jato, o futuro do jornalismo e o sigilo da fonte e estão entre os destaques da entrevista.

Como você avalia o andamento da Lava Jato? No livro “Uma outra história sobre a Lava Jato”, você pontua que se trata de uma investigação necessária, mas que virou uma operação contra a democracia no país.

A corrupção é ruim para qualquer país, tem que ser investigada e punida porque é uma ameaça em si à democracia, porque é informação privilegiada, são negócios escusos feitos de uma forma que não se vê e isso corrói. A questão é que a Lava Jato transformou a corrupção na principal agenda do Brasil e serviu para o velho propósito conservador, que é esquecer os problemas de fato no país – desenvolvimento, miséria, educação, saúde – para colocar a corrupção como um problema moral e que não é porque existe no mundo inteiro em que existam problemas morais. A questão é saber como se trata isso. Quando se coloca a corrupção como ponto determinante da agenda política, e é isso que acontece com a Lava Jato, o judiciário passa a ocupar o papel de governo, a definir os rumos que o país. Sabemos que não há investigação neutra, sempre tem um foco político que é óbvio – ela começa com o governo Lula. É uma coisa que é contra a agenda política, contra a soberania popular e o grande efeito é a indicação seletiva do Alexandre Morais ao Supremo Tribunal Federal para garantir que a operação continue seletiva, que não extravase.

E quanto à cobertura jornalística da atual conjuntura política e econômica do Brasil? E a cumplicidade dos donos dos meios de comunicação no golpe político e midiático?

Não se diferencia muito da cobertura de 1964, quando a imprensa inteira apoiou o golpe. O Estadão fez parte do golpe, o O Globo, o Jornal do Brasil. O Correio da Manhã, que depois foi jornal de oposição à ditadura, no início apoiou o golpe fazendo dois editoriais, a tal ponto que o João Goulart ligou para a redação. A explicação foi de que os editores se reuniram e ficaram contra o Jango, provavelmente instigados pela empresa, pelo dono do jornal, pelos anunciantes. Hoje, quem é crítico do golpe, fora os blogs e portais? Há mais jornais fora do Brasil contra o golpe do que aqui. Nessa mistura que vai do panfleto ao ativismo, que faz chegar uma outra voz às pessoas nessa comunicação mais ampla que o jornalismo, acho que a visão e o debate sobre o golpe hoje é maior do que  em 1964. O movimento popular e os sindicatos são hoje mais organizados do que em 64, há partidos políticos, nem se compara. Mas hoje não se tem a mídia impressa, tem o que está na internet, que são as redes sociais, os blogs.

E você vê um viés econômico na Lava Jato, com influência nacional e até internacional?

Essa história não está escrita porque um elemento importante nessa situação que vivemos é que não é a CIA nem o golpe de estado que quebram governos. São grupos privados, que fazem e operam dando cobertura a coisas que o estado norte-americano não pode fazer porque tem um Congresso ativo, mas a empresa privada faz e não presta contas a ninguém. Há prisões privadas, agências privadas que são de espionagem e fazem todo o serviço da CIA, mas não são a CIA, e sem prestar conta a ninguém. Certamente isso opera no Brasil e há interesse aí.

A Lava Jato, ao não respeitar os direitos individuais, ao comprometer a soberania popular, ao interferir diretamente em eleições, tem um viés político. Primeiro, a operação tem um projeto de poder que é um estado de exceção – pode ser chamado de estado de exceção, ditadura judicial, do que você quiser – mas ela tem um projeto de poder que é o estado de exceção e que o judiciário seja a última palavra no Brasil, dizendo quem pode ser candidato e quem não pode, se quem foi eleito pode ser empossado ou não. Estamos indo para um país em que todas as decisões têm uma revisão final que, formalmente, é o Supremo Tribunal Federal e, na prática, é o Sergio Moro, porque conseguiu tornar os aliados escravos da popularidade dele, não podem nem contrariá-lo.

Esse é o risco que enfrentamos e vai ter mesmo uma democracia que vai se estreitando, com candidatos limitados, candidatos inofensivos, comprometidos com a manutenção dessa ordem, com o desmonte do que tínhamos de um Estado de bem estar social que foi um respiro para o povo. E, tirando isso, o povo vai ficar asfixiado economicamente, politicamente, culturalmente.

Junto com isso há um projeto de resgate do país porque o Brasil, por incrível que pareça, com todas as falhas do Lula, o país estava saindo dessa órbita capitalista imperial. Há, sim, interesses econômicos, mas que fazem parte do projeto político que é o de recolonização do Brasil, se é que podemos usar esse termo. O país estava em crise, mas a chance de sair dela melhor eram maiores antes do que agora. Agora os caras estão fechando as portas para qualquer alternativa. Há um projeto político aí, de dominação, em que a questão econômica é decorrência.

Para você, que é sindicalizado, qual é a importância e o papel do Sindicato?

Estamos vivendo um momento histórico em que o jornalista está se despedindo de uma grande ilusão que foi alimentada nas últimas duas décadas – a de que jornalista não é trabalhador como os outros, de que os bons jornalistas são indivíduos com direito a uma existência à parte, a viver quase como grandes executivos, não só nos salários, mas com bônus, gratificação, férias, passagens… Essa é a utopia que durou duas décadas e fazia com que a noção de jornalista como parte da classe trabalhadora fosse afetada, quando não destruída.

Hoje está acontecendo uma situação bastante desvantajosa, os empregos estão precários e acho que os jornalistas estão se despedindo dessa ilusão porque está claro que é uma alternativa para muito poucos e que não responde nem aos interesses do bom jornalismo, nem cria condições de igualdade, nem permite que a profissão seja exercida com o mínimo de condições dignas. O Sindicato volta a ter um papel muito grande e insubstituível, pois hoje a categoria está vivendo a situação quase de um pré-capitalismo porque não se tem mais emprego, nem registro profissional. Você é quase como um “avulso”, o trabalho informal virou quase uma regra e, se não tiver uma entidade para defender seus direitos e interesses, vamos viver assim, em trabalho precário, exercido nas piores condições, com um jornalismo no limite do impraticável.

A quebra do sigilo de fonte é outra questão que tem preocupado, temos visto vários episódios de ameaça ou de violação desse sigilo…

O sigilo de fonte é uma garantia da democracia. Jornalista sem sigilo de fonte não pode publicar notícias inconvenientes para quem está no poder. É para isso que é preciso sigilo de fonte. A quebra do sigilo faz parte dessa ofensiva contra os direitos democráticos e atinge os jornalistas como atinge advogados que têm escritórios invadidos. Mas é evidente que a Lava Jato vai ser feita sempre seletivamente e ninguém vai quebrar o sigilo da fonte de jornalistas que publicam textos parciais, verdades parciais de delações premiadas em ocasiões muito oportunas, que publicam coisas que nunca se demonstra que foram ditas, mas que ninguém desmente…

A famosa “tenho uma fonte que me falou”…

Então, é quando é para um lado pode e para o outro não pode. É a coisa seletiva mesmo. Há um poder que escapou das mãos e que está querendo se reconstruir de todo o jeito, inclusive na imprensa.

E quanto ao papel do jornalista e o futuro do jornalismo?

Com toda essa bagunça da internet e todas as redes sociais, o jornalismo continua cumprindo uma função social – separar o joio do trigo. É para isso que nós existimos. Tem gente que diz que é bom porque a internet agita, mas precisamos fazer assentar, não basta agitar. As pessoas precisam ter consciência para poder agir, numa direção que entendam para onde estão indo e elas poderem ter escolha. Por isso, o jornalismo continua essencial, é importante continuar defendendo porque continua sendo precioso. Muitas coisas importantes da história nós só ficamos sabendo 20 anos depois. E por quê? Falhas do jornalismo, foi onde o jornalismo ficou ausente.

Foto: Flaviana Serafim – Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo

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