Graças ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o termo fake news (literalmente, notícias falsas) popularizou-se em 2017. Trump se referia, genericamente, às notícias negativas contra ele, mas o passar do tempo deixou claro que a divulgação de textos com informações de fato mentirosas teve papel central nas eleições norte-americanas e em sua vitória.
Em 2018, a Alemanha aprovou uma lei contra a produção de notícias falsas e, atualmente, o governo da França estuda fazer o mesmo.
No Brasil, o fenômeno não é novo. Nas eleições de 2014, os robôs de redes sociais, perfis falsos que podem divulgar maciçamente informações nessas plataformas, chegaram a gerar mais de 10% do debate, segundo o estudo “Robôs, redes sociais e política no Brasil”, da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas.
No mesmo ano, em 26 de outubro, o País acordou para o segundo turno entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) com a “informação” de que o delator Alberto Youssef teria sido encontrado morto em Curitiba. Youssef não apenas está vivo como desfruta de prisão domiciliar, prêmio por suas revelações.
Agora que o fenômeno tem um nome, as instituições se mobilizam para lidar com ele.
Nesta semana, começa a funcionar um grupo de trabalho envolvendo diversas órgãos nacionais para deliberar a respeito do assunto. A iniciativa é do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No fim de 2017, o presidente do TSE, Gilmar Mendes, instituiu a criação de um Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições, focado sobretudo nas desvantagens dos robôs e das fake news. O órgão terá 11 integrantes, incluindo representantes da Justiça Eleitoral, do governo federal, do Exército e da sociedade civil.
Também no TSE, funcionará um grupo de trabalho de combate às notícias falsas. Sua criação foi determinada pelo ministro Luiz Fux, que assume a corte em 6 de fevereiro. Entre os participantes do grupo estarão integrantes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.
Um dos objetivos da iniciativa é montar um projeto de lei específico para combater as fake news, como afirmou a CartaCapital o delegado Eugênio Ricas, chefe da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF. “[Há] necessidade de criação de uma legislação mais moderna para dar segurança para as pessoas e para dar condições para os órgãos trabalharem”, disse. Ricas cogita, “em último caso”, usar a Lei de Segurança Nacional, do fim da ditadura, para lidar com notícias falsas se não houver uma nova legislação até o início do período eleitoral.
A participação de diversos órgãos de segurança, incluindo as Forças Armadas, no combate às fake news, preocupa entidades da sociedade civil, que veem risco de vigilantismo e de restrição às liberdades individuais.
A presidente do Instituto Palavra Aberta, Patrícia Blanco, inquieta-se com possíveis usos políticos do conselho consultivo criado pela Justiça Eleitoral.
“Qual será a função desse conselho? Como será feito o combate a quem propaga as fake news? Como será o controle disso?”, questiona, esclarecendo que, caso as regras sejam claras e não firam a liberdade de expressão, ela não se oporá a sua atuação. “Se for utilizado com o princípio de combater o crime, acredito que teremos um bom grupo reunido em torno de um objetivo comum: combater a propagação de notícias falsas”, afirmou em entrevista.
Saiba o que cada órgão estatal está fazendo para combater as notícias falsas.
Tribunal Superior Eleitoral
Montou um conselho consultivo e um grupo de trabalho para lidar com as fake news. Apenas o primeiro órgão conta com integrantes da sociedade civil na discussão. O segundo tem como objetivo criar um projeto de lei específico para lidar com o tema, além de um protocolo de atuação.
Polícia Federal
A PF terá um delegado, um agente e um perito criminal no grupo de trabalho do TSE. Segundo Eugênio Ricas, o colegiado buscará criar um projeto de lei para ajudar no combate às notícias falsas. “[O grupo] deverá apresentar também uma proposta de alteração legislativa que modernize a nossa legislação, para dar condições aos órgãos de atuar no combate a esse tipo de conduta”, disse. A missão principal, afirma Ricas, é “estabelecer um protocolo de atuação” para esses casos.
Exército
O Exército atuará no combate às notícias falsas por meio de seu Centro de Defesa Cibernética. Um representante do órgão estará no conselho consultivo do TSE. A instituição afirmou que auxiliará no esclarecimento de infrações eleitorais efetuadas por organizações e pessoas referentes ao ciberespaço.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, defendeu a atuação dos militares. “Nosso papel, por meio do Centro de Defesa Cibernética do Exército, com o apoio da PF, da Abin e de outros órgãos, é apoiar o TSE, porque o tribunal não tem pessoal para cuidar de tudo isso”, disse.
Agência Brasileira de Inteligência
O serviço de inteligência estará representada no conselho consultivo por seu diretor-adjunto, Frank Márcio de Oliveira.
Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
O ministério, hoje sob o comando de Gilberto Kassab (PSD), faz parte do Conselho Consultivo do TSE, mas não tem definição oficial sobre ações específicas na área.
Durante o seminário “Internet e Eleições: um desafio multidisciplinar”, organizado pelo TSE em dezembro, Kassab sugeriu que o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) crie um setor específico em sua estrutura para atuar em conjunto com o TSE contra as fake news.
Escrito por Beatriz Drague Ramos / Carta Capital