Novamente a história ameaça se repetir como farsa. A exemplo do que ocorreu quando do projeto de criação do Conselho Federal dos Jornalistas ou do Projeto de Emenda Constitucional pela volta da obrigatoriedade de formação universitária (diploma) para o exercício profissional, vozes conservadoras se somam aos interesses empresariais e ao oportunismo político para, novamente, impedir o debate público sobre os rumos da comunicação no país e, de carona, atacar o governo.
No momento, o que está em debate é o direito de resposta. Assegurado pela constituição desde 1988 (Artigo 5º, inciso V – “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”) ele nunca foi devidamente regulamentado. Aliás, esta previsão legal já constava na antiga Lei de Imprensa de 1953, aprovada durante o regime democrático e sancionada por Getúlio Vargas (capítulo III – Do direito de resposta), e que foi mantida em linhas gerais pela ditadura militar com a Lei de Imprensa de 1967 (Lei 5.250).
Acontece que em abril de 2009 o Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, declarou que Lei de Imprensa era incompatível com a Constituição Federal. Como se percebeu a seguir, passamos a conviver com uma espécie de vácuo jurídico onde um direito constitucional, para ser aplicado, deveria ser objeto da interpretação de juízes que precisavam recorrer a analogias e interpretações de outras normas legais para sua aplicação. O direito de resposta, que nunca chegou a ser um recurso muito utilizado pela sociedade, praticamente se extinguiu.
Para resolver esta questão, em setembro de 2013, o senador Roberto Requião (PMDB/PR) deu entrada em um projeto Lei que “Dispõe sobre o direito de resposta ou retificação do ofendido por matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social”. O projeto seguiu os trâmites normais, foi aprovado pelo Senado, pela Câmara dos Deputados e sancionado pela presidente Dilma em novembro de 2015.
A partir de então teve início o bombardeio midiático contra a nova lei utilizando o velho argumento de que se trata de uma ameaça a liberdade de imprensa. O próprio conceito de “liberdade de imprensa” foi distorcido e, uma vez apropriado pelo poder econômico/político da mídia, passou a ser conjurado em todas as ocasiões em que a sociedade civil se propunha a regular ou simplesmente aprofundar o debate sobre papel da mídia na contemporaneidade. Qualquer questionamento passou a ser rotulado como “censura”.
Estabelecer faixas etárias para classificação dos programas de TV, restringir a propaganda dirigida às crianças, estabelecer cotas para produção local, controlar a propriedade cruzada na mídia, estabelecer neutralidade de rede, nada disso é possível pois tudo fere a “liberdade de imprensa”.
Agindo desta forma, o debate perde em objetividade e ganha em sensacionalismo.
A existência legal do direito de resposta deve ser vista como um meio de defesa do cidadão contra o eventual abuso das corporações midiáticas. A lei não impede a empresa jornalística de publicar qualquer texto e a reação só poderá ocorrer após a divulgação da pretensa ofensa. Isto, a priori, não caracteriza censura, mas, alegam alguns, a mera possibilidade do recurso e o rito sumário que a lei determina significam uma “ameaça” a inibir o livre trabalho do jornalista.
A leitura do texto da lei deixa claro que inicialmente é necessário que o ofendido se dirija à empresa de comunicação e, caso está não atenda ao pedido, o mesmo poderá recorrer à justiça, que terá que se manifestar sobre a pertinência do pedido. Ou seja, o juiz pode concluir pela não existência de qualquer ofensa e arquivar o processo. Aliás, como ocorre em qualquer outra esfera jurídica, sua aplicação só será efetiva se o poder Judiciário agir com independência e responsabilidade.
Para se fazer justiça é necessário celeridade. A ofensa deve ser reparada a tempo de não destruir uma reputação, como ocorre atualmente. Sem uma regulação para o procedimento da resposta muitas leviandades poderão ser assumidas como verdades, confundindo e manipulando a opinião pública.
Por outro lado, é presumível que o direito de resposta pode se tornar uma ameaça ao jornalismo sensacionalista que não respeita a ética, abandona a objetividade e a responsabilidade pública que deve caracterizar a profissão.
Naturalmente a lei não tem o objetivo de aperfeiçoar a ética jornalística mas, parece óbvio, traz implicações neste campo. Também pode ser considerada a hipótese de que a cláusula de consciência, uma antiga reivindicação sindical sempre negada pelos empresários, tenha algum avanço. A cláusula de consciência nada mais é do que a garantia que o jornalista deve ter de se negar a produzir alguma matéria contrária à ética jornalística ou que fira seus princípios mais caros. Indiretamente a nova lei oferece o argumento de que uma abordagem irreal ou falseada poderá trazer prejuízo financeiro à empresa e que seria melhor não incorrer no erro.
Após todas estas avaliações não quero dizer que a Lei seja ideal, que não deva ser aperfeiçoada ou que não existam outros problemas em relação ao jornalismo que precisam ser abordados no campo legislativo, apenas constato que o direito de resposta preenche uma lacuna jurídica, aponta no sentido de avançar o estado democrático de direito, moderniza a relação entre a mídia e a sociedade e exige maior responsabilidade empresarial.
Recorrer ao argumento de que o direito de resposta é uma forma de censura e um ataque à liberdade de imprensa para impedir sua aplicação é apenas mais uma tentativa de interditar o debate, manter o controle, enterrar uma iniciativa que pode dar frutos e fugir do essencial que é avançar na democratização da mídia. O resto é censura ao direito de resposta.
José Augusto Camargo – Secretário geral da Federação Nacional dos Jornalistas