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Mino Carta fala sobre a censura na Comissão da Verdade

Mino Carta fala sobre a censura na Comissão da Verdade


 

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A Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) colheu no dia 30 de setembro de 2013 o depoimento do jornalista Mino Carta, que no período da ditadura militar e da “distensão” foi o responsável pela criação da revista Veja e do Jornal da Tarde.

Detentor de muitas informações que permearam a imprensa naquele período, Mino foi ouvido pelos membros da Comissão da Verdade dos Jornalistas, Audálio Dantas (coordenador), José Augusto Camargo (presidente do SJSP), André Freire (secretário geral da entidade), Vilma Amaro (diretora de base do ABCD), Silvério Rocha, Miguel Varene (Tortura Nunca Mais/SP) e Priscila Chandretti. Rose Nogueira, que também compõe a Comissão, enviou suas perguntas por e-mail.
Além de Veja e JT, Mino foi também criador da revista Quatro Rodas, Jornal da República e editor da Istoé. Atualmente dirige Carta Capital.

 
Veja os principais trechos de seu depoimento:

 

Sobre a censura – Ajudei a criar o Jornal da Tarde, que sofreu uma censura indireta antes da decretação do AI-5. Dentro do grupo Estado passei quase quatro anos. No JT fomos submetidos a uma espécie de censura. Não sei de que misteriosíssima caverna chegava pelo telefone uma voz que dizia: não falem disso, não falem daquilo. Era uma falsa e hipócrita censura. Quem recebia as orientações era o chefe de reportagem, Ulisses Alves de Souza. A certa altura surgiu em cena um senhor chamado Liz Monteiro, que era homem da polícia. Sentava no meio da redação e ficava olhando a rapaziada trabalhar. Deitava olhares especiais sobre o Luiz Merlino, que trabalhava lá e teve a vida impiedosamente ceifada. Já era início dos anos 70.


A censura por telex – Já estávamos na época do telex. Aquela voz acabou se transformando em telex, que chegava dizendo o que poderia ou não ser noticiado. E, tempo depois, essa prática criou situações grotescas, por que eu descobri que havia uma guerrilha no Araguaia por que eles diziam “não falem da Guerrilha do Araguaia”.
Na Veja – Deixei o Estadão no início de 68 e fui fazer estágios fora do Brasil para analisar as revistas semanais. A Abril me chamou, disseram se queria trabalhar lá e eu disse que poderia ser, desde que eles não interferissem na pauta, que não impusessem nenhum tipo de censura. A revista poderia ser discutida após a sua saída. Nada que precedesse a feitura da revista.

 

A voz – Nunca fiquei sabendo de onde vinha aquela voz. Era uma ditadura que se pretendia fingir de democracia. Manteve o Congresso aberto para poder fechá-lo quando bem entendesse. Havia o bipartidarismo. O MDB nasceu com a Arena para fazer uma oposição de mentirinha e subitamente começou a fazer oposição de verdade. Isso com o Ulysses Guimarães, que teve seus méritos. Então aconteceram cassações, rapas brutais, mandaram embora do país um monte de gente.


Ideiais – No JT, tinha o Liz Monteiro, que se sentava no meio da redação, com olhares para o Merlino, mas para outros também. Ele deveria estar desconfiado de muita gente, o que era um tanto precipitado, por que no caso do Merlino, ainda se justificava. Mas em relação aos outros, eram bons meninos que tinham sonhos, ideiais, mas não creio que representassem um perigo. Aliás, nem mesmo o Merlino representava.

 

Suscetibilidades – A Veja foi lançada finalmente após um longo processo de gestação, em 8 de setembro de 68. A editora Abril tinha um diretor responsável, Edgar de Silvio Farias, que tinha acesso às matérias para cuidar que elas não ferissem suscetibilidades, fardadas ou não. Eu não aceitei este tipo de fiscalização. Eu não aceitei que eles interferissem a priori, mas a posteriori, sim. Mas, na quinta edição, Veja foi apreendida em banca. Ela tinha a cobertura do Congresso da UNE, com a manchete: Todos Presos. A apreensão em banca era o hábito na época. Uma operação capilar, infernal, por que englobava o país todo.

 

Trato – A Abril não tomou nenhuma medida (contra a apreensão). Por um longo período, eles respeitaram o trato comigo, que me dava uma autonomia grande, uma liberdade de vôo que eu não tivera no Estadão. Mas eu também não reivindicava isso, por que quando se trabalha com os Mesquitas você sabe com quem está lidando. Muito embora, no JT, eles me dessem liberdade de fazer um jornal diferente do Estado mas, do ponto de vista político, ele foi monitorado constantemente pelo Ruy Mesquita, que ditava as regras políticas.


Torturas fatais – No dia 13 de dezembro de 68 desaba sobre o país o AI-5. Vieram ainda duas edições de Veja apreendidas em bancas. Entramos em um ano terrível, o de 69, ano em que adoece Costa e Silva e entra a Trempa, o terceto fardado. Há os sequestros dos embaixadores, a situação está muito tensa. O divisor de águas foi uma edição especial, no final de 69, sobre tortura. O Raimundo Pereira comandou uma equipe de sete repórteres, que partiram para um longo levantamento que durou meses, muito sólido em informações, que contavam três casos de tortura fatais e arrolavam mais 150 casos de tortura. Então, surge em cena o Médici. Queríamos inventar um ardil sutilíssimo. Fizemos uma capa em que a Estátua da Justiça, em pose estranhíssima e a chamada era: Médici não admite tortura. E a proibição já veio na terça-feira. Não se podia falar de tortura. Na noite de sexta, a revista fechava no fim da tarde de sábado, veio aquele telefonema proibindo falar de tortura. Eu fingi que não tinha recebido o telefonema, mandei desligar os telefones e saímos com a capa de tortura. Foi um Deus nos acuda.

 
Censores civis e militares – Eu só posso dizer que se eu tivesse que escolher entre os censores militares e os civis, que depois eu tive a oportunidade de conhecer, eu preferiria os militares que, por incríveis que pareça, eram mais seguros. Eles não se metiam em nada que não fosse política e economia. Eles não interferiam na pauta. Eles interferiam no texto. Podiam vetar uma foto ou cortar parte dos textos. Várias vezes os censores sugeriam apenas uma mudança de palavra. No governo Médici, os censores militares foram substituídos pelos censores da Polícia Federal. E esses eram muito piores: eles liam tudo, rasuravam fotos, metiam a tesoura pra valer. Nunca nenhum deles chegou e disse: troca esta palavra que está tudo bem. Eu sentia neles muita insegurança. Eram apenas bagrinhos que executavam tarefa.


Golbery – Quando começaram as negociações para levar Ernesto Geisel à presidência da República, eu tive muito acesso a informações. O Golbery do Couto e Silva havia virado uma fonte minha e ele estava brigado com os militares em geral e, mesmo sendo militar, tinha uma aversão pelo Médici. Ele era um homem de direita, mas uma figura extraordinária. Ele teve um papel determinante no golpe e depois, ao desfazer o golpe. Ele fez um plano que previa eleições diretas em 85, que deveria ter como adversários Paulo Maluf e o Tancredo Neves. Estava previsto. Ele havia traçado todas as etapas.

 

Armando Falcão – Eu almocei duas vezes com o Ministro da Justiça, Armando Falcão, no Rio de Janeiro, para tratar da retirada dos censores da Veja. Ele disse: vai sair do Estadão e da Veja. Então, em março de 74, o Geisel empossado, Armando Falcão me chama em Brasília e diz: vocês estão livres de censura. Acabada a censura, extrai da gaveta uma matéria sobre os exilados. Tinha uma foto do Brizola no Uruguai. Esta edição foi recebida muito mal. A segunda edição foi sobre o aniversário da Redentora. Esta matéria caiu pior ainda. Na terceira edição, já nas bancas, o Vitor Civita me chama na sala e diz: a censura voltou. A revista foi apreendida novamente nas bancas. Isso foi um divisor de águas. Os militares odiaram uma charge do Millôr Fernandes. Da sala do Civita, eu liguei para o Golbery. Ele me disse tínhamos exagerado. Na noite seguinte, liguei para o Golbery e ele me convidou para conversar. Estranhamente, o Civita estava na ante-sala do Golbery. Ele queria entrar comigo. Eu aceitei, desde que ele não fizesse nenhuma intervenção.

 

Prisões – Eu devo ter prestado mais de 40 depoimentos. Fui preso duas vezes. Uma vez no período Médici, quando Veja publicou as cartas do (Carlos) Lamarca. Fui levado ao quartel general do 2º Exército, mas logo fui liberado por um coronel. Na segunda vez, fui preso pelo Fleury em pessoa. O Fleury que matou o Toledo. No “aparelho” do Toledo eles encontraram material que eram dos arquivos de Veja. Eles me prenderam para saber como aquilo tinha chegado no aparelho do Toledo. No Dops, fiquei numa sala junto com alguns torturados. Fleury entrou e me disse que, se ele quisesse, fecharia a Veja. Reconheci que o material possivelmente seria do arquivo de Veja e ele me liberou.

 
Vladimir Herzog – Dom Paulo Evaristo Arns me mandou para Santos à procura do coronel Erasmo Dias. Ele tinha conseguido falar com o governador Paulo Egydio, na manhã de sábado, 25 de outubro de 75, no dia da prisão do Vlado. Ele me ligou e disse: ele pede que você vá a Santos, à Vila Belmiro, que lá está o coronel Erasmo Dias. É para ele voltar imediatamente a São Paulo e assumir o controle da situação. Eu disse: Dom Paulo, desculpe, se eu for a Santos é capaz que ele me prenda. Não. Você vai sim por que este foi o recado que recebi. Fui, então, com o Paulo Totti e com minha mulher. Erasmo Dias não estava. O pessoal da Vila Belmiro me disse que ele vinha de vez em quando, mas possivelmente estava na casa do Carlos Caldeira (um dos sócios da Folha de S. Paulo). Aí liguei para a casa do Caldeira e eles me enchotaram.  Então, voltei a São Paulo e estava comendo uma pizza com o Totti, quando fui comunicado pelo Juca de Oliveira (que era casado com a filha do Fernando Faro) da morte do Vlado.


Sacrifício – Eu fui sacrificado pela editora Abril para o pagamento de uma dívida de U$ 50 milhões. Havia um empréstimo que seria realizado pela Caixa Econômica Federal para sanar a dívida. Armando Falcão dizia que não poderia liberar um empréstimo para a Abril que tinha uma revista inimiga do governo.  Roberto Civita foi negociar com Falcão, que pediu a minha cabeça e de outros colaboradores como o Plínio Marcos. Eles me informaram sobre esta condição e, então, eu me demiti.


FHC e Lula – Carta Capital foi perseguida pelo governo Fernando Henrique. Nunca investiu um único centavo em publicidade na revista. Nem no atual governo. O Caetano Veloso disse que Carta Capital é a Veja do Lula. Mas, não é verdade. Pergunte para a dona Helena Chagas, que é uma empregada da TV Globo e instalada para tomar decisões da publicidade governista. Ou o Paulo Bernardo, que também é funcionário da Globo.

 

Folha de S. Paulo – A Folha teve uma série de contribuições especiais em certos momentos. O Cláudio Abramo foi decisivo para botar a Folha como um jornal importante em São Paulo. Ela viveu alguns momentos aparentemente difíceis. Por exemplo, no episódio do Lourenço Diaféria. Golbery me disse que os problemas na Folha aconteceram principalmente por conta da disputa interna no comando do Exército.

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