Pesquisa sobre a percepção dos jornalistas sobre as condições de trabalho, coordenada pela jornalista Gabriela Oliva, testemunha em dados e relatos de profissionais um cenário antigo na imprensa: como as condições de trabalho hostis, como o excesso de jornadas, fragilidade de vínculos empregatícios e violência contra profissionais do jornalismo, especialmente em veículos impressos, afetam a qualidade de vida dos jornalistas e a saúde mental destes profissionais.
Disponibilizada de abril a junho de 2020, a pesquisa “História cruzadas: saúde mental do jornalista dentro das redações”, foi realizada no formato de pesquisa híbrida, combinando métodos qualitativos exploratórios e quantitativos, com 21 profissionais, entre 22 e 82 anos de idade. Cada jornalista respondeu 42 questões que versavam, entre outras coisas, sobre perfil pessoal, experiências profissionais, avaliação sobre as condições de trabalho dentro das redações e uma questão latente: a saúde mental no jornalismo.
“A pesquisa entrevistou jornalistas recém-formados e veteranos que trabalham ou já passaram pelos veículos mais populares do país – como O Globo, El País, Revista Veja, O Dia e Folha de São Paulo”, explica Gabriela.
Respondida por jornalistas do Rio de Janeiro e de São Paulo, o levantamento mostra uma crise no cuidado na forma de fazer jornalismo, prejudicando a saúde mental dos profissionais da categoria. Enquanto os conglomerados inserem o tema de saúde mental na pauta do dia, os jornalistas se queixam pelas implementações tímidas sobre o assunto nas relações de trabalho.
Resultados
Dentre os respondentes, 57,1% se identificaram com o gênero masculino e 42,9% com o feminino. Entre os jornalistas, 76,2% se auto declararam como brancos, 19% pardos e 4,8% pretos.
A principal função exercida dentro do jornalismo pelos profissionais é de repórter (52,4%), seguida da atuação como editor, editor assistente e jornalista especializado (14,3%). O regime de trabalho da maioria está sendo feito em home office (33,3%), seguido pelas profissionais que estão em trabalhando na sede da empresa.
Uma das primeiras perguntas feitas aos entrevistados diz respeito ao vínculo profissional. Segundo os dados levantados pela pesquisa, 71,4% dos jornalistas encontram-se empregados e 14,3% atuam como freelancer.
A maioria dos respondentes (33,3%), avaliam como regular a valorização da empresa jornalística sobre o trabalho desempenhado. Aproximadamente 38,1% afirmaram considerar ruins as oportunidades de crescimento e inovação na empresa.
“Em 25 anos de carreira, passei por todas as redações do Rio de Janeiro, nos mais variados cargos e editorias. Em maior ou menor escala, falta um entendimento de que o período de trabalho deve começar, mas também terminar. A chegada de tecnologias como o Whatsapp fez o jornalista ‘estar’ no trabalho mesmo após ir embora. É verdade que a implementação do banco de horas é um avanço, pois era infinitamente pior, mas ainda se passa por cima disso através de perguntas feitas e/ou missões dadas quando o jornalista já deixou da redação. A extrapolação de horas sem uma compensação justa é uma delas uma das infrações recorrentes, a pejotização dos funcionários é outra, bem grave. Além disso, estamos em um país que sempre respeitou muito pouco a profissão, no que tange a valorização, acredito que tal atitude jamais se concretizou. Agora, porém, o problema aumenta porque a imprensa é tratada como inimiga, dependendo do lado político em que o público esteja”, destacou um dos entrevistados em relato anônimo.
De acordo com os jornalistas, 47,6% avaliaram como regular a valorização do profissional na instituição jornalística e 33,3% avaliaram como ruim. Sobre a percepção da garantia de direitos trabalhistas no mercado de trabalho da imprensa, a maioria dos entrevistados, 42,9%, considerou regular, enquanto 23,8% avaliaram como ruim.
Em meio a relatos da falta de condições de trabalho para a imprensa, os jornalistas apontam a falta de políticas sobre saúde mental no cotidiano das redações. Cerca de 70% dos respondentes afirmam ter diagnóstico de transtornos psicológicos.
Mesmo assim, 76,2% responderam que não existe um canal para tratar de saúde mental nas empresas jornalísticas. A maioria dos jornalistas, 42,9%, avaliou que as instituições encaram o tema de saúde mental de forma regular.
A instabilidade gerada pelas condições de trabalho do jornalismo e falta de amparo das empresas aos profissionais se reflete em números. Aproximadamente 28,6% dos respondentes afirmaram trabalhar de 10h a 12h horas por dia, enquanto 4,8% trabalham mais de 12h.
“Os jornalistas trabalham muitas horas extras, mas em poucos casos são pagos por elas nem conseguem tirar as folgas que ganharam. Além disso, diversas redações não oferecem os equipamentos nem suporte necessários para o trabalho. Há também uma falta da cultura de feedbacks ou diálogo entre chefia e repórter, o que poderia ajudar na melhora da produtividade dos funcionários”, abordou uma jornalista entrevistada pelo estudo.
Quanto à renda 85,7% têm medo de perder o emprego. Complementando a inconstância, 52,4% dos profissionais entrevistados consideram seu nível de estresse elevado.
Os entrevistados ainda apontaram episódios de assédio verbal, psicológico, moral e sexual. “Lidei com machismo durante toda a minha carreira”, disse uma mulher jornalista entrevistada. Enquanto outra entrevistada compartilhou: “ouço piadinhas de cunho sexual por parte de pessoas que frequentam a empresa de vez em quando”.
Por um jornalismo responsável
A prática de um jornalismo que aborda a qualidade de vida e saúde mental dentro das redações ainda é algo tocado de maneira tímida. Por enquanto, o assunto é utilizado como parte do agendamento de matérias dos grandes jornais, mas no que tange às estruturas das redações, as discussões continuam tímidas.
Mais do que o uso da saúde mental para pautas editoriais, a discussão sobre o tema deveria ser de extrema importância para o jornalismo. É a partir do cuidado humano que se pode construir um jornalismo que não só diz se preocupar com sua responsabilidade social nas condutas éticas empresariais ou páginas de jornal, mas que de fato tece estratégias para a implementação de um jornalismo mais responsável.
Segundo uma pesquisa realizada pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) com 457 profissionais de comunicação, a sobrecarga no trabalho com acúmulo de tarefas e cobrança por resultados aumentou durante a pandemia da Covid-19 (55%). Com essa denúncia, é preciso repensar o cotidiano das redações, com uma abordagem mais empática para o ecossistema da imprensa.
Tabelas: Dados gerados a partir das respostas do questionário
Idade
17 – 24 anos. 4,8%
25 – 34 anos. 42,9%
35 – 44 anos. 23,8%
45 – 54 anos. 23,8%
55 – 64 anos. 4,8%
65 ou mais. 4,8%
Estado
Rio de Janeiro – 85,7%
São Paulo – 14,4%
Gênero
Feminino – 57,1%
Masculino – 42,9%
Raça
Branca – 76,2%
Parda – 19%
Preta – 4,8%
Situação profissão
Empregado – 71,4%
Freelancer – 14,3%
Servidor público – 9,5%
Microempreendedor Individual (MEI) – 9,5%
Estudante – 4,8%
Ocupação profissional
Repórter – 52,4%
Social Media – 4,8%
Editor – 14,3%
Jornalista especializado – 14,3%
Fotografia – 4,8%
Cinegrafista – 4,8%
Editor assistente – 14,3%
Entidade jornalística
Nenhuma – 71,4%
Fenaj – 14,3%
Abraji – 14,3%
Abi – 4,8%
Entidade jornalística
Grupo Globo – 58,1%
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – 5,3%
Comlurb – 5,3%
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro – 5,3%
O Dia – 5,3%
El País Brasil – 5,3%
Revista Veja – 5,3%
Target – Assessoria de Comunicação – 5,3%
Uma Gota no Oceano – 5,3%
Tempo na entidade jornalística
Mais de 10 anos – 14,4%
De 5 – 10 anos – 24%
De 1 – 5 anos – 33,5%
Menos de um ano – 23,9%
Tempo de trabalho por dia
+ 12 de horas por dia – 4,8%
De 10 – 12 horas por dia – 28,6%
8 horas por dia – 52,4%
6 horas por dia – 9,5%
A quantidade varia de acordo com a demanda, podem ser 6h por dia ou 12h – 4,8%
Dias da semana você trabalha
Dias da semana (segunda a sexta) – 100%
Sábado – 42,9%
Domingo – 23,8%
Feriados – 28,6%
Plantões nos finais de semana – 28,8%
Local de trabalho
Parcialmente em home office – 14,3%
Totalmente em home office – 33,3%
Sede da empresa/ instituição/ escritório – 28,6%
Sucursal Rio – 4,8%
Em uma gerência fora da sede – 4,8%
Na pandemia em home office – 4,8%
Parte em home office, parte no escritório e parte em campo – 4,8%
Benefício
Plano de saúde – 76,2%
Vale refeição – 76,2%
Vale transporte – 57,1%
Plano odontológico – 33,3%
Vale alimentação – 19%
Previdência privada – 23,8%
Auxílio educação – 14,3%
Creche – 9,5%
Nenhum – 14,3%
Avaliação pessoal com o trabalho
Muito bom – 23,8%
Bom – 47,6%
Regular – 23,8%
Ruim – 4,8%
Muito ruim – 0%
Valorização da empresa sobre o trabalho
Muito bom – 14,3%
Bom – 28,6%
Regular – 33,3%
Ruim – 14,3%
Muito ruim – 9,5%
Oportunidades de crescimento e inovação na empresa
Muito bom – 0%
Bom – 28,6%
Regular – 28,6%
Ruim – 38,1%
Muito ruim – 4,8%
Avaliação sobre o ambiente de trabalho
Muito bom – 66,7%
Bom – 14,3%
Regular – 19%
Ruim – 0%
Muito ruim – 0%
Avaliação sobre as relações hierárquicas
Muito bom – 14,3%
Bom – 33,3%
Regular – 38,1%
Ruim – 14,3%
Muito ruim – 0%
Avaliação sobre a valorização do jornalista dentro da empresa
Muito bom – 9,5%
Bom – 9,5%
Regular – 47,6%
Ruim – 33,3%
Muito ruim – 0%
Avaliação sobre a garantia de direitos trabalhistas no mercado de trabalho
Muito bom – 9,5%
Bom – 4,8%
Regular – 42,9%
Ruim – 23,8%
Muito ruim – 19%
Avaliação sobre como a empresa trata o tema ‘saúde mental’
Muito bom – 4,8%
Bom – 9,5%
Regular – 42,9%
Ruim – 23,8%
Muito ruim – 19%
Existe algum canal para falar sobre saúde mental no seu ambiente de trabalho?
Sim – 76,2%
Não – 23,8%
Você faz o uso de algum medicamento controlado associado a saúde mental?
Respostas Sim – 90,5%
Não – 9,5%
Você utiliza algum tipo de droga lícita ou ilícita regularmente?
Bebida alcoólica – 76,2%
Não – 23,8%
Tabacos e derivados – 19%
Maconha – 9,5%
Alucinógenos – 4,8%
Estimulantes, como anfetamina – 4,8%
Analgésicos – 4,8%
Hipnóticos/ Sedativos – 4,8%
Você possui plano de saúde próprio ou pago pela empresa/instituição?
Sim – pago pela empresa/ instituição – 57,1%
Sim – plano de saúde particular -28,6%
Faço uso de um plano de saúde herdado de meu finado pai, plano este da Caixa de Assistência da Fiocruz – 4,8%
Dois planos: o particular e o pago pela empresa – 4,8%
Nenhum – 4,8%
Você já sofreu algum tipo de assédio? Qual?
Nenhum – 42,9%
Assédio moral, verbal e psicológico – 4,8%
Assédio moral – 14,3%
Assédio sexual – 4,8%
Assédio verbal – 9,5%
Assédio psicológico – 14,3%
Na empresa, não sofri assédio, mas já sofri em outros ambientes profissionais – 4,8%
Assédio moral não no atual trabalho, mas em outros – 4,8%
Quanto tempo você demora para chegar no trabalho?
Mais de duas horas – 4,8%
De uma hora e meia a duas horas – 9,6%
Até uma hora – 71,7%
Home office – 14,4%
Quais transportes você utiliza para chegar ao trabalho?
Ônibus – 47,6%
Metrô – 19%
Carro próprio – 23,8%
Bicicleta – 19%
Barcas – 9,5%
Transporte privado da empresa/instituição – 4,8%
A pé – 14,4%
Trabalho de casa – 4,8%
Motorista de aplicativo – 9,5%
Você tem medo de perder sua fonte de renda/trabalho?
Sim – 85,7%
Não – 14,3%
Você faz acompanhamento psicológico?
Sim – 57,1%
Não – 42,9%
Você faz acompanhamento psiquiátrico?
Sim – 85,7%
Não – 14,3%
Você faz terapia integrativa?
Meditação – 38,1%
Yoga – 14,3%
Florais – 4,8%
Heiki – 4,8%
Outras – 24%
Nenhuma – 28,7%
Você já recebeu o diagnóstico de algum transtorno mental?
Nunca – 57,1%
Depressão – 23,8%
Transtorno de ansiedade – 23,8%
Síndrome de Burnout – 4,8%
Transtorno Borderline – 4,8%
Transtorno de déficit de atenção – 4,8%
Síndrome do pânico – 9,5%
Você faz atividade física? Com qual frequência?
Nunca (nenhuma vez por semana) – 4,8%
Quase nunca (uma vez por semana) – 23,8%
Às vezes (3 vezes por semana) – 66,7%
Quase sempre (4 vezes por semana) – 0%
Sempre (5/6 vezes por semana) – 4,8%
Qual tipo de atividade física você faz?
Caminhada – 47,6%
Ciclismo – 23,8%
Academia – 23,8%
Corrida – 23,8%
Futebol – 9,5%
Lutas – 9,5%
Pilates – 9,6%
Remo – 4,8%
Yoga – 4,8%
Patinação – 4,8%
Nenhuma – 0
Você sofre com alguma comorbidade?
Nenhuma – 85,7%
Psoríase – 4,8%
Diabetes – 4,8%
Ataque isquêmico – 4,8%
Como você considera seu nível de estresse?
Muito baixo – 0
Baixo – 9,5%
Regular – 28,6%
Alto – 52,4%
Muito alto – 9,5%