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Machismo no meio sindical

Machismo no meio sindical


Piadas sobre o papel da mulher. Declarações de que não temos os mesmo direitos que os homens. Dúvidas sobre a capacidade de uma militante, em função do seu gênero. Tratar novas integrantes do movimento como uma possibilidade de diversão. Desrespeito. Difamação. Cantadas. Assédio sexual e moral. Esses casos poderiam apenas fazer parte de algum período histórico distante do nosso contexto social, mas, por mais triste que seja, ainda estão presentes no meio sindical. Muitos homens parecem não entender que as mulheres também fazem parte da classe trabalhadora. E mais do que ter os seus direitos defendidos, elas querem ocupar um papel de protagonismo no movimento.

Depoimentos de dirigentes mulheres sobre casos em que sofreram com o machismo no meio sindical são inúmeros. São diários. E o mais grave: muitos dos dirigentes sequer têm a compreensão do quanto o seu comportamento é lamentável, inconveniente e prejudicial ao  movimento sindical. Para uma mulher se tornar uma representante da classe trabalhadora, ela precisa mais do que ter o perfil necessário para esse papel. Ela tem que saber lidar com casos de assédio, seja ele moral ou até mesmo sexual.

Junéia Martins Batista, Secretária Nacional das Mulheres da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e presidenta do Comitê Mundial de Mulheres da Internacional de Serviços Públicos, integra o movimento sindical desde o final dos anos 80 e, não só presenciou, como sentiu na pele inúmeros casos de machismo. “Vivenciamos desde um tipo de violência mais sútil, como a cara de deboche de homens no momento em que uma companheira vai se pronunciar em uma plenária, até violências mais sérias, como assédio sexual”, garante.

Segundo ela, há dirigentes que apoiam a inclusão da mulher no movimento sindical, mas também há muitos que não aprovam a participação feminina. Um exemplo foi a criação da paridade da CUT, em 2015, que determinou uma cota de participação de 50% de mulheres na direção da Central. “Lembro que muitos se incomodavam de maneira absurda no começo dos debates. Declarações do tipo ‘vocês ainda não estão preparadas’ eram comuns”, recorda.

Mas apesar de ter sido um grande avanço, a implementação da paridade ainda está longe de colocar um ponto final na cultura machista no meio sindical. Em primeiro lugar, porque de nada adianta apoiar a inclusão das mulheres, mas não refletir sobre a postura em relação a elas. Em segundo, porque mais do que fazer parte da massa, as mulheres querem ocupar um papel de protagonismo, em geral delegado aos homens. Junéia classifica essa nova etapa da luta feminina dentro da Central como “paridade empoderada”.

“Queremos cargos na CUT nacional que são historicamente ocupados por homens. Nunca houve uma tesoureira, uma secretaria geral ou uma presidenta. Queremos espaços de poder para além da paridade”, afirma. A declaração de Juneia sobre a necessidade do empoderamento da mulher no setor é reforçada pela Doutora em Sociologia Política Valdete Boni, autora do artigo “Poder e igualdade: as relações de gênero entre sindicalistas rurais de Chapecó, Santa Catarina”. “Na pesquisa que realizei, percebi que muitos dos cargos de direção ocupados pelas mulheres eram os mais estafantes e menos apreciados publicamente”, avalia. A política de cotas é apenas um dos primeiros passos de uma longa caminhada.

Poucas mulheres no movimento sindical?

As dificuldade enfrentadas pelas mulheres que iniciam sua atuação no meio sindical iniciam dentro de casa. Muitos maridos ficam enciumados por verem suas companheiras em um meio que ainda é predominado por homens. E apesar da luta cada vez mais intensa por divisão nos trabalhos do lar, as mulheres ainda sofrem com maior responsabilidade nas tarefas domésticas e no cuidado com os filhos.

Mary Garcia Castro, Doutora em Sociologia e autora do estudo “Gênero e poder no espaço sindical”, explica que hoje as mulheres estão mais atentas à participação na política sindical, porém, têm uma responsabilidade no setor privado muito maior do que os homens. Ou seja, mais do que interesse em atuar pela classe trabalhadora, a mulher que decide integrar o movimento deve ter força de vontade além da exigida e deve lidar com situações específicas. Enfrentar o machismo é uma delas.

Thuane Marques Galvão, delegada do SNA (Sindicato Nacional dos Aeroviários), já enfrentou uma série dessas situações, apesar de ser nova no movimento.

“Eu me sinto desconfortável com os assédios e atitudes machistas. Alguns homens têm a mente aberta e incentivam a inclusão cada vez maior das mulheres. Mas muitos homens nesse meio nos desprezam. Acham que não temos a mesma capacidade para fazer determinado trabalho sindical, falam que não é coisa de mulher. Sobre assédio sexual, prefiro nem comentar. É absurdo a forma com alguns homens se comportam diante de uma mulher”, lamenta.

Para ela, integrar o movimento tem sido um desafio muito grande, conseguir resolver os problemas dos trabalhadores e trabalhadoras a mantém motivada. E é o resultado de seu trabalho, realizado com muito esforço, que faz com que ela se mantenha no meio sindical, apesar dos reveses. “As mulheres trabalham muito mais do que os homens. Elas atuam no campo profissional e ainda têm os afazeres domésticos. A falta de incentivo faz com que percam o interesse por determinados assuntos. Mas a política faz parte da nossa vida, do nosso dia dia. Precisamos acabar com esse machismo e mostrar o quanto somos capazes. Se alguma mulher tiver interesse, venha nos ajudar a brigar não só pela nossa categoria, mas também contra os preconceitos. Vamos nos unir nesta luta”.

O machismo é cultural

Seria injusto afirmar que o comportamento machista é uma prática exclusiva no meio sindical. Muito pelo contrário. Este espaço é apenas o reflexo de uma sociedade machista. É o que afirma Valdete Boni, Doutora em Sociologia Política.

“O mundo é machista. As instituições são machistas. E o sindicato não foge à regra. A todo momento ouvimos comentários machistas, piadas machistas, cantadas machistas. E também somos desvalorizadas em nossas ideias, temos nossa voz silenciada por um tom de voz mais forte. Nós ascendemos ao mercado de trabalho e com isso conquistamos espaço nas instâncias representativas. Este espaço é importante, mas só isso não garante combate ao machismo ou direitos iguais”, garante a socióloga.

Segundo ela, não há como combater o machismo no meio sindical, se esse combate não for feito na sociedade como um todo. A violência contra as mulheres só vai diminuir se a forma como as pessoas são educadas mudar. Ainda assim, as entidades sindicais não podem deixar de lado o seu papel.

“Os sindicatos devem abordar a discussão do feminismo. Um/uma dirigente sindical torcer o nariz para a palavra feminismo é um sinal de completa ignorância do termo. Recentemente tivemos uma experiência bem interessante com dirigentes sindicais mulheres em um curso que debatia feminismo e agroecologia. Mesmo entre as mulheres havia resistência em aceitar o termo feminista no início. Com o passar da formação, a percepção das mulheres era outra. Aí está a importância de conhecer. Penso que é isso que os sindicatos podem fazer, formação. E formação em feminismo para homens e mulheres, mostrando o que efetivamente é o feminismo”, afirma.

Proposta de mudanças

A Secretária Nacional de Mulheres da CUT, Junéia Batista, conta que, no momento, acompanha um caso muito sério de assédio contra uma dirigente mulher. Segundo ela, encontrar uma solução para o caso está difícil, pois o estatuto não apresenta nenhum tipo de punição para esse tipo de conduta.

“Faremos uma proposta de resolução para alteração estatutária, no sentido de tentar coibir ou diminuir a violência que as mulheres sofrem, durante a militância, de dirigentes do movimento. Os homens precisam entender que a classe trabalhadora tem dois sexos”.

Junéia insiste no discurso de que o fato de as mulheres buscarem o seu empoderamento no meio sindical não quer dizer que elas tenham como objetivo dividir, mas sim, compartilhar. Sua afirmação é ratificada pela socióloga Mary Castro. “Quanto maior a participação das mulheres no meio sindical, mais ele se humaniza, cria pautas heterogêneas e diversificadas. Hoje contamos com mais mulheres com voz ativa, que pegam no microfone, que não são somente massas, mas também são capas. Mulheres têm avançado nos postos de liderança”, avalia. Porém, um longo trajeto ainda precisa ser percorrido e as mulheres não podem desistir dessa luta.

A máxima é valida tanto para aquelas que já enfrentam há muitos anos o machismo no meio sindical, como para as que iniciam agora, como a dirigente do SNA, Thuane Galvão.

“Nós mulheres temos os mesmos objetivos, capacidade e disposição à crítica que os homens. Sou novata e tenho muito para aprender. Isso incomoda algumas pessoas. Acho que essas pessoas deveriam investir o seu tempo orientado e apresentando críticas construtivas. Seria muito mais produtivo ajudar, em vez de simplesmente criticar e me desqualificar por eu ser mulher. Afinal, a nossa luta e ideologia são as mesmas”.

 

Escrito por: Cláudia Fonseca/Ag. Amora (AeroMulher)

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