O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), depois da década de 60, lutou pela vitória de diretorias comprometidas com a liberdade de imprensa e em defesa da democracia. Com essa conquista, passou a atuar , ao lado dos demais sindicatos em defesa dos direitos dos trabalhadores e pela restauração das liberdades tolhidas pelo regime civil militar, após a queda do governo de João Goulart.
Atualmente, a Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas de SP ouve depoimentos de profissionais que enfrentaram a repressão daquele período. Centenas de jornalistas foram atingidos pela violência do regime ditatorial que culminou com o assassinato de Vladimir Herzog em 1975. Este episódio mostrou a toda a sociedade, mais uma vez e de forma expressiva, a violência da ditadura.
Em fins da década de 70 e início dos anos 80, a ditadura civil militar , depois de anos de autoritarismo, violência, torturas e assassinatos de opositores, enfrentava a resistência popular.
No final dos anos 70 , surgia um movimento que iria mudar o rumo de nossa história. As greves dos metalúrgicos e trabalhadores da região do ABC em que despontou a personalidade combativa e corajosa de Luis Ignácio Lula da Silva, entre outros dirigentes.
As greves ganharam a simpatia de todo o povo brasileiro. Para a região do ABC convergiram deputados, senadores, intelectuais de todo o país, e até governadores em apoio à luta dos valentes operários. Já não era uma luta só de trabalhadores, era do povo brasileiro. Para cá vieram: Teotônio Vilela, Chico Buarque, Vinicius de Moraes e tantos outros.
Bastava de repressão, de violência, de atrocidades. Os jornalistas, para enfrentar as dificuldades que encontravam nas grandes empresas passaram a se organizar em cooperativas de trabalho. Surgiram cooperativas de jornalistas no Rio Grande do Sul, em São Paulo e em outros estados.
No ABC surgia a Xavante Editorial, uma cooperativa formada por 40 jornalistas e recém formados, em especial do Instituto Metodista. Muitos exerciam dupla jornada para conseguir sobreviver, pois os salários eram baixos.
Jornalistas de outros órgãos, entusiasmados e impulsionados pelas lutas dos metalúrgicos se reuniram , então, para criar a Diretoria Regional ABC do Sindicato dos Jornalistas.
Em São Bernardo existia um antigo jornal que, com uma nova direção, de Fernando Della Colleta, passou a apoiar firmemente a greve dos metalúrgicos. Desse jornal corajoso, saíram vários jornalistas que ainda militam hoje em atividades de imprensa na região do ABC.
Da cooperativa saíram alguns membros para formar uma Regional ABC do Sindicato dos Jornalistas, sob a coordenação de Valdeci Verdelho. E formou-se uma Regional aguerrida. Várias vezes, a diretoria visitou jornais, para debater com a direção problemas profissionais e, quando não havia consenso o debate se estendia à Delegacia Regional do Trabalho, dali saindo a Regional com diversas vitórias.
O dia em que a imprensa “invadiu” a Volks
Uma tarde, no início dos anos 80, a Volkswagen e outras indústrias entraram em greve. Mas, surpreendentemente a TV Globo informava que a fábrica estava com 95% de seus operários trabalhando. A greve, dizia a TV Globo, era de uma minoria. Então, convergiu para São Bernardo do Campo toda a grande imprensa nacional e internacional. Estavam presentes a TV da Itália, da Alemanha, diversos jornalistas de agência estrangeiras, emissoras de televisão e rádio, jornais e revistas de todo o país.
Os jornalistas, tendo á frente vários membros da diretoria regional do Sindicato dos Jornalistas, saíram pela Via Anchieta, junto com os profissionais da Folha de São Bernardo, numa verdadeira passeata com todos os órgãos de imprensa enfileirados rumo à Volkswagen. Embora não fosse regimental, pois os sindicatos eram proibidos de se meter em política e corriam riscos de seus dirigentes serem presos, a Regional ABC do Sindicato dos Jornalistas participou ativamente em apoio aos metalúrgicos, já que esse era um momento histórico de luta por transformações no País.
Lá chegando, a portaria com ordem da direção da empresa, tentou impedir a entrada dos jornalistas. Mas, diretores da Regional, que assim se identificaram, junto com os profissionais da Folha de São Bernardo e da grande imprensa, exigiram que toda a imprensa entrasse na fábrica.
Vendo que era impossível barrar a entrada de dezenas de jornalistas, a assessoria de imprensa da empresa autorizou a entrada, mas restrita à sala de imprensa. Quando se viram dentro da empresa, os jornalistas se espalharam pela fábrica e constataram que estava totalmente parada. Operários dormiam em cima das máquinas e a Folha de São
Paulo publicou uma foto muito comentada na época com um operário justamente dormindo em cima de uma dessas máquinas. Vale lembrar que a empresa tinha, então, 40 mil funcionários, era uma verdadeira cidade que estava parada.
Depois de verificar a paralisação na empresa, os jornalistas se reuniram, então, com a assessoria de imprensa da empresa e foram “para cima”. Ricardo Kotscho estava presente e questionou: como é que a assessoria diz que a fábrica estava funcionando com 95% de seus trabalhadores presentes “se nós constatamos a paralisação total?” Os assessores perplexos com a “invasão da indústria pela imprensa” não tinham resposta plausível, Mesmo assim, um repórter que não vamos citar o nome, em respeito à categoria, anunciou, ao vivo no Jornal Nacional que a fábrica estava funcionando com 95% dos funcionários trabalhando, uma deslavada mentira que revoltou todos os profissionais de imprensa presentes. Um deles ainda questionou o referido: “como é que você pode mentir assim?” Mas, todos sabiam da simpatia da TV Globo e de seus compromissos com a ditadura.
Como ontem, hoje muitos desses órgãos pedem objetividade, mas são profundamente subjetivos em suas notícias. Publicam a notícia que interessa à empresa. E neste momento em que se discute uma regulamentação para as empresas de comunicação, este episódio da Volkswagen é emblemático. A sociedade tem o direito de ser bem informada. E os jornalistas devem ser respeitados e bem remunerados, com todos os seus direitos assegurados, para terem a tranquilidade de fazer boas reportagens, como deram provas vários jornalistas nesse período que citamos. Muitos foram presos e torturados e morreram, como Vladimir Herzog. Muitos tiveram que sair do país. Mas, a luta dos trabalhadores de nossa região, às quais se juntaram os jornalistas, deram um exemplo ao mundo de coragem em defesa da democracia.
Foto – Grevistas do lado de fora da Volks – Acervo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
