Celebração à vida e à memória marca as oito décadas do jornalista que virou mártir e deu início à queda da ditadura
Há oito décadas, em 27 de junho de 1937, nascia Vlado Herzog, em Osijek, na então Iugoslávia, Croácia, no Leste Europeu. A trajetória de vida do jornalista e cineasta completaria 80 anos se não tivesse sido interrompida em 25 de outubro de 1975, quando Herzog foi morto, aos 38 anos, pela ditadura militar.
A vida e a memória de Vlado foram comemoradas por amigos, familiares, jornalistas, sindicalistas e militantes de direitos humanos que se reuniram para marcar a data no último sábado (24), na Praça e Memorial Vladimir Herzog, situada na esquina da Rua Santo Antônio com a Praça da Bandeira, próximo à Câmara Municipal, no centro da capital.
Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) quando Vlado morreu, Audálio Dantas avalia que o caso Herzog tem um sentido de libertação, pois o episódio marcou o começo do fim do regime repressivo. “A morte do Vlado foi o momento em que sociedade brasileira começou a despertar para dizer que bastava a violência”, recorda.
Para Audálio, a evocação de Herzog, numa praça da cidade mais importante do país, “tem o sentido de marcar uma verdade – pode demorar, mas, mais cedo ou mais tarde, a violência tem que ceder lugar à liberdade. É o que espero nesse momento em que o país vive uma situação que, não sendo uma ditadura escancarada, é muito mais perigosa porque consegue dizer que as instituições estão funcionando. Mas a realidade é que não estão funcionando democraticamente”, afirma.
Viúva do jornalista, Clarice Herzog diz que ele “é um mártir, mas também é uma figura importante para as pessoas entenderem o que ocorreu nesse país porque o Vlado concretiza o que acontecia nos porões da ditadura”. Até hoje, ela luta pela verdade sobre os assassinos do marido e aguarda a conclusão do julgamento do caso pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Vlado vive
Durante o ato público, a banca de jornais da praça foi batizada como “Banca Jornalista Vladimir Herzog”, numa intervenção dos participantes que, coletivamente, escreveram o nome do Vlado numa faixa. Uma grande tela com a história do jornalista em quadrinhos foi adesivada na parte traseira da banca, que passa a disponibilizar livros e outras publicações que abordem os direitos humanos, o direito à memória e à verdade e a luta pela democracia.
“O Vlado está mais vivo do que nunca na conjuntura de hoje. A praça com seu nome é um local dos jornalistas, é de quem luta pela liberdade, não é uma praça mórbida”, diz Sérgio Gomes, o Serjão, diretor da Oboré Projetos Especiais em Comunicações e Artes.
Organizador da atividade na Praça e Memorial Vladimir Hezog, Serjão anunciou outras ações para o espaço, entre as quais um mosaico que será criado no muro lateral ao local. Num projeto em parceria com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Escola da Cidade, as escadarias da praça serão transformadas em plateia para instalação de um teatro ao ar livre.
Jornalista recém-formada, Caroline Simões lançou no ato público o livreto Vladimir Herzog jornalista, resultado de uma grande reportagem que pesquisou a trajetória profissional de Vlado desde o início da carreira jornalística.
Entre as muitas histórias ainda desconhecidas pelo público, Caroline descobriu que Herzog chegou a ser narrador de futebol em 1966, no programa “Copa 66”, quando trabalhava na redação da BBC, em Londres, ao lado dos jornalistas Fernando Pacheco Jordão e Nemércio Nogueira. Outra descoberta é que Vlado ilustrou alguma das próprias matérias no início da carreira, no suplemento literário do jornal O Estado de S.Paulo.
“O Vlado ficou conhecido pelo significado que a morte dele teve, e houve toda essa repercussão porque foi um ótimo jornalista, mas nunca lemos nada que ele fez. Sabemos o que ele é, mas não sobre o que escrevia. Por isso, achei que era uma parte importante da história do Herzog que ninguém tinha contado ainda e que as pessoas deveriam saber”, explica a jovem jornalista.
Memória
Vladimir Herzog era diretor de jornalismo da TV Cultura e se apresentou espontaneamente, em 25 de outubro de 1975, ao Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), na Rua Tutóia, na capital paulista. Era uma manhã de sábado e o jornalista havia sido procurado pelos agentes da ditadura por ser militante de base do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Na “casa do inferno”, como ficou conhecido o local onde morreram mais de 50 presos políticos, Vlado foi assassinado sob torturas no mesmo dia.
O suicídio por enforcamento forjado pelos militares foi desmascarado, sobretudo a partir da preparação do corpo para sepultamento de acordo com os rituais judaicos. Na época, o rabino Henry Sobel e outras lideranças da comunidade, ao concluírem que a morte foi decorrente da tortura, enfrentaram a repressão e decidiram que Herzog não seria sepultado em local separado, como determina a tradição judaica nos casos de suicídio.
Na missa de sétimo dia, mais de oito mil pessoas participaram do culto ecumênico na Praça da Sé e a grande mobilização da época não só iniciou, como fortaleceu o movimento da sociedade que acabou derrubando a ditadura no país.
Escrito por: Flaviana Serafim – Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo
Foto do ato público: Cadu Bazilevski
Foto de Vladimir Herzog: Acervo/Instituto Vladimir Herzog