Durante a ditadura militar, exercer a atividade de transmitir informação crítica e isenta poderia resultar em perseguição, prisão, tortura e até morte, como revela análise da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, entregue na última quinta-feira (6) à Comissão da Verdade e Memória dos Jornalistas, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
O estudo traz a análise de 50 casos de jornalistas perseguidos na ditadura e anistiados pela comissão do ministério. O relatório analisou informações como ocupação, militância política, perseguição e trajetória política dos jornalistas perseguidos.
Para o jornalista e presidente da Comissão da Memória e Verdade da Fenaj, Audálio Dantas, o trabalho mostra que o exercício profissional se tornou um risco durante o regime militar. “Não é o fato de serem jornalistas, mas de serem pessoas que prestaram serviços de interesse público, de levar a informação, de trazer a verdade dos fatos”, disse.
Segundo ele, a violação de direitos humanos pelo Estado resultou em implicações que se estenderam à vida pessoal e profissional dos perseguidos. “Há vários casos de jornalistas mortos ou desaparecidos no período [1964-1983], e pouca gente sabe disso”, lembrou Dantas, que presidia o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo quando ocorreu, em outubro de 1975, o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, nas dependências do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), em São Paulo, após ter se apresentado ao órgão para “prestar esclarecimentos”.
Segundo ele, a comissão também investiga pelo menos duas dezenas de casos que resultaram em mortes de jornalistas. “A exemplo do jornalista Jayme Amorim de Miranda, da direção do Partido Comunista Brasileiro (PCB), assassinado em uma casa de extermínio, em São Paulo, e cujo corpo nunca foi encontrado”, relatou.
De acordo com a vice-presidente da Comissão de Anistia, Sueli Bellato, a intenção do estudo foi subsidiar o relatório que a comissão entregará à Comissão Nacional da Verdade, em dezembro próximo. O estudo foi baseado em pesquisas nos arquivos do Supremo Tribunal Militar e no Arquivo Nacional, que reúne todas as informações dos órgãos de repressão. Ela lembra que os caos representam uma amostra, e diz que o número de perseguidos foi maior.
“Nós acreditamos que a própria Fenaj tem melhores condições do que nós [da Comissão de Anistia] para saber quais foram os profissionais [perseguidos]. Nós temos um pequeno número, se considerarmos que muitos não entraram [com o pedido de anistia], suas famílias também não entraram, nos casos dos profissionais que faleceram”, disse Sueli. Segundo ela, somente na Comissão de Anistia foram analisados mais de 200 casos de jornalistas perseguidos.
O relatório mostra que os jornalistas eram severamente vigiados. Em boa parte dos casos, os jornalistas foram perseguidos por sua militância política. O estudo ressalta, porém, que em decorrência das denúncias que faziam nas reportagens e artigos, também foram perseguidos, impedidos de exercer a profissão e até demitidos.
Por concentrarem boa parte das empresas de comunicação, Rio de Janeiro e São Paulo aparecem como os estados com os mais altos percentual de perseguições, com 34% e 20% dos casos, respectivamente. A análise mostra ainda que 10% dos casos resultaram na cassação de direitos políticos, 23,3% resultaram em prisão e 12,4% em tortura,
É o caso da jornalista Miriam Marreiro Malina, militante do PCB. Monitorada em 1967, por ser casada com o dirigente da Aliança Libertadora Nacional (ALN), Thomaz Antônio Meirelles Netto, Miriam exercia a atividade de repórter. Mantida presa por 50 dias, em 1973, no Rio de Janeiro, ela foi torturada, submetida a choques elétricos, espancamentos e também estuprada. Em 1974, em decorrência das perseguições, foi demitida da empresa em que trabalhava.
Outro caso emblemático é o de Iza Barreto de Salles, ameaçada de ser processada pela Lei de Segurança Nacional por ter entrevistado a cantora Nara Leão.
De acordo com Dantas, o material será digitalizado e disponibilizado para as comissões da Verdade dos Jornalistas, instaladas em vários estados. Além da perseguição a jornalistas, ele ressalta que as comissões também investigam as violências contra veículos de comunicação, nas pequenas cidades e nas capitais.
Ele criticou ainda manifestações recentes, que pediram intervenção militar no país, após o resultado das eleições, e apelidou os manifestantes de “ovo da serpente”. “Eu espero que essas manifestações recentes, em função dos resultados eleitorais, não seja esse ovo sendo chocado. Porque se for, nós temos, principalmente os jornalistas, o dever de colocar o nosso trabalho para conscientizar (a sociedade) sobre o que foi aquele período, e eu espero que aprendam para que isso não se repita”, conclamou.
Texto: Agência Brasil