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“Estresse dos jornalistas beira a exaustão”, diz pesquisador

“Estresse dos jornalistas beira a exaustão”, diz pesquisador


 

heloany

 

O jornal Unidade entrevistou, em sua edição 357, o especialista em psicologia e psicodinâmica do Trabalho, José Roberto Heloani, que desde 2002 pesquisa os efeitos do processo de reestruturação do mercado de trabalho nas relações sociais e profissionais dos jornalistas.

Unidade – Você tem um trabalho vasto de pesquisa sobre os jornalistas. Quando começou a se interessar pela categoria?  

JRH – Comecei minha carreira acadêmica na FGV como professor de Comunicação, de Semiótica.  Minha área específica é psicologia mental, na área da saúde do trabalho, de identidade profissional. Mas sempre estive envolvido com a área. Fiz meu pós-doutorado na área da Comunicação. Uma amiga me sugeriu então fazer um estudo que ajudasse a entender melhor a profissão. Eu devo isso a ela, estudar o profissional jornalista. A gente sabe assim o que é uma redação, mas também como é esse sujeito, a identidade dele, a qualidade de vida dele, a relação com a família.

Unidade – Qual é o nome da pesquisa?

JRH – “Reestruturação positiva e qualidade de vida dos jornalistas”. O trabalho começou em 2002, durou mais de um ano, com pesquisa pesada de trabalho duro. Tivemos dois digitadores e a primeira fase durou até 2003. Depois de cinco anos, vi que as entrevistas precisavam ser aprofundadas. 

Unidade – Foram entrevistas com “figurões” da profissão ou com o trabalhador comum?

JRH – Tivemos desde pessoas novas, mas que já estavam na profissão, jornalistas bem mais experientes, até os “figurões”. A amostragem foi ampla. Ela ia se restringir apenas a São Paulo, mas teve Rio de Janeiro também. Não estava previsto, mas acabei incluindo também o interior de São Paulo, mas apenas cidades grandes como Campinas e Ribeirão Preto. Aprendi que a diferença entre elas é bem menor do que a gente pensa. Aquele estilo de vida do jornalista do interior, que era mais tranquilo, acabou. Hoje você tem violência, tem ameaça de morte. A cobrança é muito semelhante.Você percebe que esse ramo segue a lógica empresarial, justamente da reestruturação. São conglomerados. Existe uma financeirização desse ramo. Dar lucro é fundamental.Então, essa foi uma percepção. Na primeira pesquisa –  porque são três partes –  ficou claro que a qualidade de vida do jornalista em geral é muito baixa. Ficou também bastante claro que há duas gerações que se hostilizam e isso é muito triste, mas é uma hostilidade induzida. Você tem um estímulo a jogar um contra o outro, tanto que eu até denominei o pessoal mais jovem de “menudos”. É uma pessoa que, até pelo gás, pela saúde, aceita qualquer condição. Então, por isso, eles são mantidos. Eles não têm família, não tem os encargos que os outros têm. Eles querem aprender alguma coisa e querem ficar famosos.Na segunda parte da pesquisa, em 2005, ficou forte a quase incompatibilidade da profissão com vínculos estáveis. 

Unidade – São os efeitos da desregulamentação da profissão? 

JRH – Exatamente. Começa a desregulamentar e nasce o profissional “autônomo”. Agora ele é terceirizado, quarteirizado, é contratado por uma equipe que presta serviços para outros. De qualquer maneira, para todos, piorou muito. A ponto de termos jornalistas que falaram que não namoram. Não que não queiram. Gostariam, mas já tentaram e acham impossível. E já declararam, “tenho casos, mas não é o que eu queria”. E tem um caso de uma jornalista que disse que os horários dela são tão malucos que só consegue falar com o filho quando está no banheiro se arrumando para ir ao trabalho e isso causa muita culpa. Então, principalmente a mulher, reclama muito, sofre muito. Mas, por outro lado, ela tem, até para ser mais respeitada, que engolir a dor. O que vão falar se ela começar a contar seus dramas para os colegas de trabalho? Ela não se sente à vontade para verbalizar isso. Então, procura colocar uma carapaça e é onde o adoecimento ocorre.Na terceira pesquisa, que foi totalmente concluída em 2012, confirmamos coisas que na segunda já estavam surgindo. São casos significativos de assédios sexual e moral. Ambos cresceram bastante. O assédio sexual é mais denunciado, talvez porque é menos tolerado. Mas principalmente o assédio moral cresceu nas redações. Ele é mais sutil.Tem o caso de uma moça, numa redação de um grande jornal, que foi representando os colegas conversar com a direção sobre um possível aumento porque há muito tempo eles não tinham. E o sujeito fez questão de falar num tom de voz alto na frente de toda redação: “você tem razão. Vocês não têm aumento há bastante tempo. Mas vocês vão continuar tomando no c… por muito mais tempo e quem não está contente que caia fora”.Hoje você pode processar um sujeito como esse. Mas quem tem coragem de ir até o Tribunal e dar a cara a tapa? Se fizer isso, nunca mais arruma emprego. O empregador vai queimá-lo em todos os veículos. 

Unidade – O sr. acha que as empresas fecham portas a trabalhadores que movem  processo?

JRH – Se você fizer isso na grande mídia, você não entra mais. Na pequena, você pode até entrar, desde que ela não preste serviços para a grande mídia.

Unidade – O sr. sentiu alguma diferença na categoria e nos seus pesquisados depois da queda do diploma em Jornalismo?

JRH – Houve uma mudança. Porque o que se acaba realçando é que tem duas categorias: os diplomados e os não diplomados.E tem o jovem diplomado, o jovem não diplomado, o antigo de casa que é diplomado e o que não é. Na questão salarial, não houve grandes diferenças. Do ponto de vista da corporação, parece que há um desconforto de quem não tem diploma, de que ele seja exigido.Como trabalhadores da área da comunicação, o fim do diploma foi benéfico? Uniu a categoria? Não. Eu não digo que tenha desunido, mas deixou de dar identidade para o grupo, o que considero o calcanhar de Aquiles dos jornalistas. Já o Sindicato, ele também fica enfraquecido. Embora representem pessoas cultas, com bagagem de educação e cultura muito boa, é um sindicato mais fraco do que muito sindicato rural. Mas, certos mitos que se criaram em torno da figura do jornalista fez com que isso acontecesse. Primeiro, a crença de que você, sozinho se faz. Então, se eu me faço, eu não preciso do outro, muito menos do Sindicato. E há o medo de quem se sindicalizar ser preterido em uma escolha de um grande veículo da mídia, o que não é só mito. Tem jornal que simplesmente não aceitava jornalista sindicalizado. Então, o baixo grau de sindicalização enfraquece o Sindicato.No entanto, na última pesquisa, em 2012, as reclamações dos jornalistas com relação ao Sindicato foram menores. 

Unidade – Sua pesquisa apurou mudanças no fato de haver jornalistas com carteira assinada ou PJs?

JRH – Na última pesquisa aumentou proporcionalmente o número de pessoas com carteira assinada. Mesmo assim, o registro continua sendo uma mosca branca. As corporações ganharam, principalmente, com a desregulamentação e com a não exigência do diploma.Não estou falando a favor nem contra o diploma. Acho que tem vantagens e desvantagens. Mas as corporações ganharam porque se flexibilizou ainda mais a possibilidade de você escolher por competência, por viés ideológico e o profissional se torna mais dispensável. Do ponto de vista da lógica administrativa, é óbvio que essa medida foi bem vista. Mas, para o jornalista, eu tenho minhas dúvidas.

Unidade – Sua pesquisa apurou vários casos de uso de drogas pelos jornalistas?

JRH – O álcool é uma droga lícita e  sempre foi utilizado no meio, até porque o álcool tem duas funções. O pessoal diz que ele é depressor, mas ele é, ao mesmo tempo, um excitante e um ansiolítico porque baixa a ansiedade e também é um desinibidor. Então, o álcool é uma droga que começa ser utilizada muito cedo.Então, você começa a beber quando é estagiário, em pequenas doses. O problema é que primeiro você começa a beber para se desinibir, depois um uísque para dormir e assim vai. É sabido que existe o efeito tolerância. Isso é um mecanismo do nosso organismo que faz com que a atuação da droga diminua. Então, você passa a precisar cada vez de doses mais elevadas para sentir o mesmo efeito. Ele começa a recorrer, até para não ficar bêbado, a outras drogas e a tomar anfetaminas. Toma medicação lícita, mas geralmente sem acompanhamento médico e psicológico. Toma para dormir e depois entram os antidepressivos para ficar acordado. Se você conversar com qualquer executivo da área farmacêutica, ele fala que, se tem dinheiro bem empregado, em termos de pesquisas, são as chamadas drogas de conforto. Os ansiolíticos, os antidepressivos. E por quê? Porque tem saída direta, legal e ilegal. E os jornalistas têm acesso fácil, mesmo ilegalmente. Para eles, não é difícil de conseguir. E começam a usar de forma mais ou menos camuflada e, aos poucos, vão ficando dependentes também. Chega uma hora em que ele não vai mais conseguir baixar a ansiedade. Aí ele volta para o álcool e vai chegar a um ponto em que vai ficar tão mal no dia seguinte, que não consegue ter o mesmo desempenho, porque a cobrança é louca. Aí, ele parte para as drogas ilícitas e uma das preferidas é a cocaína.O problema é que eles não percebem que assim ficam na mão da organização. Porque as pessoas acabam percebendo que a droga melhora tudo em curto prazo. Depois, o efeito tolerância começa e cada vez doses maiores. O resultado é que chega um ponto em que ele sem aquela droga não consegue trabalhar. Então, estamos vivendo uma situação muito grave.

Unidade – A saúde dos jornalistas está em risco?

JRH – Hoje os jornalistas enfrentam um grau de estresse que beira a exaustão, bem diferente do apurado na primeira pesquisa que já existia, mas não no grau de hoje. E a quase exaustão propicia, se não cuidada, os AVCs. É um estresse que fugiu do controle, está cronificado. Ele dá indícios que pode te levar ao hospital. Então, você já vê pessoas usando de tal maneira o seu organismo para mostrar que ainda é produtivo, que é melhor do que o outro, que vão ter consequências físicas e psíquicas, em curto, médio e longo prazo. Por isso, que o discurso que já existia, mas bem menor na primeira fase, nessa terceira é recorrente. Alguns já falam que pensaram em fazer outra faculdade, falam que o tempo de jornalista é curto. Mas isso aos 40 anos. Porque ele já começa a ter consciência de que só aguenta esse ritmo até certo ponto e não é brincadeira. Você vê uma categoria cada vez mais jovem e é óbvio que, para trabalhar nesse ritmo, só sendo jovem mesmo. 

Unidade – Quais os efeitos das mudanças tecnológicas no jornalismo sobre o trabalhador?

JRH – As mudanças estão acontecendo desde a informatização na década de 70. A Folha e o Estado foram os primeiros a fazer. O que se dizia na década de 70? A informática e a automação irão libertar o homem para o lazer, para a família. E não foi isso que aconteceu, em nenhuma esfera, em nenhuma área da produção dos serviços aconteceu. A informatização e a automação ou mantiveram o mesmo ritmo e as mesmas condições ou pioraram. No caso dos jornalistas piorou. Temos o home office também, que é a maior roubada e porque no trabalho em casa você não tem limite. Quando você vai para sua casa, você vai para dormir, para descansar, para namorar. Antes, você ia para casa e esquecia tudo, mas hoje não. Você chega em casa, liga o computador e o trabalho está lá. E com essas tecnologias, com esses celulares, em qualquer lugar em que você esteja, você pode ser solicitado.  

Unidade – O jornalista perdeu o prazer da profissão?

JRH – A questão é de  identidade. Continua sendo uma profissão glamourizada. E isso cria uma relação ambígua de amor e ódio. Ao mesmo tempo em que se vêem como Dom Quixotes, se vêem lá embaixo. Isso é muito esquizofrênico e produz um sofrimento muito grande. Jornalistas postergam a felicidade. “Ah, tudo bem, eu vou dar um duro nadado aqui, mas daqui  a cinco ou seis anos eu vou melhorar. Então, mudam muito de emprego, mudam, mudam, mudam, pensando que no próximo vai ser melhor, vai dar certo. Mas o que acontece? Você tem uma cobrança social, uma cobrança da família que você não cumpre. Esse é o mecanismo que enlouquece. Como ele investiu muito, não pode desistir. Já investiu muito, já sofreu muito, a dívida com ele mesmo é muito grande. É como uma dívida de jogo. Ele vai e joga alto e muitas vezes, cai. Arrisca-se demais. Vira freela, trabalha demais e, quando tem uma situação razoável, volta para uma posição menos favorecida e começa a entrar em processo depressivo e até  suicida. 

Unidade – Como você explica uma categoria fragilizada prescindir do Sindicato?

JRH – O problema está na própria formação. Hoje em dia quase todas as universidades têm por trás um projeto neoliberal, de resolução é individual. Nas faculdades de jornalismo, quase tudo é privatizado. Tem alguns professores que já vão para essas faculdades e a visão que eles passam para aquela meninada é a pior possível.

Unidade – É o tal do jornalismo empresarial? 

JRH – Eu tenho alunos que estão formados, já inseridos no mercado de trabalho e vejo que eles não se enxergam como um coletivo que precisa reivindicar direitos. Alguns continuam achando que Sindicato atrapalha. As pessoas continuam com aquela visão, tais como o médico tinha antigamente. Porque hoje em dia tem médico tentando se matar? Porque ele tinha uma visão de que eles iam andar de branco bonitinhos, com a secretária atrás, iam ganhar muito e tudo bem.Mas hoje em dia isso mudou. Hoje você tem médico que depende de todas essas operadoras de saúde, ganham uma miséria e têm que se dar por felizes de não serem descredenciados. Se passar muito exame vai ser descredenciado e não tem condições nenhuma de bancar sozinho um consultório. Então, eles caem na real. Também é outra categoria muito reacionária. E no jornalismo também. Então, existe uma discrepância entre uma identidade que é idealizada e uma real e isso produz um nível de estresse extremamente forte, para não dizer transtorno mental, porque você já percebe que algumas pessoas estão descompensadas e qualquer um estaria na situação delas. Por isso, você vai ver um jornalista que virou mendigo, outro que tentou o suicídio. Isso porque ele não aguenta mais ter que pagar aquela dívida psíquica consigo mesmo. Então, o jornalista acaba sendo o pior inimigo de si mesmo. Ou a gente muda essa formação, volta a ter uma formação mais humanista – isso não vai ser fácil no momento atual, acho que hoje o Sindicato tem uma função muito importante nisso – ou nós vamos ter pessoas com projetos cada vez mais individualistas e mais adoecidas. Não tem saída. Eu não vejo outra saída, não.

Foto: André Freire

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