Uma imagem captada por um fotógrafo do Jornal do Brasil em 1969 é o ponto de partida do documentário Confinado. Ela registra o momento em que Helio Fernandes é abraçado por quatro de seus cinco filhos, ainda crianças, no aeroporto Santos Dumont, Rio de Janeiro, ao retornar de seu segundo período de confinamento ordenado pelo governo militar.
A foto simboliza algo que virou rotina na vida da família por vários anos: Helio voltando para casa depois de passar dias afastado dos parentes e da redação da Tribuna da Imprensa, da qual era proprietário.
Essa rotina de isolamento compõe o pano de fundo para a reconstituição da longa trajetória de um dos jornalistas mais influentes e combativos do país. Não por acaso, o fio condutor da narrativa é o primeiro confinamento, ocorrido em 1967, episódio marcado por muita polêmica e reviravoltas.
Por meio dos depoimentos de Hélio, familiares e pessoas que conviveram com ele no período, o documentário refaz a jornada que começou em Fernando de Noronha, na época uma ilha praticamente deserta, e terminou dois meses depois em Pirassununga, pequena cidade do interior de São Paulo.
O ponto de vista é do próprio diretor do documentário, que nasceu em Pirassununga e relata em primeira pessoa suas impressões sobre os acontecimentos e também sobre sua interação com o biografado.
Ao longo do filme, os detalhes do confinamento se intercalam com o resgate de outros episódios marcantes vividos pelo jornalista, que segundo registros da época foi preso ou detido para interrogatório 37 vezes, quase todas durante o regime militar.
Irmão do escritor e cartunista Millôr Fernandes, amigo de personalidades como Carlos Lacerda e Sobral Pinto, Helio tinha acesso aos bastidores do poder em todas as esferas. Como dono de jornal e árduo defensor da democracia e do respeito à Constituição, tornou-se um incômodo permanente para os generais.
Por meio do arquivo da Tribuna, Confinado mostra a campanha diária do jornal pela libertação de seu proprietário. Políticos de oposição, advogados e entidades civis também pressionavam o governo, que decidiu suavizar a punição: manteve o confinamento, mas em outro local.
Terminado o confinamento, Helio voltou ao trabalho e jamais baixou a guarda, mesmo com o endurecimento do regime. Como ele mesmo diz em seu depoimento, “você resolve combater, então tem que combater o tempo todo.” Foi com essa postura que ele enfrentou a censura ao jornal, as frequentes prisões e um novo confinamento, desta vez em Mato Grosso, em 1969, cujo desfecho foi registrado na foto do Jornal do Brasil que abre o documentário.
Em suma, Confinado apresenta a trajetória de um jornalista que dedicou a vida ao seu ofício e que lutou até o fim por suas crenças. O depoimento de Helio, aos 98 anos, surpreende pela memória extraordinária e pela energia de alguém que não se abateu com as perdas que sofreu, como a morte da mulher e de dois filhos e o fechamento do jornal, em 2008, após uma série de processos judiciais.
Por fim, o documentário mostra que Helio segue ativo, embora preso a uma cadeira de rodas, lúcido e com a mesma verve crítica, produzindo textos diários sobre a conjuntura brasileira e internacional em sua página no Facebook, onde tem milhares de seguidores. Uma longa e exemplar jornada de resistência que prossegue agora no mundo digital.