Em 2019, dois integrantes da Rede LEQT – Leitura e Escrita de Qualidade para Todos foram eleitos para uma das oito cadeiras destinadas à representação da sociedade civil no Conselho Municipal do PMLLLB (Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca) de São Paulo. Uma delas foi ocupada por Julia Santos, bibliotecária, gestora cultural e mediadora de leitura na Biblioteca Comunitária EJAAC (Espaço Jovem Alexandre Araújo Chaves), que integra a RNBC (Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias) e a Rede LiteraSampa.
Em entrevista exclusiva à Rede LEQT, a conselheira fez um balanço dos avanços produzidos pela política ao longo de seu primeiro ano no cargo e dos desafios que deverão ser enfrentados pela próxima gestão municipal.
A importância da participação social para a implementação da política nos diversos territórios da cidade, o papel das bibliotecas comunitárias para a democratização da leitura e do livro e o lugar da mediação na formação de leitores foram outros pontos destacados por Julia.
O PMLLB da cidade de São Paulo foi instituído em 2015 com o fim de assegurar a todos o acesso ao livro, à leitura e à literatura. Regulamentado inicialmente pelo Decreto 57.233/2016, que foi revogado no ano seguinte e substituído pelo Decreto 57.792/17, o Conselho Municipal do Plano – composto por membros da sociedade civil e por representantes das secretarias municipais de Educação e de Cultura e da Câmara dos Vereadores de São Paulo – tem entre suas atribuições acompanhar a execução do PMLLLB, opinar sobre a formulação do orçamento necessário à sua implementação, fiscalizar a utilização dos respectivos recursos, promover discussões e articular demandas regionais e setoriais.
Confira a entrevista a seguir.
LEQT: Como o Plano Nacional de Leitura e Escrita tem se materializado em políticas, planos e ações no território de São Paulo?
Julia: O PMLLLB é um marco para a cidade de São Paulo e para todos os que lutam por políticas públicas. A construção do Plano teve como base estratégica o PNLL (Plano Nacional do Livro e Leitura) e a PNLE (Política Nacional de Leitura e Escrita). Além disso, consta dos princípios da Lei N.º 16.333/2015 que instituiu o PMLLLB em São Paulo a interação com as políticas nacional, estadual e municipal voltadas ao livro e à leitura. A eleição do segundo Conselho Municipal do PMLLLB foi um enorme avanço, já que o primeiro foi destituído, impossibilitando a atuação da sociedade civil, ou seja, a participação social, popular e democrática. Outro avanço importante foi o processo de construção do Regimento Interno que norteará a atuação do Conselho, iniciado este ano.
LEQT: Que desafios o PMLLLB de São Paulo enfrenta no cenário atual e que prioridades precisarão pautar a próxima gestão nesse campo?
Julia: O maior desafio e também a maior prioridade é a implementação concreta dessa política na cidade, já que o PMLLLB contempla várias demandas e necessidades dos territórios, sobretudo das periferias. Outras prioridades são a disponibilização de recursos orçamentários, a continuidade do processo participativo e democrático e o diálogo com a sociedade civil.
LEQT: Como se deu a participação da sociedade civil na construção do PMLLLB de São Paulo? E como esse engajamento se reflete na implementação do plano atualmente?
Julia: Todo o processo de elaboração do Plano, incluindo a sistematização de suas metas, objetivos e princípios, foi construído coletivamente com uma ampla e plural participação da sociedade civil em diálogo com o poder público nas seis regiões da cidade. Contribuíram com esse processo diversos atores, profissionais e representantes que atuam diretamente ou indiretamente com o livro, a leitura, a literatura, a escrita e as bibliotecas. E essa participação e atuação coletiva é fundamental para a implementação do plano nos diversos territórios da cidade e também para a fiscalização e acompanhamento da política.
LEQT: Qual é a relevância do Conselho Municipal do PMLLLB para garantir a efetivação da política e quais foram os desafios e agendas do Conselho ao longo de 2020?
Julia: Ter o Conselho Municipal do PMLLLB com integrantes da sociedade civil é fundamental para garantir a participação social e democrática com permanente diálogo entre a sociedade e o poder público e, assim, o acompanhar a efetivação do Plano. Por isso, ao longo de 2020, o Conselho tem se reunido mensalmente – de forma remota após a chegada à pandemia – para propor reflexões e interferências em vários aspectos que envolvem o Plano.
Alguns dos resultados produzidos pela atuação do Conselho este ano são:
• produção da carta Propostas do Conselho do PMLLLB para Preservação do Ecossistema do Livro no Município de São Paulo, encaminhada ao secretário de Cultura e à imprensa;
• participação em ações, debates, conversas e diálogos sobre temáticas que envolvem o Plano;
• participação do Grupo de Trabalho Intersecretarial (GTI) para candidatura ao título de Capital Mundial do Livro 2022;
• acompanhamento da Lei Aldir Blanc (Lei Nº 14.017/2020);
• colaboração para realização do primeiro edital da Biblioteca Mário de Andrade para aquisição de livros e formulação de avaliação para os próximos editais, pautando, principalmente, o critério da bibliodiversidade;
• posicionamento público contra a taxação de livros constante da proposta de reforma tributária do governo federal com apoio integral ao manifesto em defesa do livro, publicado por oito entidades do campo;
• construção, ainda em curso, de Regimento Interno para nortear o funcionamento do Conselho;
• posicionamento sobre o edital para compra de livros da Secretaria Municipal de Educação (SME);
• criação de grupos de trabalho com temáticas e eixos que envolvem o Plano.
LEQT: Na sua avaliação, qual é a importância da mobilização das bibliotecas, em especial das comunitárias, no movimento pela democratização da leitura e do livro? E qual é o papel desses equipamentos para assegurar o cumprimento das metas do PMLLLB, como estímulo à formação de mediadores e à bibliodiversidade, defesa e promoção da diversidade cultural, de gênero, étnico-racial, política e de pensamento?
Julia: Essa mobilização é de suma importância para o desenvolvimento de uma sociedade leitora, pois são as bibliotecas comunitárias que possibilitam a democratização do acesso à leitura e ao livro nos diversos territórios e comunidades periféricas da cidade, onde os equipamentos públicos não atuam efetivamente ou não chegam, contribuindo imensamente para a implementação de muitas metas do Plano nesses territórios.
Em razão disso, é justamente dentro das bibliotecas comunitárias que são desenvolvidas diversas ações, movimentos culturais e de resistência, articulações de incidência pelas políticas públicas e também atividades nos eixos humano, social, informacional, cultural, educacional, entre outros, além de uma forte atuação por meio da mediação de leitura, formação de mediadores, construção de acervos e coleções respeitando a bibliodiversidade e promovendo o respeito à diversidade cultural, de gênero, étnico-racial, política e de pensamento.
LEQT: Qual é o papel e a importância da mediação de leitura no contexto da educação básica?
Julia: A mediação de leitura é essencial, principalmente na primeira infância, para a formação e o desenvolvimento dos leitores e de novos leitores. Por isso, a prática da mediação de leitura e a formação do leitor está no cerne de cada biblioteca, especialmente das bibliotecas comunitárias, nos diversos territórios, pois buscam não só proporcionar a leitura literária, mas também a leitura e o conhecimento da existência e dos direitos. Como diz Antonio Candido em seus escritos sobre o direito à literatura, “uma sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito alienável”.
LEQT: Quais são os próximos passos previstos para efetivar o direito ao livro, leitura e literatura em São Paulo?
Julia: Ter recursos orçamentários fixos anualmente para implementação das metas que constam do Plano, priorizando as metas de curto e médio prazo; realizar uma avaliação com dados qualitativos e quantitativos sobre a implementação desde a criação do Plano; e garantir a participação da sociedade civil no acompanhamento do Plano.
LEQT: Como você, conselheira, bibliotecária e atuante em bibliotecas comunitárias, compreende o papel da Rede LEQT no campo? Que diálogos e ações em parceria podem ser vislumbrados pela Rede, especialmente considerando que em breve se iniciarão novas gestões nos municípios?
Julia: O papel da Rede LEQT nesse processo é muito importante para o apoio à luta pela implementação do Plano na cidade, auxiliando na divulgação da política e do Conselho, com debates, diálogos e formações, entre outras ações.
LEQT: Na sua avaliação, quais foram as implicações da pandemia em 2020 para o campo do livro e da leitura? E o que se projeta para 2021, considerando tanto os recuos e suspensões, quanto o que se aprendeu ao longo deste ano?
Julia: A pandemia evidenciou ainda mais as enormes desigualdades de nossa sociedade, não somente no acesso ao livro e à leitura, mas também à saúde, à alimentação, à moradia e a tantos outros direitos, principalmente nos territórios e nas comunidades periféricas. Por isso, houve um grande movimento de solidariedade das bibliotecas comunitárias para com as comunidades para levar não somente alimentos e itens de higiene, mas também livros e poesia para as famílias neste momento tão difícil.
Para 2021, projeta-se a continuidade e ampliação desse apoio aos territórios, principalmente para a implementação de políticas públicas que atuem em resposta a essas demandas e necessidades. Pensando na implementação do PMLLLB em São Paulo, está prevista uma avaliação já no início do ano das metas em cada um dos eixos. Por exemplo: no eixo de democratização do acesso, temos a meta de curto prazo de divulgar as bibliotecas de acesso público e os espaços de leitura nos mais variados meios de comunicação, incluindo as redes sociais. Essa meta se tornou ainda mais relevante neste momento de distanciamento social. A realização de atividades virtuais foi muito utilizada, principalmente nas redes sociais. Certamente, em 2021, o uso desses recursos precisará continuar e se relacionar com a volta das ações presenciais.
Outro exemplo: no eixo de valorização institucional da leitura e incremento de seu valor simbólico, temos a meta de curto prazo de criar ações e campanhas para introduzir o livro no cotidiano das pessoas, como incluir esse item na cesta básica, sacolas de leitura, mediação de leitura em feiras, etc. Essa meta ficou evidente também neste momento de pandemia e precisa ser ainda mais reforçada em 2021.
LEQT: Como tem sido a experiência de atuar como conselheira do PMLLLB?
Julia: Tem sido uma experiência com muitos desafios e aprendizados. Participar dessa construção coletiva, estar na luta pela implementação dessa política pública na cidade representando a sociedade civil no segmento de bibliotecas comunitárias – antes, no segmento de universidades e instituições de ensino – conforma minha militância como jovem da periferia, bibliotecária, gestora cultural e mediadora de leitura pela democratização do acesso ao livro, à leitura, à literatura e às bibliotecas.