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“Democratizar a comunicação é consolidar a democracia”, diz Rosane Bertotti

“Democratizar a comunicação é consolidar a democracia”, diz Rosane Bertotti


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Em sua edição 361, o jornal Unidade traz entrevista com Rosane Bertotti, secretária de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Ela está envolvida com a luta para fazer o movimento social e sindical ter vez e voz nos meios de comunicação, hoje manipulados pelos empresários da mídia. Juntamente com outras entidades, a CUT e o FNDC pretendem fazer chegar ao Congresso Nacional um Projeto de Iniciativa Popular para democratizar a Comunicação, através da coleta de 1 milhão e 300 mil assinaturas.

Unidade – A CUT e o FNDC desenvolvem juntamente com outras entidades uma campanha pela democratização da comunicação. Em que pé ela está?
Rosane Bertotti – Trata-se de um projeto de iniciativa popular, que precisa ter 1% do eleitorado brasileiro, ou um milhão e trezentas mil assinaturas, para ser votado no Congresso Nacional.
Unidade – Em 2014, a CUT/SP pretende realizar um 1° de Maio com o tema Comunicação. Este tema se tornou pauta das CUTs Estadual e Nacional?
RB – Eu acho que ele passou a ocupar a pauta dos movimentos sociais e também passou a ocupar precisamente a pauta da CUT e tomou muita força a partir da primeira Conferência de Comunicação, onde o FNDC teve um papel preponderante. A CUT foi também um dos atores importantes neste processo e a gente ficou esperando que as propostas apontadas se transformassem em políticas públicas. E como a Comunicação é um direito e a democracia brasileira precisa ser consolidada, então você precisa consolidar esse direito. É preciso consolidar a democratização da comunicação para consolidar a democracia.
A questão é que o movimento social e o sindical sempre foi preterido dos grandes meios de comunicação. Ele é criminalizado de duas formas. E a forma de criminalizar o movimento é fazer de conta que ele não existe.
Unidade – De que forma se manifesta esta criminalização?
RB – Você tem uma marcha das Centrais, que defende uma política estruturante, como é a do salário mínimo e a maioria dos brasileiros não sabe que essa proposta foi construída a partir de quatro, cinco marchas anuais realizadas pela CUT e outras centrais. Ou seja, os grandes meios de comunicação criminalizam o movimento sem mostrar para a sociedade qual é a luta principal do movimento.
Unidade – Em que temas o movimento sindical foi excluído da grande mídia?
RB – Recentemente, o Congresso Brasileiro derrubou a multa dos 10% do FGTS, que era 40% e passou a 50%. Isso já era praxe no Brasil e o Congresso brasileiro derrubou. Por uma ação da CUT, teve toda uma discussão via governo e uma mesa de negociação, na qual a Dilma vetou, mantendo este direito aos trabalhadores e trabalhadoras.
Primeiro,  a maioria dos trabalhadores não sabia nem que esse direito estava sendo negado no Congresso, porque não interessava mostrar e, mais ainda, porque não interessava mostrar que foi a CUT que fez um processo de negociação e garantiu o veto presidencial para garantir esse direito dos trabalhadores e trabalhadores que, quando são demitidos, necessitam de um amparo maior que é a garantia de pagar os 10% do fundo de garantia. Da mesma forma, como foi luta de aumentar o número de dias no processo de demissão, também que foi uma luta. Mas é um direito importante. Dois direitos ligados ao fundo de garantia, direitos recentes e que os grandes meios de comunicação ignoraram como uma conquista.
Unidade – Por que entrou na pauta da CUT a luta pela democratização da Comunicação?
RB – Para a CUT, para o movimento pela luta da democratização da comunicação, é importante colocarmos isso na pauta. Tanto pelo avanço da democracia, tanto pela pauta específica do mundo do trabalho e também pela questão do desenvolvimento e economia do país. Então, para nós da CUT, o tema da democratização da comunicação é um tema central. E achamos que o governo brasileiro tem uma dívida com a sociedade brasileira. O governo Lula fez a primeira Conferência de Comunicação, mudou alguns critérios, fortaleceu a comunicação pública. Porém, no último período, infelizmente, as pautas da Conferência de Comunicação se tornaram letra morta. A pauta da Comunicação está trancada no Congresso brasileiro.
Unidade – Como é a campanha “Para expressar a liberdade. Uma nova lei para um novo tempo”, que a CUT, FNDC, Instituto Barão de Itararé, entre outros, desenvolve?
RB – Nós avançamos muito no processo de democracia brasileira. Porém, o código brasileiro de comunicação é ainda da década de 60. E nós vivemos no mundo da convergência tecnológica. É preciso pensar uma comunicação para esse novo Brasil. Por isso, o lema da nossa campanha é “Para expressar a liberdade. Uma nova lei para um novo tempo”. Nós estamos falando de um novo tempo onde não podemos ter um sistema de mídia brasileiro onde você analisa o índice de violência contra mulher e vê que, ainda, a cada 10 mulheres, 4 são violentadas. E você tem programas de grande mídia que ensinam e incitam a violência contra as mulheres.
Um novo tempo onde nós não podemos tratar de forma discriminatória as minorias, não podemos incitar a homofobia, abordar a questão de raça e ainda temos um programa de televisão desrespeitando todo esse processo. Você vai, por exemplo, assistir televisão num estado onde a população é predominantemente negra, como é o caso da Bahia e você liga a TV e não vê quase nenhum negro e negra em programas de destaque. Você vai para o Nordeste, liga a televisão onde se tem uma cultura típica, um sotaque típico, uma realidade típica. É como se no Brasil só houvesse São Paulo e o Rio de Janeiro.
Unidade – O que a campanha tem a dizer sobre as concessões públicas de TV?
RB – Nós temos a forma de concessão de rádio e televisão arraigada ainda a uma lei que não tem transparência, que não respeita o processo da Constituição Brasileira e nós nos deparamos agora, por exemplo, com uma concessão pública, que é o caso da Rede Globo, desrespeitando muito mais do que a própria concessão pública, desrespeitando a legislação brasileira, a Receita Federal. Ou seja, continua com a concessão, sem problema nenhum, desrespeitando todos os processos e princípios da democracia e da Constituição brasileira.
Você tem uma concessão que é pública que desrespeita um direito que ela mesma alega que é um direito fundamental, que é o direito à liberdade de expressão, mas é apenas o direito de liberdade de expressão dela. Não dá o direito aos brasileiros e as brasileiras. Mantém uma concessão que é pública, não presta contas à ninguém, não tem transparência e que recebe a maior quantidade de recursos públicos e privados. Há dados que mostram que a cada real investido em propaganda no Brasil R$ 0,45 fica para a Rede Globo. O resto é que vai para jornais, revistas e outras emissoras. Isso significa que tem um monopólio da concessão pública, um monopólio da sustentação financeira e não tem transparência e nem compromisso com a democracia brasileira. Essa foi uma demonstração também vista durante as mobilizações de junho, que foram importantes, será um marco histórico da democracia brasileira, mas, por exemplo, eu participei de várias caminhadas e em vários momentos o grito principal era: “Fora Rede Globo”. Eu não vi nenhuma reportagem a respeito disso. Eu vi sim reportagens que falavam da saúde, educação, transporte, mobilidade. Isso estava na rua, é verdade, mas é verdade também que estava a questão da Comunicação e eu não vi uma linha sequer sobre isso.
Unidade – Na sua opinião, a Comunicação no Brasil não atende aos interesses dos trabalhadores?
RB – Agora está em votação no Congresso brasileiro o PL 4330 da Terceirização. Se passar da forma que está, o processo vai alijar o direito de muitos trabalhadores e trabalhadoras sem mesmo ter o direito de negociação. Qual meio de comunicação, senão no meio alternativo, mostrou o que é o PL 4330? No mínimo, os meios de comunicação têm que contar para a sociedade o que é isso. Mas não tem uma linha e por quê? Porque não interessa fazer com que os trabalhadores tenham compreensão do que está acontecendo, do que está sendo negociado, porque aí, com certeza, terá um grande movimento contra o capital, contra o empresariado, que automaticamente é o que sustenta esse sistema.
Unidade – Existe uma crítica ao atual Ministro da Comunicação, Paulo Bernardo. Dizem que ele está comprometido com as teles?
RB – Na opinião da CUT, o Ministério da Comunicação, que hoje tem a frente o ministro Paulo Bernardo, não tem cumprido o papel que o Brasil precisa. Engavetou o processo da Conferência de Comunicação, disse que estava disposto a fazer uma consulta pública através do projeto. Nós entendíamos que a consulta pública havia sido feita na Conferência. Mesmo assim nós concordávamos, porque a gente achava que se era uma estratégia possível de avançar nós faríamos o processo de consulta pública. Essa consulta pública foi novamente engavetada. É um Ministério que não negocia com o movimento social. Precisou uma intervenção da Secretaria Geral da República para poder abrir um canal de negociação, enquanto ao mesmo tempo, é um Ministério que dialoga a par e passo com empresários, principalmente com o setor de Telecomunicações. Haja visto a posição do Ministério com o que diz respeito ao Programa Nacional de Banda Larga e agora a votação do Código Civil.
Não é por acaso que as Teles fizeram uma assembleia, fizeram um grande encontro e nessa plenária indicaram Paulo Bernardo como o Homem do Ano e que também foi entrevistado nas páginas amarelas da Veja. Governo é para governar para todos. Para empresários e trabalhadores. Agora, infelizmente, no caso do Ministério da Comunicação é um governo que está sujeito a influências das Teles. Este Ministério foi historicamente ligado ao sistema Rede Globo, em governos anteriores. Pela primeira vez temos um ministro que não é ligado ao setor mas, infelizmente, faz uma parceria estratégica com o sistema de teles, deixando aquém a estrutura política brasileira.
Unidade – Por este motivo se  decidiu pela realização da Campanha “Para expressar a liberdade. Uma nova lei para um novo tempo”?
RB – Nós, o movimento social, traçamos como  estratégia de via à Campanha Nacional, construir um Projeto de Emenda Popular. Este projeto baseado na Constituição, que dá direito aos brasileiros e brasileiras apresentarem um projeto de emenda popular que pudesse ser votado no Congresso e virar lei. Então nós lançamos esse projeto, ele está disponível na página paraexpressaraliberdade.org.br e onde o projeto versa sobre essas questões principais. Primeiro: de qual comunicação estamos falando, que é a comunicação social, estamos falando aqui de rádio e televisão. Segundo que fala sobre um processo de fim do monopólio. A outra questão é a importância do respeito à diversidade, gênero, raça, religião etc.
Unidade – Os trabalhadores não sse sentem representados na mídia privada?
RB – Como é que nós podemos num estado laico, numa concessão pública, termos concessões a um único credo religioso e mais, que incita princípios e violência contra as pessoas, como é o caso da “Cura Gay”, como é o caso do projeto do nascituro? Nós não podemos concordar com isso. Outro debate importante para nós no projeto é a questão de você ter um espaço e um processo de gestão. E isso é preciso ter a participação social. Então, porque não pode ter um conselho de comunicação nacional que discuta a política de comunicação? Um conselho onde tenha empresários, sociedade civil, governo. Um Conselho de debate, de diálogo. Então porque não pode ter um debate, porque é proibido o debate da comunicação ser um debate público? Porque o debate é sempre feito pelos lobys no Congresso. E há muito medo de enfrentar o poderio da estrutura da comunicação. Porque essa estrutura de comunicação tem uma grande capacidade de eleger e “deseleger” deputados e senadores. Então, tem essa grande dificuldade de enfrentamento. É claro que nós somos a favor de um sistema de televisão investigativo que mostre para sociedade brasileira a realidade, que mostre o que está acontecendo. Mas nós não podemos ter um sistema de mídia brasileira que mostre apenas um lado, ou de um determinado partido, ou de um determinado governo. O sistema tem que ser transparente. Nós não queremos um sistema de comunicação brasileira chapa branca, como algumas pessoas dizem. Mas também não queremos um sistema de comunicação que seja um partido de oposição.
Unidade – O presidente da CUT, Vagner Freitas, se mostra muito entusiasmado em incentivar a comunicação da CUT, em fazer uma televisão e ampliar a comunicação com os trabalhadores. O que a CUT está construindo em termos de Comunicação?.
RB – Nós, da Secretaria da Comunicação, trabalhamos em dois eixos centrais. Um é a luta da democratização da comunicação e o outro é que nós precisamos investir. É preciso que a gente tenha os nossos canais. É preciso que os trabalhadores tenham seus canais de diálogo e tenha sua própria forma de comunicação.
No nosso caso, a principal estratégia é a construção de rede. Essa construção de rede que passa, tanto por uma produção nossa de comunicação. Por isso investimos muito no nosso portal do mundo do trabalho, temos programa de TV e rádio web e estamos trabalhando a construção de um programa nacional de televisão aberta. Estamos investindo numa estratégia que para nós é fundamental, que é a TVT.
É uma experiência que é recente, mas que precisa se transformar num canal nacional de televisão aberta. Então para nós ela é uma estratégia importante, mas também estamos investindo numa articulação de redes de internet, por isso, uma parceria estratégica, que nós chamamos de blogosfera. Ela é fundamental, porque nesse tempo de tecnologia e avanço de internet e avanços de redes sociais é fundamental a gente construir essa parceria, essa estratégia. Porque parafraseando uma frase do Eduardo Galeano, ele diz que se os leões não contarem a sua história, sempre as caçadas dos leões serão contadas pelos caçadores. Então, nós os trabalhadores, precisamos contar a nossa própria história. Nós não podemos deixar que apenas o sistema privado conte a nossa história.
Foto – André Freire

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