A disciplina sobre o Golpe de 2016, idealizada pelo professor Luís Felipe Miguel na Universidade de Brasília (UnB), com inscrições lotadas e fila de espera, está se espalhando por outras universidades do País, como a de Campinas (Unicamp); e as Universidades federais da Bahia (UFBA) e do Amazonas (UFAM), entre outras.
Intitulado “Tópicos essências em Ciência Política: O golpe de 2016 e o futuro da democracia brasileira”, o curso da UnB vai abordar a fragilidade do sistema político brasileiro que permitiu a ruptura democrática com a deposição da presidenta Dilma Rousseff; analisar o governo do golpista e ilegítimo Michel Temer (MDB-SP), que era vice-presidente, liderou o golpe e usurpou o cargo; os desdobramentos da crise em curso e as possibilidades de reforço da resistência popular e do restabelecimento do Estado de Direito e da democracia no Brasil.
Diante da polêmica sobre a realização do curso, inclusive com ameaças de censura por parte do ministro da Educação Mendonça Filho (DEM-PE), que já foi chamado a dar esclarecimentos à Comissão de Ética Pública da Presidência sobre essas ameaças, a Assessoria de Comunicação da UnB informou que o professor Luís Felipe Miguel não se manifestará em entrevista, mas mantém em sua rede social (Facebook), as atualizações sobre o tema.
Em uma de suas postagens, o professor explicou que devido à grande procura pelo curso “a entrada na sala será restrita a estudantes regularmente matriculados (as). Esta decisão foi tomada em conjunto com a reitoria e tem o objetivo de garantir a segurança da turma, dificultar a ação de provocadores e possibilitar o melhor andamento possível do curso. Também não haverá nenhum tipo de transmissão ou filmagem das aulas, tanto para evitar qualquer questionamento jurídico quanto para que nenhum estudante se sinta inibido para participar em sala de aula. Eventuais formas de publicização de conteúdos serão à parte da disciplina”.
A possibilidade de ação de provocadores já é uma realidade. Em outra mensagem na rede social, o professor disse que vem sendo atacado, embora a maioria das mensagens “expresse solidariedade”.
Diz o texto “uma pequena minoria – umas vinte ou trinta, talvez – pessoas que se deram ao trabalho de buscar meu perfil para me xingar ou me ameaçar. Fui de uma em uma para bloquear e notei uma regularidade. As ameaças de violência física partem de fakes. Já as ofensas mais grosseiras e vulgares partem de bons pais de família, que posam para as fotos ao lado de esposa, filhos e cachorro, ou de meigas avozinhas, que dividem sua linha do tempo entre imagens de santas e vídeos pregando o extermínio de comunistas, gays e “abortistas”.Confesso: a “gente de bem” me assusta”.
Já a UnB em nota, esclareceu o posicionamento da Universidade dizendo que as unidades acadêmicas têm autonomia para propor e aprovar conteúdos e que a referida disciplina é optativa e não obrigatória. A nota diz ainda que: “A UnB reitera seu compromisso com a liberdade de expressão e opinião – valores fundamentais para as universidades, que são espaços, por excelência, para o debate de ideias em um Estado democrático”.
O Instituto de Ciência Política (IPOL) da UnB também apoiou a iniciativa do professor Luís Felipe Miguel. “Somos uma comunidade acadêmica bastante produtiva e diversa, que trabalha com temas e perspectivas analíticas plurais e muitas vezes conflitantes entre si, como pensamos que deve ser a Ciência Política e a universidade. O IPOL, enquanto instituição de ensino e pesquisa preza a sua independência e não possui compromisso com nenhuma ideologia ou partido político”, diz a nota.
Unicamp ,UFBA e UFAM ,entre outras Universidades aderem à disciplina
O Departamento de Ciência Política da Universidade de Campinas (Unicamp) também aderiu à disciplina que vai “explicar” o golpe ao estado democrático no Brasil. A ideia é implantar, já neste primeiro semestre, uma disciplina no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) para discutir o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.
Segundo Wagner Romão, chefe do Departamento de Política da Unicamp, um dos organizadores do curso, o movimento dos professores em ministrar aulas sobre o Golpe de 2016 foi bastante espontâneo.
“Não houve contato com outras universidades da minha parte ou de outro professor. O que acredito que tenha acontecido foi o fato do ministro da Educação ter tocado na pedra angular da liberdade de pesquisa científica e de ensino. Isto que gerou a solidariedade e essa indignação se tornou uma prática de resistência. A fala do ministro é grave, não é corriqueira”, diz o professor Romão.
Ele lembra ainda que o fato não é isolado, já que tivemos processos sumários de invasão, de prisão de reitores, como em Santa Catarina que culminou no suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, e a condução coercitiva na Federal de Minas Gerais.
“É um vexame público aos professores. Isto tem sido uma característica das ações da justiça e da polícia neste momento autoritário que estamos vivendo. Nossas garantias estão sendo questionadas e colocando em risco nossas ações. Tudo isto toca fundo na Universidade pública, especialmente a diminuição nos orçamentos e nos investimentos para a Ciência e Tecnologia”, analisa Romão.
O chefe do Departamento de Política da Unicamp lembra ainda que ninguém impede outro professor de considerar que não houve golpe. “Não há impedimento para que essas pessoas se manifestem e realizem uma disciplina defendendo isso. A Universidade é um espaço de liberdade, de livre exercício da profissão. Esse aspecto é fundamental no movimento social”, diz.
Aulas na Unicamp começam dia 12 de março
As aulas não são uma disciplina oficial. O curso será livre, a partir do dia 12 de março, com duração de três meses. Serão cerca de 30 aulas ministradas por um ou dois professores cada uma, no Anfiteatro da Unicamp, com capacidade para 100 pessoas e deverão ter transmissão online (a ser divulgada).
“O horário será das 17 às 19h para não “atrapalhar” os demais alunos que estudam à noite e tampouco os professores que atuam no período noturno”, explica o professor Romão.
O curso terá três partes: a primeira caracteriza o que é golpe de estado na teoria política e na história recente da America Latina, como aconteceu em Honduras, Paraguai e quase no Peru. “É uma nova forma de golpe, que não se dá por tanques nas ruas, mas pelas próprias vias e utilização de novas maiorias e mecanismos institucionais bastante questionáveis”, explica Romão.
A segunda parte é o processo do golpe no campo histórico e político recente no Brasil. O contexto internacional, a nova direita, as manifestações, pelo impeachment e o sindicalismo diante do golpe.
A terceira parte irá se debruçar sobre as políticas do governo golpista e a resistência, com debates sobre a reforma trabalhista, a perda dos direitos das mulheres e dos indígenas; a destruição ambiental e a educação sitiada por esse governo golpista.
Segundo a Rede Brasil Atual (RBA), também demonstraram interesse em ministrar matéria similar, até o momento, a Universidade Federal de Sergipe (UFS), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).
A Faculdade de Educação da Unicamp também está preparando um curso com conteúdo semelhante, diz o professor Wagner Romão.