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Celso Schröder: “A maior parte dos crimes contra jornalistas tem causa política”

Celso Schröder: "A maior parte dos crimes contra jornalistas tem causa política"

 

congressofij1site

 

Na semana passada, o presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, esteve em Goiânia para participar da solenidade de posse da nova diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de Goiás, na quinta-feira, 5. Na ocasião, Schröder fez uma visita ao Jornal Opção e conversou com a equipe de reportagem sobre a atual situação do jornalismo do país.

Nesta primeira parte da entrevista, o presidente da Fenaj fala sobre a desregulamentação da profissão, a violência contra profissionais da comunicação, a qualidade dos cursos de Jornalismo no país e a crise dos veículos de imprensa. “Temos no Brasil uma história de um jornalismo muito capacho, muito serviente de dinheiro público”, declarou Schröder.

Em junho de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu desregulamentar a profissão de jornalista e retirar a obrigatoriedade do diploma para o exercício da atividade. Desde então, houve queda na qualidade do Jornalismo no país?
Eu acho que surgiu uma série de problemas com relação a isso. Em parte, a intencionalidade do Supremo se realiza, ou seja, ataca e desorganiza a profissão, permitindo que entrem nela pessoas sem nenhum vínculo ou com interesse escusos, que não são realizar Jornalismo. E obviamente isso aparece no produto. A reação que houve da sociedade contra essa decisão pressionou o Congresso Nacional para que fosse apresentada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para que o Senado, de maneira inédita, votasse em cinco meses. Ela estava lá pronta para ser votada. As PECs não duram menos de cinco anos para se regular. Tudo isso foi fruto de uma pressão de opinião pública que não compreendeu como uma profissão iria melhorar retirando um qualificador, como é o caso da obrigatoriedade do diploma de curso superior. Então eu acho que esta pressão que incidiu sobre o Congresso, oriundo da opinião pública brasileira, de alguma maneira também incidiu sobre os jornais. Os grandes jornais não chegaram a mudar suas estruturas porque eles sabem que os melhores jornalistas saem das universidades.

Obviamente, um profissional sem diploma tem uma pior remuneração, e foi por isso que muitas empresas apoiaram a medida do STF. No entanto, não houve o impacto na qualidade do Jornalismo que poderia ter tido se a opinião pública brasileira não tivesse bancado essa reação, que fez com que o Senado enfrentasse a decisão da Suprema Corte. Parece que isso freou um pouco a entrada de pessoas sem diploma nas redações, embora a decisão não tenha diminuído o número de jornalistas trabalhando.

Mas há outras questões envolvidas no que tange à qualidade do Jornalismo. Por exemplo, os próprios jornalistas que em um certo momento de crise – uma crise um pouco artificial – em relação às tecnologias ficam pautados na velocidade. A velocidade do online, que é impossível de ser alcançada. Quer dizer, o Jornalismo online não é blog, tem que continuar fazendo as mesmas investigações, apurar. E isto, de alguma maneira, não está sendo feito ainda. Mas acho que é uma lógica irrefutável, que a Fenaj toma como ponto de partida, a conclusão, a certeza de que a sociedade precisa do jornalista. Ou seja, o Jornalismo não se confunde com nenhuma outra manifestação de comunicação, com qualquer outra atividade, seja qual for a tecnologia. Então, no momento que eu preciso saber se o jogo foi 2 a 0, quem jogou – desde as informações mais triviais até as mais complexas – eu preciso de alguém que está comprometido profissionalmente, ou seja, eticamente. Um jornalista que mente uma vez perde o seu patrimônio pessoal. Então essa distinção vai se consolidar e a perda da qualidade do Jornalismo está nisso [na perda de credibilidade], me parece.

E houve redução na oferta e procura dos cursos de Jornalismo desde a decisão do STF?
Sim. Participamos ano passado de um fórum de professores e lá estava um representante de um instituto de pesquisa sobre ensino que trazia dados que me surpreenderam. Eu imaginava que não havia fechado cursos. Fecharam. Ano passado foram fechados 14 cursos. Eu não sei se é por causa disso [da decisão do STF]. Mas a verdade é que houve a proliferação de cursos [de Jornalismo] no Brasil, que surgiram de uma aposta em certo mercantilismo da educação. Então, não tenho certeza se esses cursos fecharam ou em função de diminuição de alunos ou de uma incapacidade do curso de existir. Eu sou professor da PUC do Rio Grande do Sul, e lá o número de alunos de Jornalismo não diminui. É claro que a PUC tem certa estrutura, e parece que diminuiu o número de alunos nos cursos ao redor. No Rio Grande do Sul nós temos cerca de 20 cursos. No Brasil são hoje 317. Na década de 80, eram 96.                           

Houve a proliferação e depois um acomodamento. Acho que mais em função da demanda de aluno. Mas é claro que isso incidiu. Influi também a ideia perversa, que alguns jornalista reproduzem, que essa atividade é mais fruto de seu talento do que do seu conhecimento. Essa é uma ideia muito própria da publicidade e de profissões mais pseudo-artísticas, e que entrou no Jornalismo alimentada por uma concepção externa a nós, de que essa profissão pode ser exercida por qualquer um, e que não exercer é censurar. Uma absoluta bobagem filosófica. A gente acha que liberdade de expressão seria garantir que todo cidadão brasileiro fosse jornalista é tanto impossível quanto indesejado. Afinal, nós precisamos de pedreiros, carpinteiros, motoristas, padeiros, etc. Algumas pessoas devem fazer isso. Então eu acho que os cursos acomodaram mais por isso do que pela qualidade.

O resultado da decisão do STF foi quase que bloqueado por uma série de atos da Fenaj, dos jornalistas, e da opinião pública, que brecaram muito, vamos dizer assim, os resultados negativos. É claro que houve tentativas. Na segunda semana depois da decisão do diploma já apareceram na Fenaj e em alguns sindicatos que estavam fazendo negociações salariais algumas propostas de diminuição do piso em relação aos diplomas. E já apresentavam a possibilidade de pagar a jornalistas sem diploma um piso menor. Ou seja, a ideia era que a médio e longo prazo só teria jornalista sem diploma trabalhando. Mas essas coisas não se concretizaram. Houve uma saudável compreensão da sociedade de que como qualquer profissão essa também perderia – e perdeu – se retirada a possibilidade de ser exercida em um patamar mínimo de conhecimento fornecido sistematicamente pelos locais mais capacitados que a humanidade conseguiu constituir até hoje, que são os centros universitários.

E como anda a qualidade dos cursos hoje em dia?
Está melhorando. A Fenaj, quando defende o diploma, por obrigação lógica inclusive, passa a defender cursos qualificados e produz uma ação política que tem uma importância que nem sempre a gente se dá conta, que foi produzir uma referência. Tem pesquisadores que identificam o Jornalismo como a única profissão que fez isso. Ou seja, nós construímos com um programa de qualidade de ensino da Fenaj um patamar, uma referência do que nós achamos que tem que ser os cursos. Inclusive, acenando de maneira um pouco mediúnica a ideia de rankings, que acabou sendo constituída. Então, embora os cursos tenham que melhorar, eles estão tendo sua qualidade elevada a partir de quê? Não só de um discurso isolado desta ou daquela universidade, mas por uma política oriunda inclusive da posição da Fenaj e outras organizações. Aí entram os fóruns dos professores, os pesquisadores em Jornalismo no Brasil. Várias organizações vêm exigindo uma qualificação. Não só doutorados, ou mestrados, mas uma graduação mais qualificada. Então, os mecanismos que o MEC está aplicando e a novas diretrizes que estão surgindo estão apontando melhora. A melhor referência é a atividade jornalística.

Eu estive em um Estado que havia um curso muito frágil e os alunos frequentaram um ambiente sindical. Nós participamos de um encontro estadual nesse local, e esses alunos perceberam que seu curso estava ruim. Então, precisa ou não precisa desse curso lá? No Rio Grande do Sul, até pouco tempo, tinha apenas uma faculdade de Veterinária, em um Estado que é predominantemente pecuário. Por quê? Porque as pessoas não precisavam. Quem quisesse ia até Uruguaiana para fazer o curso de Veterinária. Então, a ideia de que nós precisamos ter curso de Jornalismo em todas as cidades não se sustenta. Isso vai ser um pouco peneirado, e ficarão os cursos mais qualificados. Nós já temos os mecanismos públicos e de categoria para que possamos cobrar melhoras. Ou seja, temos referências teóricas, sindicais, a partir da Fenaj, e os cursos estão pautados por isso. Essas diretrizes que falei agora são basicamente fruto da posição da Fenaj, reproduzem o nosso material de programa de qualidade de ensino. Está bom, e vai melhor ainda mais, como tudo vai melhorar. E tem que melhorar sempre, não porque o Jornalismo tem que se reinventar a cada cinco, seis anos. Não. É porque é necessário reafirmar posições e conteúdos que eventualmente, de tempos em tempos, desaparecem. Cito um tipo de conteúdo, que tendia a desaparecer, e voltou agora para as diretrizes. Há certo deslumbre com uma hipertecnologia que se apresentava e que parecia que substituiria outros conteúdos, e que na verdade agora os cursos começam a sinalizar que não. Os jornalistas precisam de uma formação. Sim, precisamos da Filosofia, da História, da teoria do Jornalismo. Ao lado, obviamente, de aprender a fazer rádio, TV, jornal seja em qual plataforma for.

Temos visto nos últimos dias uma onda de demissões em alguns veículos. Recentemente, aconteceu na editora Abril. Por que isso vem acontecendo?
O Brasil tem uma síndrome de imitação. Houve uma crise econômica inédita nos EUA, estrutural, que todos nós conhecemos desde 2008. Essa crise modificou o cenário norte-americano, com fechamentos de jornais e etc. Esses fechamentos aconteceram junto com o surgimento de uma nova tecnologia. Então começou a se atribuir o fechamento dos jornais a uma substituição tecnológica. Diziam que os jornais impressos estavam desaparecendo, que o próprio Jornalismo estaria em cheque, que surgiria uma outra coisa baseada no entretenimento. Não há nada que aponte para isso. Por exemplo, a compra do “New York Times” (NYT) pela Amazon: ao contrário do que possam pensar alguns apressados, que significaria a sucumbência do impresso de Gutemberg a Bill Gates, não é isso. A Amazon precisa da credibilidade do NYT, por isso compra o NYT. Um fenômeno que tem aparecido, e eu estou falando em macro, são sites que deram certo, de jornalismo, principalmente, que transformam-se em revistas. Revistas eletrônicas se transformam em impressas. Jornais eletrônicos transformam-se em impressos. Então o fenômeno de transformação de uma tecnologia para outra não é de mão única. Ela vai acontecendo.

O que temos no Brasil é uma história de um Jornalismo muito capacho, muito serviente de dinheiro público. Quando muda esse cenário, e o dinheiro público não vem com tanta facilidade, os jornais entram em crise, mas eles estão em crise desde sempre. O “Jornal do Brasil”, por exemplo, está em crise nos últimos 20 anos, 30 anos. O “Estadão” está em crise desde que eu me entendo por gente. Ou seja, a crise financeira é na verdade uma tática de gestão. Uma técnica bastante discutível, mas era a forma com que esses gestores tratavam seus jornais. Está se aproveitando essa história para justificar o fechamento de jornais . Ou seja, a cada soluço econômico eu demito um trabalhador, ao invés de reorganizar minha cadeia produtiva. E me parece mais isso. O “Jornal do Brasil” é claramente isso. Ele não se transformou em um jornal eletrônico. Virou num arremedo eletrônico de alguma coisa. Não é mais Jornalismo, não faz mais nada. Não houve uma transposição para o mundo eletrônico. Por outro lado, tem espaços eletrônicos que estão se transformando em bom Jornalismo. Então, os fechamentos dessas revistas, dessas edições, são ajustes cíclicos que esses empresários fazem a partir de um modelo de gestão absolutamente discutível. Temos nos jornais sinais positivos sim. Os três irmãos Marinho voltam a figurar entre os maiores bilionários do mundo.

Então [o Jornalismo] está dando dinheiro. Continua dando dinheiro. Não há crise nenhuma neste setor. O que tem são gestores aqui e acolá, e esses fechamentos tem isso. Quem paga o preço, efetivamente mais uma vez, são os jornalistas, que são aqueles que produzem o Jornalismo. Eles acabam perdendo os seus postos de trabalho. E, aí sim, há perda na qualidade do trabalho, porque a renovação por jornalistas mais baratos significa jornalistas mais inexperientes, ou não jornalistas, ou a substituição de espaços ocupados por jornalistas por entretenimento. Então as misses, jogadores de futebol, os juízes de futebol e outros tantos advogados, arquitetos que adoram escrever acabam ocupando alguns espaços, e obviamente as informações não sairão boas. Assim como não sairia bem se eu começasse a sair por aí arrancando dentes ou fazendo prédios. Talvez não seriam prédios muito firmes.

Recentemente nas ondas de protestos vimos muitos jornalistas sendo agredidos tanto por policiais quanto por manifestantes. O que pode ser feito para assegurar a integridade do jornalista? Por que a polícia tem cometido essas agressões?
É um fenômeno muito complexo. Primeiro, há uma base muito autoritária em todos os casos de ataques a jornalistas, seja de onde venham. Seja da polícia de São Paulo, que atirou na jornalista e no olho do fotógrafo, seja dos meninos que bateram no fotógrafo, queimaram o carro na Record e impediram o Caco Barcelos de trabalhar. A causa é a mesma: é uma intolerância em relação a essa atividade profissional, que teima em tornar público interesses privados, seja qual for o interesse privado – porque o movimento social também tem interesse privado. Privado no sentido de particular, não público, não compartilhado por todo mundo. Esses interesses quando “publicizados” causam desconforto, seja ao prefeito autoritário, ao delegado que manda matar, ao menino que não quer que saia que ele quebrou uma vidraça, ou seja lá o que for. Aqueles que acham que o “Jornal da Globo” (por ser da [Rede] Globo, dos irmãos Marinho), que o Caco Barcelos, que é um assalariado como todos os outros, não pode cobrir aquele movimento ,reproduzem os piores momentos da ditadura brasileira, os piores momentos autoritários quando se decidia o que saia e o que não se sai na imprensa. É um momento muito delicado, e a nós da Fenaj e aos profissionais só cabe uma posição: defesa intransigente dos jornalistas. Não podemos titubear mesmo.

Quanto às agressões, as causas são múltiplas. Uma delas é um desconforto e descontentamento com a mídia geral. Mas eu não vou sair queimando coisas que me deixam descontentes. Não vou queimar a Claro quando me cobra a mais do que deveria, ou a Net quando não me dá o sinal que precisei. Mas há um descontentamento. Um descontentamento agora revelado pela Globo: ela aceita aquela acusação histórica que ela defendeu a ditadura. O problema não é que ela defendeu a ditadura, o problema é que ela defende interesses privados, particulares. Este é o problema. Ela não dá conta da representação pública do povo brasileiro, e de uma maneira geral, pauta o jornalismo como todo no Brasil. Então é óbvio que os movimentos sociais que não se veem retratados lá reagem, não gostam dela, etc. Bem, nós podemos reagir com a Fenaj reage. Nós fizemos um movimento pela democratização. Nós queremos que a Globo se submeta a controle público, como todos os organismos de comunicação no mundo. Tem que fazer isso, assim como se fosse uma empresa de ônibus pública, se submeteria às regras de transporte público. Ou se fosse um hospital, teria que se submeter às regras do SUS. Por que na comunicação, no Jornalismo, que é o mais público de todos os direitos, primordial direito, não se faz isso? O Jornalismo brasileiro, pelo fato de a democracia não ter conseguido entrar neste setor da comunicação e dos meios de comunicação, ficou uma lacuna democrática. Ficou um déficit democrático, e esse déficit ou resolvemos democraticamente ou vai ser resolvido da pior maneira possível.  Então eu acho que essas agressões têm essas características [antidemocráticas], que é possível detectarmos as razões, mas que são absolutamente injustificáveis. Ou seja, nós não podemos aceitar isso sob tese nenhuma.

Mesmo fora das manifestações, aqui em Goiás particularmente, temos noticiado episódios de violência contra jornalistas. Um caso emblemático é o do radialista e cronista esportivo Valério Luiz, que acabou assassinado. A principal linha de investigação diz que ele teria sido morto por fazer críticas e denúncias contra o então dirigente de um time de futebol. Essa tendência de violência contra profissionais da comunicação é nacional? É crescente?
Este é outro dado. A violência é a mesma, a causa é a mesma. Por que eu atiro pedra em um jornalista? Porque eu não gosto do que ele faz. Então, a causa é a mesma. Mas tem uma radicalidade e uma durabilidade infelizmente maior. A Fenaj tem um relatório anual onde nós detectamos o aumento da violência, principalmente a morte de jornalistas. A Fenaj sempre se preocupou muito em não fazer como fazem outras ONGs internacionais, que no final do ano adoram expor os cadáveres de seus jornalistas – e trata-se de um número de cadáveres que nunca sabemos de onde saem. Nós sempre reagimos quanto a isso, porque para nós é uma exploração populista sobre o caso e não resolve o problema, e nem sempre diz respeito a jornalistas de fato. Embora com essa ressalva, a Fenaj vem detectando o aumento do número de violência – e o número de mortos, inclusive. Acreditamos que sejam completamente enlouquecidas essas deduções de que o Brasil é o segundo pior país do mundo.  É só ir para o Paraguai, o Iraque, o México, que vai se ver efetivamente o problema. Mas é claro que está aumentando [também no Brasil].

Diferente de outros países, por aqui são os repórteres políticos que morrem. Não são repórteres policiais, cinegrafistas. Aqui, são políticos que cobrem a política. Então, a política está produzindo mais violência, que claramente está aí. Onde começou? No Norte do país, nas periferias do Estado brasileiro, onde as oligarquias eram mais fortes. Agora percebemos que está em São Paulo, Mato Grosso, Goiás, em vários lugares. E às vezes ela é fruto de uma cobertura em que há uma exposição exagerada à violência, que está crescendo no Brasil – é proporcional à violência do país. Não está descolada. Mas às vezes são esses repórteres que estão na linha de tiro, aí morrem. E o problema é trabalhista quase, ou seja, de método de trabalho. Mas tem os jornalistas que estão sendo mortos a mando de pessoas que estão tendo seus interesses contrariados.

Também tem sido catalogados como jornalistas outros profissionais. Radialistas, às vezes blogueiros. “Ah, mas radialista faz Jornalismo”? Às vezes faz, às vezes faz outra coisa. Mas nós estamos registrando tudo isso. Em nosso relatório compreendendo isso. Estamos catalogando motoristas que morrem também. Motoristas de redação. Temos que colocar lá, porque foi morto na atividade jornalística. A Fenaj compreendeu isso. Reagimos internacionalmente para mudar um olhar que nos incomodava muito, que era nos colocar no cenário internacional como habitantes de um mundo onde a prática da violência era cotidiana. Não. Aqui tem sindicalismo, tem jornalismo forte, um Estado funcionando. Em que pese todas as coisas, resolvemos atuar sobre a questão da violência. Então, compreendendo que ela tem origens complexas, motivações diversas, embora o desconforto do Jornalismo seja a base, nós temos uma linha de ações, que incluem um protocolo que estamos propondo aos empresários.

Os empresários perceberam que quando seus trabalhadores começaram a morrer – primeiro com a Globo, com o Tim Lopes, depois com a Bandeirantes – que isso era ruim inclusive para as empresas, e que, portanto, lhes interessa a diminuição desse risco. Lembrando que nossa profissão não é uma profissão de risco. Ela assume em alguns momentos a condição de risco, e quando ela assume essa posição, os riscos devem ser minimizados ao máximo. Então o protocolo iria garantir seguro de vida, de saúde, equipamentos eficientes (coletes), treinamentos. Embora não sejamos soldados, não sejamos militares, é uma atividade profissional com algumas particularidades, precisamos estar protegidos. E o jornalista precisa avaliar o enfoque a ser dado naquela cobertura. É pertinente aquela pauta? Porque, o que está acontecendo, são notícias pautadas por agenda policial, que foi o que aconteceu no Rio de Janeiro. O delegado precisa prestar conta, ou naquele dia quer fazer uma média com a namorada, com o seu chefe, convoca a imprensa para acompanhar a batida no morro. Foi o que aconteceu recentemente com aquele fotógrafo. Falaram que haviam limpado, ele subiu no morro, e recebeu um tiro. Então, pautas precisam ser avaliadas no ponto de vista jornalístico, e nós constituímos poder dentro da redação e podemos dizer “não vou”, ou “se eu vou, vou cobrir de tal maneira, sob tais condições”.

Bem, aí então pautados por nós, o deputado Protógenes Queiroz (PCdoB) propõe uma lei de federalização da investigação. Uma lógica muito interessante e correta. No México já foi implantada. O aumento do crime contra o jornalista é fruto da impunidade. Ou seja, quando jornalistas são mortos, a primeira reação do policial é quase sempre de criminalizar o jornalista. “Na verdade é um amante de não sei o que”, “era um caso sexual”, ou “estava fazendo chantagem”. Às vezes estava, mas sempre vem pautado por isso. Os processos judiciais quase nunca são levados a cabo no processo policial, eles já são descaracterizados.

A maior parte dos crimes contra jornalistas tem causa política, então vem de poderes muito fortes nas regiões onde acontecem. Por isso, poder federalizar as investigações para nós é algo muito importante. Não é a única maneira [de reduzir os casos de violência] e nem a mais potente, mas é uma delas. Fomos procurar, e estamos negociando – e forçando – o governo federal, por meio da Secretaria dos Direitos Humanos, a constituir um observatório nacional público, que seria uma política pública brasileira para responder inclusive a essas acusações internacionais que nos colocam em um ranking vergonhoso, constrangedor.  Nós mostramos à ministra Maria do Rosário que o Brasil precisa responder com uma política à altura disso. No nosso entendimento, é necessário um observatório que faça um acompanhamento desde denúncias de ameaças a casos de violência, crimes; para que consigamos detectar as origens, as ameaças, as possibilidades de desentendimento para evitar que estas se concretizem, e que quando houver os crimes, possamos prender as pessoas, condená-las, dar conta disso, porque isso, sim, tenderia a diminuir a impunidade.

Texto – Thiago Burigato

 Foto – Fenaj 

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