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Caso José Dirceu desafia a ética jornalística

Caso José Dirceu desafia a ética jornalística


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Na edição 367 do jornal Unidade, órgão oficial do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), a entidade abre espaço para que três jornalistas apresentem suas versões sobre a história política e a prisão do ex-ministro José Dirceu e sobre a posição do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Penal 470.  Abaixo você pode conferir os textos escritos pelos jornalistas Breno Altman, diretor editorial do site Opera Mundi, Rose Nogueira, membro do Conselho de Diretores do SJSP e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/SP e Vilma Amaro, diretora da Regional ABCD do SJSP.

Caso José Dirceu desafia a ética jornalística

*Por Breno Altman

Raras vezes, na trajetória recente da imprensa brasileira, um personagem ocupou tanto destaque, por tão longo período, mesmo há quase dez anos fora de qualquer função pública, como o ex-ministro José Dirceu. Da denúncia do chamado “mensalão” às ações mais recentes do ministro Joaquim Barbosa, é pauta diária dos principais veículos de comunicação.
A frequência e intensidade da cobertura deveriam obrigar, a essa altura do jogo, um balanço desapaixonado do papel exercido, nesse tema, pelas distintas empresas jornalísticas e seus profissionais. Como diria o sábio Arnaldo Cézar Coelho, a regra é clara: o respeito rigoroso à ética somente poderia ser preservado pela isenção na apresentação de informações, acompanhada pela separação criteriosa entre fatos, análises e opiniões, além de salvaguardas para a pluralidade de personagens e instituições envolvidos.
Fora destas fronteiras, restava o jornalismo de campanha, contra ou a favor. O manancial de produtos impressos e audiovisuais, ao menos no que diz respeito às maiores corporações de comunicação, deixa poucas dúvidas que esse foi o caminho trilhado. Apesar de certos contrapesos (como entrevistas eventuais e artigos ocasionais) para evitar fórmula editorial monolítica e pouco crível, os principais meios e seus operadores decidiram se lançar em uma causa: a da destruição política e jurídica do líder petista. 
Os motivos para esta opção não são muito relevantes. Os proprietários dos veículos sempre foram politicamente conservadores, mas razões comerciais ou até ideológicas já os levaram à abordagem distinta de outros casos. Não dessa vez. Das manchetes às fotos, das escaladas às notas cobertas, dos editoriais aos títulos internos, dos artigos às imagens de vídeo, o que estamos assistindo é combate a céu aberto para que se estabeleça uma determinada narrativa contra José Dirceu.
O enquadramento do ex-ministro não é processado através dos fatos e suas versões contraditórias, mas de carimbos frontais ou subliminares previamente elencados: corrupto, lobista, chefe de quadrilha, privilegiado, autoritário. O vale-tudo não elimina sequer flagrantes ilegalidades, como escutas clandestinas e gravações secretas. Para lembrar, um cardápio que já levou à cadeia, na Inglaterra liberal, jornalistas do “News of the World”.
Certos diários chegam a atropelar suas próprias posições editoriais quando se trata de golpear Dirceu. Jornais com posição abolicionista acerca do sistema prisional, por exemplo, não dão um pui quando o ministro Joaquim Barbosa promove a regressão do regime carcerário a ser cumprido pelo petista, sob argumento que, transformado em jurisprudência, pode levar de volta à cadeia mais de 30 mil presos com trabalho externo.
 
O mundo jurídico avalia com extrema gravidade o legado relativo ao processo da AP 470 e sua execução penal. Os paradigmas que permitiram a condenação de José Dirceu – julgamento em uma só instância, dispensa de provas materiais e testemunhais, domínio funcional do fato, desconhecimento de decisão colegiada por resolução monocrática, entre outras jabuticabas – já começam a ser vistas como inaceitáveis desrespeitos às garantias constitucionais. Não é a toa que o próprio STF deu ao chamado “mensalão tucano” tratamento completamente diverso, sem qualquer insurgência entre os gigantes da comunicação.
Mas não é apenas a corte suprema que, mais cedo ou mais tarde, terá que acertar contas com os procedimentos adotados para condenar José Dirceu. Uma página obscura também está sendo escrita pelos veículos e jornalistas que ofertaram sua influência para liderar linchamento moral talvez sem precedentes em nossa história.
* jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi

Foto – Breno Altman (de vermelho) quando o ex-ministro José Dirceu (ao centro) se apresentou na sede da Polícia Federal em São Paulo


Pelo direito de ser apenas Zé

*Por Rose Nogueira

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Em 1966, 67, no meio de tantas músicas geniais que apareceram nos festivais  e tomavam conta das almas brasileiras, fossem de protesto ou de amor, um outro vulcão se levantava na cena política: era José Dirceu. Falo em vulcão porque, desde que surgiu, todos sabiam que aquele moço estava destinado a ocupar um grande lugar no Brasil. 
Eu era repórter do Shopping News e depois da Folha da Tarde. Cobria os festivais e acompanhava as passeatas. Na redação do Shopping News, o histórico Hermínio Sachetta, que foi meu mestre, dizia, daquele jeito dele, bem alto: “esse rapaz vai longe!”. E para mim, que bebia tudo o que ele falava: “Filha, sei que você quer ver isso de perto. Passe na rua Maria Antonia. Mas nós não podemos fazer matéria…” Eu passava, às vezes nem tinha nada, mas às vezes ouvia as discussões. Admirava aquele moço da minha idade que conseguia, não sei como, dar atenção a todos aqueles jovens como eu. Achava ele bonito, mas nunca me aproximei. Eu não era estudante. Já era repórter, mas não estava fazendo matéria. Estava só vivendo – como me ensinava Sachetta. 
Na Folha da Tarde acompanhávamos as passeatas em São Paulo e, à noite, eu ia junto com elas para o Teatro Record, onde entrevistava artistas, via os ensaios e cobria os festivais. Dessa época, a maior lembrança é de uma foto do Dirceu no obelisco do Largo do Arouche, falando aos estudantes em frente à antiga secretaria de Educação. Essa foto diz tudo sobre ele. Acho que foi em 1968, nos dias em que sentíamos a tensão no ar, e ela se traduzia em belas músicas, das mais bonitas até hoje já feitas no Brasil. Foi o ano das prisões no Congresso de Ibiúna e do Ato 5 em 13 de dezembro. O réveillon de 1969 acho que Dirceu já passou preso no Forte de Itaipu em São Vicente. Meses depois seria trocado pelo embaixador americano. 
  
Escrever sobre o José Dirceu me traz essas coisas de volta e elas ainda me emocionam. 
Quase 50 anos depois o romantismo do  Jornalismo e da política me dão saudade. O que fazem com José Dirceu é um verdadeiro linchamento moral ao qual nenhum ser humano deveria ser submetido. É violação dos Direitos Humanos. Sei que ele gostaria que eu dissesse: como tantas outras pelo país. Como tantas outras pelo país. Ele gosta de ser mais um, embora sempre digam o contrário. 
Raimundo Pereira, no livro “A outra tese do Mensalão”, e Paulo Moreira Leite, em seu “A outra História do Mensalão”, já mais do que provaram a injustiça nesse processo – não só jurídico – que começou em 2005 e, na minha opinião, tentava evitar as conquistas que tivemos nos últimos doze anos. Não conseguiram. Dirceu começou a ser perseguido ali, como foi na ditadura, por ser o que é: brilhante, articulador e profundamente apaixonado povo brasileiro.  Além de perder o cargo de ministro-chefe da Casa Civil, Dirceu, que era deputado federal e já havia sido preso e banido do país na ditadura, foi cassado nos seus direitos políticos mais uma vez – por oito anos. Que, aliás, vencem este ano ou já venceram.

Dirceu, mesmo preso, humilhado por câmeras ocultas, por loucas acusações de “regalias”, renasce, tem a capacidade de se preparar para não só enfrentar a injustiça de ser impedido até de cumprir sua pena pelo próprio juiz que assinou a sentença, para logo estar entre nós de novo. 
 
Reuni um mês atrás dezenas de assinaturas de amigos mandando-lhe um abraço, apenas. Fiquei esperando por outros e vou colocar tudo no correio. Espero que lhe entreguem na Papuda (não suporto escrever esse nome). Lembro-me que até no presídio Tiradentes, nos tempos da ditadura, nos entregavam a correspondência que amigos deixavam na portaria – mesmo que viessem censuradas pela tinta preta do pincel atômico. Também tivemos direito a um fogãozinho elétrico de uma só boca, um chuveiro quente e um aparelho de televisão. E era a ditadura… Vimos a Copa do “tri” em 1970 e torcemos pelo Brasil. É… e era a ditadura.
Não dá para entender por que Zé Dirceu não tem sequer o direito de ser José, como qualquer José. Muitas vezes penso que há a tentativa de transformá-lo em uma não-pessoa. Preso, banido, cassado, anistiado, fundador, mentor e organizador do PT, militante integral, deputado estadual, deputado federal, ministro-chefe. Lutador da democracia. E novamente cassado, preso e condenado sem provas. Na democracia pela qual lutou toda sua vida.  Em qualquer dessas circunstâncias um ser humano com toda a dignidade que merece por ser isso mesmo, ser da espécie humana.  E, como disse Sachetta há 50 anos atrás, ainda tem um largo caminho a cumprir em liberdade – e pela liberdade, como sempre lutou.

*É do Conselho de Diretores do SJSP e preside o Grupo Tortura Nunca Mais/SP

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