Estreou recentemente nas plataformas de streaming o documentário Boca Fechada, cujo tema assustador é a violência contra jornalistas e comunicadores no Brasil. Entre os anos de 1995 e 2018, 64 trabalhadores da mídia foram executados por exercerem a profissão.
Na avaliação dos diretores Marcelo Costa Lordello e Aquiles Lopes de Oliveira, o documentário tem grande relevância para o debate sobre a violência contra a imprensa no Brasil. Afinal, o país é o segundo mais perigoso para os comunicadores em toda a América e o décimo no ranking mundial, de acordo com os dados da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ).
Os números são comparados aos de países em conflito, como Iraque e Iêmen. A diferença é que no caso brasileiro não há guerras e as mortes, segundo os relatórios do Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ), são uma forma de perseguição à liberdade de imprensa.
O documentário destaca que seis em cada dez dos jornalistas assassinados trabalhavam em cidades com população abaixo de 200 mil habitantes. Um dos casos mostrados na produção é o do locutor Jairo de Sousa, morto com dois tiros nas costas na entrada da rádio Pérola, em Bragança, no nordeste do Pará. “Com esse microfone, ele perturbou muita gente”, conta Jaiane, filha do jornalista.
Os assassinos, que teriam recebido R$ 30 mil pelo assassinato, foram presos, mas o acusado de ser o mandante do crime, o vereador César Monteiro, conseguiu um habeas corpus que o manteve longe das grades. Apenas após meses depois das filmagens ele foi preso. As filmagens tiveram início em 2019 e passaram pelas cidades de Recife e Lagoa de Itaenga (PE), Belém e Bragança (PA), Camocim e Fortaleza (CE) e São Paulo.
Impunidade é combustível
O documentário explica que, no período abordado, apenas 11 mandantes de crimes do tipo foram a julgamento no Brasil. Samira de Castro, ex-presidente do do Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce) e atual segunda vice-presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), afirma que “o combustível para esse alto nível de violência contra os comunicadores é a impunidade”.
A dirigente sindical acrescenta que, segundo o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa – 2021 da FENAJ, no ano passado, foi registrado um caso de assassinato de jornalista, mas a violência contra a categoria segue em níveis elevados, registrando recorde pelo segundo ano consecutivo, desde o início da série histórica, em 1990. “No ano que passou, foram 430 casos de violência, dois a mais que os 428 registrados em 2020”, pontua.
Para a FENAJ, a ascensão de Jair Bolsonaro (PL) à presidência da República, em 2019, e a consequente institucionalização da violência contra a categoria contribuem para a elevação dos ataques a jornalistas e a veículos de mídia no país.
“As violências mais comuns no ano passado foram censura, motivada pela conduta dos dirigentes da Empresa Brasil de Comunicação, que foi aparelhada pelo atual governo, e descredibilização da imprensa, uma modalidade de ataque inaugurada por Bolsonaro e amplificada por seus filhos políticos, ministros e apoiadores”, afirma Samira de Castro.
Outro caso mostrado na produção é o do radialista Gleydson Carvalho, morto com três tiros em agosto de 2015 em Camocim, no litoral cearense. O pistoleiro foi preso, mas os mandantes, não.
Sobre o filme, Felipe Gilé, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas do Pará (Sinjorpa) e diretor da FENAJ, diz que “Boca Fechada é, por vezes, desolador. As pessoas antes tentavam comprar (os jornalistas). Agora, não. Elas removem o problema. Que jeito? Mandam matar”.
Segundo a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), na América Latina, o Brasil só fica atrás do México em relação a assassinatos de jornalistas. Vale lembrar que o País está em 111º lugar entre 180 países analisados no Ranking de Liberdade de Imprensa da própria RSF. Está na zona vermelha, onde a situação da liberdade de imprensa é considerada “difícil”.
É possível comprar e assistir ao documentário no YouTube.
Com informações do Portal dos Jornalistas