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Atos e prêmio reafirmam a resistência 50 anos após o assassinato de Vlado

Juliana Almeida - SJSP

No ano em que se completam 50 anos da morte do jornalista Vladimir Herzog, aconteceu a 47ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. Desde 2023, a premiação passou a ser organizada pelo Instituto Prêmio Vladimir Herzog, associação civil de direito privado, sem fins lucrativos ou político-partidários. O Prêmio Vladimir Herzog é um dos mais importantes do jornalismo brasileiro, destacando reportagens de diversos formatos que tratam dos direitos humanos no país.

A entidade reúne 18 instituições da sociedade civil, além da família Herzog: Associação Brasileira de Imprensa (ABI); Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI); Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor); Artigo 19; Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; Conectas Direitos Humanos; Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP); Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ); Geledés; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Nacional); Instituto Vladimir Herzog; Instituto Socioambiental (ISA); Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo; Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo; Periferia em Movimento; Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo; Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e União Brasileira de Escritores (UBE).

A premiação foi antecedida por dois eventos em memória de Vlado. No sábado, 25 de outubro, um ato inter-religioso na Catedral da Sé relembrou o importante protesto contra a ditadura militar realizado em 1975, que se tornou um marco de resistência. O SJSP promoveu uma caminhada partindo do histórico auditório, que leva o nome do jornalista, onde dezenas de jornalistas se reuniram para a passeata. No domingo, 26, foi inaugurado o Calçadão da Resistência, em memória dos jornalistas, na praça que leva o nome de Vlado.

Foto: Alexandre Linares
Foto: Alexandre Linares

Premiados e bastidores das reportagens

Desde 2012, ocorre a roda de conversa com os ganhadores do prêmio, em que são compartilhados os bastidores das reportagens e detalhes das produções. As reportagens deste ano abordaram temas como violência policial, racismo ambiental e seus impactos no cotidiano dos brasileiros. O debate teve a intermediação de Aldo Quiroga e Angelina Nunes.

Premiado na categoria Multimídia com a reportagem “Política da Bala”, o jornalista Renan Porto, do portal Metrópoles, contou como foi o processo de investigação: “Foram nove meses de apuração, reunindo boletins de ocorrência de 2024. Usamos como base o painel estatístico da própria Secretaria de Segurança. Quem trabalha em São Paulo sabe que o governo do estado trata com muito sigilo as ocorrências. Segundo os boletins, 85 pessoas desarmadas foram vítimas fatais da polícia — 47 delas pelas costas.”

De um lado, a violência policial retratada na reportagem do Metrópoles; de outro, a série produzida pela equipe da EBC no Rio de Janeiro destacou as mães enlutadas que buscam justiça por seus filhos.

Segundo a jornalista Ana Passos, dois projetos foram essenciais para a construção da pauta: um em que duas mães receberam bolsas de estudo da UFRJ para desenvolver políticas públicas voltadas ao enfrentamento da violência policial no estado, e outro que propôs uma perícia alternativa à da polícia, com reconstruções em 3D. “Contar histórias e fazer boas reportagens é o que posso fazer de melhor na minha profissão”, afirmou.

A fotógrafa Márcia Foletto, premiada na categoria foto, relatou que, ao entrar em um local acompanhando a polícia, observou o momento em que uma menina mais velha protegeu a irmã mais nova, colocando-a contra a parede e cobrindo seus olhos. “Ali encontrei o momento da foto. Saímos do local com a polícia e não sabíamos a história delas. Enviei a foto para o jornal, e depois surgiu a pauta de voltar para conversar com as meninas. A mais velha contou que tapou os olhos da irmã para poupá-la. Chamei a imagem de ‘Antes que ela veja’, pois ainda verá coisas piores conforme for crescendo.”

Daniel Camargos, da Repórter Brasil, recebeu menção honrosa na categoria Multimídia com a reportagem “Ogronegócio: milícia e golpismo na Amazônia”. Ele explicou que a pauta nasceu de um projeto de incentivo: “Eu já cobria o ex-secretário especial de Assuntos Fundiários de Jair Bolsonaro, Luiz Antonio Nabhan Garcia, e percebi que, onde ele passava, havia violência no campo. Cruzei os dados da agenda dele, obtidos pela Lei de Acesso à Informação, com os registros de conflitos da Pastoral da Terra durante o governo Bolsonaro. Cobrimos cerca de 6 mil km entre Mato Grosso e o sul do Pará para produzir a série.”

Sobre a segurança em campo, Daniel destacou: “Duas vezes contratei motoristas locais para nos acompanhar, como um sexto olho no percurso. Antes das entrevistas, fazíamos uma leitura do ambiente para avaliar riscos e, principalmente, nunca trabalhávamos sozinhos — sempre um repórter e um fotógrafo juntos.”

No YouTube da Abraji há uma série de vídeos com dicas de segurança para repórteres. No site do Sindicato dos Jornalistas também está disponível um material completo sobre proteção profissional.

Vinícius Sassine, vencedor na categoria Áudio, contou que o ponto de partida para seu podcast foi uma reportagem sobre Tadeu, um indígena que desapareceu após levar a esposa para dar à luz e foi encontrado morto oito dias depois. “Fiquei feliz em contar essas histórias na Folha, mas elas me geraram mais dúvidas, e foi daí que surgiu o podcast. Os indígenas sofrem muito preconceito, até mesmo lá.”

Sassine também comentou como a imprensa é negligente ao tratar da Amazônia: “A imprensa tem espasmos pela região. Fora grandes tragédias, como o massacre dos Yanomami e o assassinato de Dom e Bruno, pouco se fala sobre esse território tão rico e diverso.” Ele destacou ainda falhas graves nas perícias oficiais: “Alegaram que Tadeu morreu de queda e sob efeito de drogas, mas não houve perícia adequada, apenas um vídeo de 30 segundos considerado suficiente.” Após a publicação do podcast, o caso foi desarquivado e o Ministério Público deu 90 dias para a polícia apresentar explicações.

Diogo, vencedor na categoria Arte, retratou como o racismo ambiental impacta o cotidiano das pessoas no Ceará. “Neste ano, a Defensoria Pública do Ceará adotou uma abordagem mais sustentável, e pensamos em fazer uma série de reportagens sobre o tema. Fortaleza é atravessada por rios como o Cocó e o Ceará. De um lado, ruas asfaltadas e bem cuidadas; a menos de 500 metros, comunidades vulneráveis que sofrem com as enchentes e perdem tudo.” Ele espera que o racismo ambiental ganhe mais espaço nas pautas jornalísticas.

Localizada em um dos antigos pontos de concentração da Cracolândia, a equipe do Brasil de Fato venceu na categoria Vídeo com uma série sobre o fluxo de dispersão da região. Representando a equipe, Beatriz Ramos afirmou: “As pessoas se sentiram vistas, ouvidas e representadas na reportagem. A Cracolândia não é só um problema de drogas, mas também socioeconômico e racial.”

Antes da onda de reportagens sobre adultização infantil, Isabel Harari, da Repórter Brasil, já havia sido premiada na categoria Texto por sua série sobre o uso de mão de obra infantil por bigtechs. “O trabalho de campo foi diretamente no Discord, plataforma usada por jovens para jogos como o Roblox. Lá, encontrei anúncios de pessoas contratando e oferecendo serviços, o que revelou vínculos trabalhistas.” Crianças e adolescentes chegam a assistir cerca de dez horas de vídeos por dia para ganhar dez reais por semana, enquanto as bigtechs economizam milhões sem regulamentação nem impostos.

Sérgio Ramalho, vencedor na categoria Livro-Reportagem, contou que a ideia surgiu após descobrir seu nome em uma lista de alvos de assassinato. “Apurar e investigar onde estava e quem era Adriano de Nóbrega era mais que uma pauta — era uma forma de defesa.” O livro só foi lançado após a morte dos envolvidos.

Os bastidores da tentativa de golpe

Em 8 de janeiro de 2023, o país acompanhou a tentativa de golpe de Estado protagonizada por grupos bolsonaristas. Equipes jornalísticas trabalharam para entender o que de fato aconteceu e quem organizou os atos.

Allan de Abreu, vencedor na categoria Extra de Defesa da Democracia, investigou a atuação dos “kids pretos” na tentativa de golpe. “Apesar de cobrir segurança pública, nunca havia coberto os militares. Um deles me contou que uma multidão desorganizada não teria condições de articular um golpe. A partir daí, cheguei a um general ligado a essa elite militar, chamada kids pretos, treinada para desestabilizar inimigos com fake news. Analisamos horas de vídeos para compor a reportagem.”

Foto: Cadu Bazilevski
Allan de Abreu, durante a 14ª Roda de Conversa. Foto: Cadu Bazilevski
Foto: Cadu Bazilevski
Igor Mello, durante a solenidade.Foto: Cadu Bazilevski

Igor Mello, que recebeu menção honrosa na categoria Áudio, relatou o processo de produção do podcast cujo quarto episódio investiga quem é Silas Malafaia, braço direito de Jair Bolsonaro. “A ideia surgiu quando descobri que Malafaia patrocinou um ato como pessoa física. Ao investigar, percebi que sua empresa estava em recuperação judicial e comecei a apurar esse personagem político.”

Um ano após os ataques de 8 de janeiro, Henrique Picarelli e sua equipe da GloboNews lançaram o documentário 8/1 – A democracia resiste. Henrique contou que foi um desafio trazer novos elementos após um ano do fato: “O fato de a democracia ter resistido é uma vitória significativa para o documentário.” Ele também comentou sobre a estética: “Apesar de gostar de cenários ricos, esse projeto exigia atenção especial às falas das personagens.”

50 anos por Vlado

A premiação foi apresentada por Juca Kfouri e Angelina Nunes e os prêmios foram entregues pela comissão organizadora. Ivo Herzog, filho de Vlado, fez um discurso emocionado sobre o prêmio que carrega a memória de seu pai, e é um tributo vivo a todos que não se calaram, muitas vezes arriscando as suas próprias vidas.

A solenidade começou com um vídeo que mostrou fotos do ato inter-religioso do sábado (25), relembrando o histórico evento de 1975. Também foi exibido um vídeo em que a ministra Elizabeth Rocha, primeira mulher a presidir o Superior Tribunal Militar, pediu perdão pelos erros e omissões judiciais durante a ditadura: “Perdão a todos os que tombaram e sofreram lutando pela liberdade.”

Foram entregues dois troféus especiais: um in memoriam ao sobrinho-neto de Dom Angélico Sândalo Bernardino, jornalista filiado ao SJSP, que denunciou o assassinato de Vladimir Herzog e outros crimes contra a imprensa durante os anos de chumbo — Dom Angélico faleceu em abril de 2025, aos 92 anos.

A outra homenageada foi a jornalista e documentarista Dorrit Harazim, que cobriu fatos históricos como o golpe do Chile e a guerra do Vietnã. O prêmio foi entregue por Patrícia Campos Mello. Em discurso marcante, Dorrit falou sobre como o jornalismo e a democracia sofrem em uma era de “desrazão”, com sua credibilidade minada por grupos que atacam as instituições.

Ao final da cerimônia, o jornalista Juca Kfouri foi homenageado após 15 anos apresentando o evento. Ele recebeu uma caricatura feita pelo cartunista Renato Aroeira.

Criado em 1978 e organizado durante 30 anos pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog — assassinado sob tortura nas dependências do DOI-Codi durante a ditadura militar —, o prêmio é um dos mais importantes reconhecimentos do jornalismo brasileiro e internacional.

Veja como foram as homenagens:

  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
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  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
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  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
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  • Foto: Cadu Bazilevski
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  • Foto: Cadu Bazilevski
  • Foto: Cadu Bazilevski
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  • Foto: Alexandre Linares
  • Foto: Alexandre Linares

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