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“A tentativa de intimidar a imprensa é evidente”

Juca Kfouri: “A tentativa de intimidar a imprensa é evidente”

Kfouri: 'o que me resta é denunciar isso e resistir a isso'. Fotos: Cadu Bazilevski/SJSPHouve um aumento de casos de agressões a jornalistas, especificamente, de agressões de cunho político. Essa tendência se intensificou ano passado. Estudos de cinco organizações nacionais e internacionais atestam para isso. A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 7 de abril de 2018, é apontada, em levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) como fator que contribuiu para a violência. Mas a campanha inflamada e difamatória e posterior eleição do candidato e, agora, presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro, aparecem como grande combustível para a explosão de ataques a jornalistas.

Segundo o relatório da FENAJ (confira a íntegra do documento), os casos de agressões a profissionais cresceram 36,36% em relação ao ano anterior, de 2017. Foram 135 ocorrências de violência contra 227 jornalistas. Desses, 30 casos foram de ataques de eleitores. 23, de bolsonaristas. Partidários do ex-presidente Lula, que não chegou a ser candidato, estiveram envolvidos em sete episódios.

Parker Asmann, jornalista americano da entidade internacional de jornalismo investigativo InSight Crime, especializada em crime organizado, fez coro a ONG Repórteres Sem Fronteira, e escreveu que a eleição do “candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro representa uma série de ameaças para os jornalistas do Brasil”.

Um estudo da Repórteres Sem Fronteira (RSF), que engloba 180 países, classifica o Brasil na péssima 102ª posição pelo baixo grau de liberdade de imprensa, pela concentração de mídia nas mãos de poucos, da falta de pluralidade de opinião e da violência a jornalistas. Diz a RSF: “O Brasil ainda é um dos países mais violentos da América Latina para a prática do jornalismo. A liberdade de informação está longe de ser uma prioridade para os poderes públicos. A paisagem midiática ainda é bastante concentrada no país, sobretudo ao redor de grandes famílias industriais, com frequência, próximas da classe política.”

Outra organização internacional, o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), coloca o Brasil em 10º lugar entre 14 países em que graça a impunidade sobre crimes cometidos contra profissionais.

O relatório da FENAJ descreve vários casos de ataques virtuais. A jornalista Miriam Leitão, da TV Globo e do jornal O Globo, foi caluniada por defensores de Bolsonaro após criticar o candidato no telejornal Bom dia Brasil. O jornalista Leonardo Sakamoto, colunista do UOL e diretor da ONG Repórter Brasil, sofreu ameaças do tipo: “É só me dar uma arma que meto uma bala no meio da cara desse filho da puta!” Marina Dias e Rubens Valente, da Folha de S. Paulo, passaram a ser agredidos por bolsonaristas por causa de reportagem sobre ex-mulher de Bolsonaro que dizia ter sido ameaçada pelo ex-marido.

Três repórteres da revista Época, Daniel Salgado, Igor Mello e Marcella Ramos, tiveram os dados pessoais publicados na internet após matéria sobre um dos maiores grupos de ódio na internet do país, o fórum online Dogolachan. Um dos criadores do grupo, Marcelo Valle Silveira Mello defende a pedofilia, o estupro de mulheres e a morte de negros, homossexuais e ‘comunistas’.

Um dos casos mais recentes (as agressões começam no final do ano passado, após a eleição de Bolsonaro, e entram 2019 adentro), e que por isso não está em nenhuma pesquisa, é o do jornalista Juca Kfouri.

Juca foi atacado em seu blog, no portal UOL, pelo corretor de imóveis, que atua em Curitiba, é apoiador de Bolsonaro e afirma ser ex-militar, José Emílio Joly Júnior. Joly escreveu: “Lembre-se que a Ditadura está no poder e os porões serão reabertos para ‘extinguir’ lixos como você, Juca. Cuidado!”; “Como ex-militar, eu adoraria uma missão para executar imbecis iguais a vocês do UOL e outros lixos”; “Acho que o seu nome já está na lista dos famosos helicópteros dos tempos áureos da Ditadura, onde sobrevoavam por mares distantes! Atenção senhores passageiros para voo panorâmico em alto mar, tomem seus assentos, boa viagem e até nunca mais!!!!”; “Juca.nalha. Sou ex-militar (Pelopes – Pelotão de Operações Especiais), e consigo achar qualquer animal, nem que seja no inferno”; “Um dia vou cruzar na sua frente e te encher de porrada na cara!”

Com apoio do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) e do Instituto Vladimir Herzog, Juca entrou com representação contra Joly no Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos do Ministério Público de São Paulo. Relativamente novo, o núcleo foi criado em 2017 por causa do aumento de ataques virtuais.

Em entrevista ao Unidade, o colunista da Folha de S. Paulo, comentarista da CBN e entrevistador da TVT aconselha aos colegas que enfrentem o medo e não deixem de procurar o Ministério Público. Diz que ao publicar em seu blog que havia entrado com uma representação e ao expor publicamente seu agressor, “ele nunca mais apareceu”.

Aos 68 anos, tendo trabalhado 25 anos na Editora Abril, parte ainda durante o regime militar, passado por alguns dos principais veículos de comunicação do país, Juca diz que o que mais o deixou indignado foi a referência a helicópteros e crimes da ditadura; assassinatos e torturas perpetrados por agentes públicos. Permanecem até hoje sem apuração e impunes. Crimes, como de tortura, legalmente não prescrevem.

Para o jornalista, as agressões que sofreu pela internet são apenas parte de uma voltar ao passado que faz o Brasil hoje. “Jamais imaginei, quando tinha 18, 19 anos e militava contra a ditadura, que viveria uma situação semelhante. O que me resta é denunciar isso e resistir a isso. O DOI-Codi, que infelizmente eu conheci,  não me impediu de lutar pelas coisas que eu achava que devia lutar, não vai ser gora, avô, aos quase 70, que eu vou deixar de lutar.”

Juca entrou com representação no Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos do Ministério Público de São Paulo, e recebeu apoio do Sindicato dos Jornalistas de SP, da FENAJ e do Instituto Vladimir Herzog. O SJSP acompanha a apuração do MP.

Na entrevista, o colunista da Folha de S. Paulo, comentarista da CBN e entrevistador da TVT aconselha aos colegas que enfrentem o medo e não deixem de denunciar.

Razões políticas diferenciam as ameaças sofridas na atual conjuntura do país, afirma KfouriJá sofreu outras ameaças?
Já, em 1982, quando a (revista) Placar, que eu dirigia, denunciou a existência da chamada máfia da Loteria Esportiva, que eram quadrilhas que manipulavam resultados de jogos de futebol que estavam na Loteria Esportiva. Na época foram denunciadas 125 pessoas entre jogadores, treinadores, dirigentes, juízes e tudo mais. E aí, surgiram algumas ameaças, uma das quais em castelhano, por ridículo que pareça… Mas que foi a mais assustadora. Foi por telefone, lá na Editora Abril. E o cara dava os horários em que meus filhos iam e voltavam da escola. A partir daí, ficou muito claro pra mim que quem vai fazer alguma coisa não te ameaça.

Essa é diferente?
O que muda de uns tempos pra cá é a ameaça por razões políticas. Tive nas vésperas do impeachment (da ex-presidente Dilma Rousseff) quatro caras aqui na porta de casa fazendo algazarra de madrugada, me xingando de petralha, filha da puta… Eu desci. Quando berrei, eles pararam o carro. Tivemos uma discussão. Tomei nota das placas. Duas horas depois, tinha identificado o carro e dois deles. Disse que ia acioná-los na Justiça. Fui chamado pelo advogado dos quatro. Fizemos uma reunião, e assinaram um documento, que eu publiquei, pedindo desculpas. Disse a eles que Auschwitz começou assim. Dois deles eram judeus. Mas aí, estamos no Brasil: essa reunião terminou na calçada com dois dos quatro me pedindo para fazer self porque eram corintianos e meus fãs.

Já na campanha (eleitoral para presidente), eu me manifestava contra o (então candidato Jair) Bolsonaro, surgiram outras ameaças. Um dia na rua, um carro parou, e me xingou de comunista… Até que chegou esta ameaça…

O que menos me incomodou foi a ameaça em si, mas a referência a helicópteros que, segundo o cara que disse ter sido membro do Pelotão de Operações Especiais do Exército, no Paraná, e que sabia do que tinha acontecido na Ditadura, eu provavelmente estaria numa próxima lista, a ser jogado no mar. Aí, eu falei: ‘esse engraçadinho vai ter que pagar por isso. Eu vou denunciá-lo na Delegacia de Crimes Cibernéticos e no Ministério Público.’ E o fiz.

Mandei um e-mail pro cara, que na verdade era o e-mail da mulher dele. Descobri o nome do cara, quem era o cara. A partir daí ele nunca mais apareceu no (meu) blog.

Publiquei que estava fazendo a denúncia. Publiquei os comentários dele. Que eu acho que é a melhor coisa que a gente tem a fazer: em vez de se intimidar, denunciar. Expor o cara a vergonha de uma barbaridade desse tipo. Vamos ver o que o Ministério Público vai fazer… Já faz quase um mês. Vou ficar cobrando. O sindicato e o Instituto Vladimir Herzog se manifestaram.

Como esses comentários chegaram até você?
Pelo meu blog, com um pseudônimo, J. Conselheiro. O cara se chama (José Emílio) Joly Junior. Usava o e-mail da mulher. Covarde. Mandei um e-mail pra ela. Falei: ‘lamento que seu marido a tenha colocado nessa situação. Mas comunico que o estou denunciando ao Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos do Ministério Público.’ Ela me mandou um e-mail, pedindo desculpa, dizendo que realmente ele tinham usado o e-mail indevidamente…

Agora estou esperando pra ver o que vai dar. Não tenho grandes expectativas, mas pelo menos a satisfação de já ter exposto esse cara na comunidade dele, no emprego dele. É um corretor imobiliário, um bolsonarista. No Facebook dele tem fotos dele no Exército, tem elogios ao Bolsonaro.

E ele realmente foi de tropas especiais?
Ele diz isso: ‘fui do Pelopes (Pelotão de Operações Especiais).’ É um cara de cinquenta e poucos anos. Tem fotos dele com a filha fazendo gestos de Bolsonaro, de estar atirando…

Juca, se sentiu voltando ao passado?
Essa volta ao passado, a gente já começou a ver nas manifestações pelo impeachment. E, por mais incrédulo que eu fosse de que esses trogloditas pudessem ganhar a eleição, o fato objetivo é que eles ganharam a eleição. E, nesse particular, é pior do que a situação que a gente viveu na ditadura porque, pelo menos, na ditadura, precisou-se de tanques e fuzis para derrubar um governo legítimo. Dessa vez, não. Um golpe midiático, parlamentar, um Judiciário… Derrubou-se um governo legítimo. E, por via das urnas…, impedindo o candidato favorito de participar da eleição…, chegaram ao poder. Chegaram ao governo, pelo menos.

Jamais imaginei, quando tinha 18, 19 anos e militava contra a ditadura, que viveria uma situação semelhante. Uma situação de absoluto obscurantismo. Ministros e os filhos do presidente… Milicianos tão próximos ao poder…

O que me resta é denunciar isso e resistir a isso. O DOI-Codi, que infelizmente eu conheci,  não me impediu de lutar pelas coisas que eu achava que devia lutar, não vai ser gora, avô, aos quase 70, que eu vou deixar de lutar.

Qual a importância de se denunciar essa violência?
É essencial que essa gente seja denunciada. Que não achem que essa terra de ninguém das redes sociais possa permitir que ameacem quem quer que seja, aterrorizem quem quer que seja impunimente. Seja o tipo de ameaça que for. Ameaça política ainda mais. A partir do momento em que fiz essa denúncia, os caras que entram pra me xingar, me chamar de petralha, o diabo a quatro, até continuam, mas ameaças nunca mais. Porque eu recebia ameaças assim: ‘eu sei que horas você caminha…; todo dia você caminha pela avenida…, às 10 horas da manhã; vou te encontrar e te encher de porrada…’ Isso parou.

Conhece outros jornalistas que sofreram agressões semelhantes pelas redes sociais?
Na imprensa esportiva são diversos os casos de jornalistas ameaçados por torcedores insatisfeitos. O Mauro Cezar (Pereira), por exemplo, da ESPN, também moveu uma porção de ações, nesse mesmo Núcleo de Combate a Crimes Cibernéticos, contra torcedores que o ameaçaram. Na área política, a Patrícia Campos Melo, por exemplo, foi ameaçadíssima no episódio em que ela denunciou os disparos por WhatsApp da campanha do Bolsonaro. Ameaças de morte, ameaças de estupro… Felizmente a Folha de São Paulo deu a ela o prêmio de melhor reportagem do ano, o que revela o respaldo do jornal.

Houve algum texto teu específico que desencadeou essa reação desse tal de Joly Junior?
Embora meu blog esteja no Esporte do UOL, nunca se limitou… É como se fosse um diário em que ponho coisas que acho interessantes para o leitor, desde coisas minhas a de outros, a filmes que vi e recomendo, livros que leio e recomendo, charges… E com a campanha eleitoral e a vitória do Bolsonaro e o começo do governo, com muita frequência ponho coisas políticas. E isso começou a irritar bolsonaristas, que começaram a dizer: ‘eu entro aqui pra ver futebol; você já é ruim comentando futebol, comentando política então, você é um horror…’ Esse cara foi isso, começou a se irritar com os meus comentários políticos. Ao pesquisar as coisas dele, descobri até comentários mais antigos dele em outros blogs dizendo: ‘você precisa estudar muito pra chegar a ser um Juca Kfouri’. Foi um período em que me limitei a falar mais de futebol e elogiei o time para qual ele torce, o Atlético Paranaense. Mas na hora que ele viu essa minha face comunista, se irritou e partiu pra cima com ameaças.

Quando foi?
Foi no início deste ano, depois do Bolsonaro eleito.

Além desse tipo de agressividade, vê algum outro tipo de violência e censura contra a imprensa desde que Bolsonaro se elegeu?
Claramente. A tentativa de intimidar a imprensa é evidente. Esses caras são tão malucos que chamam a Folha de São Paulo de Foice de São Paulo. Acham que a Globo está repleta de comunistas. O Bolsonaro exterioriza isso ao dizer para o ex-ministro Gustavo Bebiano que a Globo é inimiga. Isso estimula um bando de malucos a achar que tem condição de intimidar a imprensa.

Eu me surpreendo ao ver veículos que não disfarçam o apoio ao governo Bolsonaro em questões como a reforma da Previdência, o pacote tresloucado do (ministro da Justiça, Sérgio) Moro, como se tivessem a ilusão de que vão controlar esse maluco. Não vão. Mas está demorando para cair a ficha deles. O comportamento da imprensa tem sido ainda muito mais cordato do que deveria ser. Mas isso vem desde a campanha. Desde que ficou claro que o (ex-governador Geraldo) Alckmin não tinha chance, apostou-se nele. E agora, está se vivendo os tempos de cólera do seu Jair Bolsonaro.

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