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“A mídia reproduz estereótipos que mantém a discriminação contra as mulheres” , diz a pesquisadora Rachel Moreno

“A mídia reproduz estereótipos que mantém a discriminação contra as mulheres” , diz a pesquisadora Rachel Moreno


 

rachelsite

 

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) entrevistou a pesquisadora, psicóloga e ambientalista Rachel Moreno sobre a questão da Mulher na Mídia, um dos temas de seu livro e de suas pesquisas, sobretudo, como homenagem ao 8 de março, Dia Internacional da Mulher .

Unidade – Quando você começou a trabalhar com as questões da mulher?

Rachel Moreno – Eu estava na faculdade em 74 e ganhei um livro de um namorado denominado “A mulher Eunuco”, de Germaine Green, que fez a minha cabeça e parei para pensar. Então, participei do processo de discussão que antecedeu a criação da Creche da USP. Depois disso, fomos contatadas por grupos de mães, dizendo que também estavam lutando por creches nos bairros. Então, começamos com a luta por creche, depois sobre a questão da violência e chegamos aos dias de hoje em que estou mais envolvida com a questão da mídia e do meio ambiente.

Unidade – Sobre esses temas você já está em sua segunda publicação. Seu primeiro livro “A Beleza Impossível – Mídia, Mulher e Consumo” e o segundo intitulado “A imagem da mulher na mídia”. Quais as diferenças de abordagens no tema entre os dois?

RM – O primeiro é específico na questão de um modelo da produção de beleza. O interesse comercial que tem por trás disso e o impacto disso na cabeça, na formação da subjetividade das mulheres e o segundo é sobre a questão da mídia que começou como uma reação de entidades femininas, de uma forma pontual, contra publicidades específicas, com entrada com processos e etc. Alguns ganhamos, outros não. Então, resolvemos olhar um pouquinho para a programação e tentar uma abordagem um pouco mais completa sobre isso. Fomos ao Ministério Público Federal e pedimos direito de resposta a todas as emissoras. Quem nos atendeu achou interessante. Formamos uma comissão e circulamos por várias emissoras de TV, especificamente, e obviamente, acabamos não conseguindo nada. 

Unidade – Quais foram as conquistas nestas formulações em relação aos direitos das mulheres?

RM – Nós só queríamos um mês de direito de resposta em todas as emissoras de TV (Risos). Fomos atendidos em cada emissora de TV por alguém que representava a Presidência, alguém que representava a Programação e alguém que representava o Jurídico. O que se percebeu é que o cidadão que representava a programação tinha os olhinhos brilhando quando nos ouvia falar. A gente falava: “Vocês precisam modernizar essa imagem da mulher que vocês têm. Vocês estão falando para a mulher do século XIX”. Então, a gente sentiu certa expectativa e até tentamos amenizar um pouco a demanda, no sentido de uma mesa de negociação mensal pra gente fazer uma avaliação da programação, sugestão, pauta e etc. Mas colocaram o Jurídico no final para dar a resposta e dizer: “Sempre estivemos abertos a sugestões. Vocês que façam e, se a gente concordar, incorpora. Senão, não”. Neste trabalho, fomos ganhando visibilidade e acabamos contatados por segmentos que discutiam a questão da mídia. Participamos juntos da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), da preparação em nível municipal, estadual, nacional, da formulação de um novo Marco Regulatório. Incorporamos as nossas demandas e elas focavam um pouco a questão do controle social da imagem da mulher na mídia. 

Unidade – O que você quer dizer exatamente com “controle social da imagem da mulher na mídia”?

RM – No começo, dizíamos que o tema é invisibilidade seletiva da imagem da mulher e os donos, particularmente da televisão ou de jornal, diziam: “Como assim? Está cheio de mulher na nossa programação”. Está cheio de mulher. Mas olhe para as mulheres que aparecem. Elas são jovens, brancas, magras, de preferências loiras, de cabelo liso e mesmo que sejam formadoras de opinião, cadê a diversidade racial, etária e cultural? Essas mulheres que aparecem nos meios de comunicação sempre vinculam valores específicos e muito fechados com os interesses dos donos da emissora. Não se tem uma pluralidade dos pontos de vista, essa pluralidade refletida. Não há uma representação a altura das mudanças que as mulheres percorreram na sociedade. As mulheres estão no mercado de trabalho, em todos os tipos de trabalho, acumulam no Brasil, em média, quatro anos a mais de estudo em qualquer nível que os homens e, quando você vai ver uma mulher entrevistada numa TV ou num meio de comunicação qualquer, nunca é como especialista. Na maior parte das vezes é como testemunha de um fato e na maior parte das vezes o que se pergunta a ela é que emoção ela sentiu em determinado episódio. Assim, se acaba fazendo uma reprodução de estereótipos que mantém uma discriminação de uma maneira extremamente sutil e que não mostram a riqueza, a diversidade e o avanço das mulheres. E que, portanto, acaba perpetuando a diferença entre homens e mulheres.

Unidade – Você participou da Confecom e de atividades com o intuito de democratizar a comunicação. Você viu algum resultado destes encontros?

RM – Nós fomos surpreendidos na Confecom. Algumas entidades empresariais saíram do processo da conferência e declaram que nós estávamos pedindo uma censura à liberdade de expressão. Nós ficamos meio parados sem saber como sair dessa saia justa. Acho que nossas palavras de ordem foram retomadas por eles, apropriadas por eles e transformadas. Eu sou da geração que brigou contra a censura, a censura da ditadura. Nós sabemos o que é censura e não é isso o que estamos propondo. Estamos propondo liberdade de expressão, exatamente. É a democratização do acesso, ao direito de expressão, ao direito de comunicação. E eles transformaram isso no direito humano à comunicação comercial. Transformaram o interesse empresarial, fantasiaram o interesse empresarial deles no que deveria ser um direito humano, amplo de toda a população.Ficamos um tempo meio parados, sem saber como reagir. E eu entrei em contato, tenho algumas redes, inclusive de jornalistas, preocupados com a questão de gênero na América Latina, algumas na Europa também e eu perguntei onde é que existe controle social da imagem da mulher nos meios de comunicação naqueles países. E me mandaram um estudo. E o estudo que me mandaram, realizado em 12 países mais a União Europeia, mostra que são democracias consolidadas, que têm controle social da imagem da mulher na mídia, como elas defendem isso e como elas e eles se organizam em torno disso de modo a poder ter um acompanhamento, ter um acordo entre as partes e um acompanhamento efetivo da implementação disso. 

Unidade – Você acredita que haverá algo semelhante no Brasil? 

RM – Cada país tem uma abordagem para a questão. O Canadá, por exemplo, onde se fala inglês e fica muito perto dos Estados Unidos, quando chegou a televisão, os canadenses ficaram com medo de ser invadidos por produtos americanos. Então, teve um controle social exercido pelo Governo, que estabeleceu uma série de regras para proteger a indústria nacional. Depois que se estabeleceu isso na televisão, tranquilamente eles passaram esse controle social para o autocontrole da empresa. Aí aconteceram algumas coisas interessantes. Por um lado, a gente andou conversando com algumas mulheres feministas lá do Canadá e perguntamos: “Como está a imagem da mulher nos meios de comunicação?”. “Ah, melhorou muito. A mulher é resolvida, ela trabalha, ela estuda, ela casa ou não casa, tem ou não tem filhos, ela é uma super mulher. Mas, nos últimos anos, a gente percebeu que quando passou para o autocontrole ela é sempre jovem, branca, bonita e magra”. Ou seja, serve aos interesses do anunciante. Porque se você anuncia produtos de beleza, tem que ter um padrão correspondente a isso. 

Unidade – Quais as diferenças de procedimento entre o Canadá e o Brasil?

RM –Aqui nós temos o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), que é formado por publicitários, e só. No Canadá, você tem os professores dando aula de uma leitura crítica da mídia, você tem seminários semanais com os professores para discutir tal técnica, você tem uma observação dos videogames e do conteúdo da programação. E o pessoal diz: “Você tem que observar, porque, pegue uma criança que assiste luta livre, no horário em que criança está na frente da televisão. Ela vai brincar do que na hora do recreio? De luta livre”. Portanto, está estimulando a violência. Eles dizem que a programação corre o risco de estimular a violência e o vídeogame de treinar a pontaria. Essa combinação é extremamente explosiva. Eles prestam atenção nisso também. Prestam atenção também na questão do estímulo ao ódio. E, eles têm ombudsman, pagos pelos meios de comunicação, que tem não só a função dos nossos aqui, mas  tem a função de zelar pela veracidade da informação, outro de zelar pela pluralidade da informação, outro de zelar pela quantidade de homens e mulheres entrevistados e na proporção de figuras, de fotografias de homens e mulheres na programação diária. Então, você tem um olhar muito mais refinado do que o nosso aqui e muito mais multifacetado. Observa a coisa como um todo.Aqui, há crimes do ódio, por exemplo. Recentemente na internet tinha uma página que falava: “Essas mulheres estão com uma liberdade sexual que a gente nunca viu antes, que isso é um absurdo e ainda por cima, se permitindo vivenciar modelos de sexualidades diferenciados. Você tem que estuprar uma lésbica para ela aprender a gostar”. Isso é estímulo ao ódio, especificamente. Não tem lei contra isso no Brasil. Quando se denuncia à polícia, os caras mudam o site de endereço. 

Unidade – Qual sua análise sobre a abordagem da mídia quanto às mulheres negras ? 

RM – Nós não temos a diversidade racial. Não temos mulher negra, índia, japonesa, não tem nada. Tem branca, branca, branca e acabou. A coisa é complicada e a gente sabe que os meios de comunicação são educação informal. Então, imagina uma criança assistindo uma programação de uma televisão onde todos os heróis são brancos, onde quando aparece negro ele está, necessariamente na senzala, ou então é bandido. Que imagem que ele formar?   Quem ele vai querer ser quando crescer, se ele não tem um modelo de um médico negro, de um engenheiro negro, de uma mulher trabalhadora negra, bem sucedida e tal? Como é que fica, onde é que ele pega esses modelos que lhe permitem sonhar com aquilo. Por exemplo, a Dilma Rousseff, depois de eleita, disse, logo em seguida, que agora as meninas sonham em ser presidente. Se você não tem uma mulher presidente, como é que você vai brincar de ser presidente? E as mulheres negras também se vêm ali na TV, mas não se vêm retratadas. Temos um modelo de beleza que é absolutamente diferente dos modelos impostos pelos meios de comunicação. Pela mistura de raças que temos, temos peito menor, quadril mais largo, cabelo mais moreno, mais cacheado que fica muito longe do ideal de beleza que a gente tem, que é a Gisele Bündchen. 

Unidade – Você acredita que exista um “branqueamento” das mulheres negras na mídia?

RM – Eu lembro de ter entrevistado uma atriz negra que posou para um outdoor de tecido. Era um tecido estampado lindo e o publicitário achou que na pele negra ficaria bonito. O dono da fábrica de tecidos disse que a foto estava ótima, pagou a atriz, mas disse que não iria para a rua. E por quê? Num país que existe o racismo, mesmo que não assumido, a minha consumidora não vai querer se identificar com uma mulher negra. Então, você tem, por interesses comerciais, por um racismo oculto, envergonhado, o que você acaba tendo é praticamente uma ausência. Sobretudo se você considerar a proporção de mulheres negras na população versus na televisão ou nos diversos meios de comunicação. E quando você tem uma mulher negra na mídia, essa mulher acaba tendo um padrão de beleza mais próximo possível da mulher branca. E as mulheres negras estão muito bravas com isso e têm razão. Assim como vários outros segmentos. Quando a gente fala de mulher, é representativo de vários outros segmentos, por exemplo, as nossas demandas políticas raramente aparecem. No dia 8 de março, nós estaremos nas ruas reivindicando um monte de coisa, mas nos meios de comunicação aparece um flash da passeata e só. Nos outros dias do ano não aparece nada sobre as nossas demandas. 

Unidade – Você acredita que este “preconceito” da mídia ocorra também em relação ao movimento sindical? 

RM – Acontece, sim, a mesma coisa com relação aos trabalhadores. Uma categoria quando está em greve, como aparece na mídia? Aparece somente os problemas que ela provocou a população. Os metroviários fizeram greve e as pessoas não puderam trabalhar, mas o que eles estavam pedindo mesmo? Qual é a situação que eles estão vivendo? Isso não aparece. A situação da mulher negra, dos negros, dos homens negros também, aparece muito pouco e é a mesma coisa que acontece em relação as mulheres lésbicas, o movimento gay. Então, essa visibilidade seletiva acontece em relação a todos os segmentos da população que não lhes interessa, que não vinculem os valores que a mídia majoritária quer veicular. E o que ela quer veicular são valores de um comportamento tradicional, de um padrão de beleza que exige correr atrás de produtos. 

Unidade – Qual sua sugestão para estas mudanças de padrões na mídia?

RM – É fundamental que a gente reveja nossos padrões de educação, desde pequeninho. Aliás, inclusive, com os nossos meios de comunicação. As crianças têm hoje uma vida muito mais sedentária do que tinham antes e as mães acham que as crianças estão mais seguras dentro de casa, assistindo televisão, do que na rua, “onde mora o perigo”. E, dessa forma, as crianças absorvem todos os padrões que a mídia passa, sentadas, comendo os produtos que são anunciados, que são altamente calóricos e pouco nutritivos e começam a ter problemas de obesidade precoce. Isso significa uma série de doenças associadas a um padrão de consumo.

Foto: Bárbara Barbosa

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