No primeiro dia de junho último – um domingo repleto de notícias e imagens, tanto no cenário nacional quanto internacional – faleceu João Habenschuss Filho, aos 84 anos, conhecido no mundo do fotojornalismo como “Peixe”. Apesar da longa convivência profissional que tive com ele, nunca soube o seu nome, pois todos os documentos (papéis oficiais, memorandos, avisos…) que circulavam na redação, provenientes da editoria de fotografia, levavam a assinatura “Peixe”. A origem de seu apelido também era uma incógnita. Seria talvez por causa da lente olho de peixe, ou por seu olhar. Não sei. Nunca ouvi comentários sobree o assunto.
Em sua longa atividade profissional, “Peixe” trabalhou como repórter fotográfico dos Diários Associados (jornais Diário da Noite e Diário de S. Paulo), de O Globo, da Agência Brasil e, por fim, do Diário Popular, onde eu o conheci – ele já como editor de fotografia.
Posso falar dele nos 16 anos que fomos colegas de trabalho e tivemos ótima convivência. Eu como repórter policial e posteriormente na chefia da editoria de Polícia.
No trabalho do dia a dia, além de desenvolver a arte da fotografia, da qual era profundo conhecedor, “Peixe” também usava parâmetros da psicologia. Quando qualquer integrante de determinada editoria ligava para a fotografia solicitando um fotógrafo para acompanhar o repórter, a primeira pergunta que ele fazia era: qual o assunto? Tendo a resposta, escolhia o profissional que julgava ser o ideal para aquele tipo de serviço. Principalmente se o assunto se tratasse de reportagem policial. Tinha consciência do que era importante para o jornal e para o leitor e da precisão do “tic tac” do relógio. Por isso fortalecia a sintonia entre o laboratório e a redação.
A benevolência integrava a vida de “Peixe”. Como chefe da fotografia no Diário Popular proporcionou trabalho para centenas de profissionais. Assegurou emprego para integrantes da velha guarda que raramente tinham espaços no mercado. E também dava oportunidades para os principiantes que almejavam ser futuros profissionais do fotojornalismo. Eu mesmo apresentei um novato para ele. O aprendiz imediatamente colocou seus instrumentos à disposição do jornal.
Na editoria comandada por “Peixe” funcionava realmente uma escola do fotojornalismo (da arte fotográfica). A interação dos profissionais da antiga com os novatos foi positiva. Juntaram-se conhecimento, técnica, imaginação e habilidade, criando um virtuosismo que transcendeu o trabalho local. Transformou-se, ouso qualificar, em uma agência de fotografia, atendendo até os mercados paulista e nacional.
“Peixe” cumpriu a sua missão com muito profissionalismo. Tinha consciência da importância da fotografia numa página de jornal. Para ele, a imagem não era somente uma ilustração da matéria jornalística. A boa foto tinha vida própria, pois, além de registrar momentos, desempenhou papel crucial na mudança de diversos eventos históricos. Valorizava a foto que era feita em frações de segundo, em instantes que não mais se repetiriam. Sabia que por trás da fotografia deveria existir um motivo.
“Peixe” viu o mundo em branco e preto e em cor. De alguns anos para cá, as cores permeavam apenas sua imaginação e lembranças. Perdera a visão em 2020, motor principal para quem ama a arte fotográfica.
O adeus de “Peixe” ficou marcado nos olhos e nos corações das centenas de fotógrafos que tiveram a sorte de trabalhar com ele. Sempre lutou pela categoria do fotojornalismo e esteve ao lado de sua equipe em qualquer situação. Acreditou no freelancer. Entendia que cada um tinha a sua contribuição em uma categoria de profissionais cuja atividade não é composta só de flores, mas também de espinhos pontiagudos.
João Habenschuss Filho deixou esposa, 5 filhos, 10 netos e 6 bisnetos. E uma imensa saudade…