Desembargadora do TRT gaúcho aponta prejuízos à mulher no mercado de trabalho, enquanto ex-presidente da OAB afirma que com as mudanças o ser humano volta a ser tratado como “coisa”
A ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Delaíde Antares vê “um grande retrocesso jurídico e social” na nova legislação trabalhista, com a entrada em vigor da Lei 13.467. “Essa lei teve uma tramitação apressada”, acrescentou, lembrando que peças como o Código Civil, entre outras, levaram anos para serem concluídas. A desembargadora participou de debate no segundo dia da 23ª Conferência da Advocacia Brasileira, nesta terça-feira (28), em São Paulo. A reprovação à lei foi praticamente unânime na mesa.
Ela reagiu a comentários de que os juízes do trabalho iriam se recusar a aplicar a lei. “Vamos aplicar, sim”, afirmou, mas sem abrir mão do direito de interpretar. A ministra destacou que se trata de lei ordinária e ironizou, sendo aplaudida: “Eu costumo brincar que de ordinária tem tudo”. Mais de mil pessoas lotaram o auditório que discute as mudanças na legislação. A juíza refutou quem fala do suposto alto número de processos trabalhistas, afirmando, com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que esse ramo do Judiciário responde por apenas 6% dos litígios.
“Flexibilização de direitos não é solução para a crise. Não foi em nenhum lugar do mundo”, afirmou Delaíde. “O que o Brasil precisa é de crescimento econômico, investimento em educação, cultura, formação, infraestrutura, incremento da produtividade”, acrescentou.
Ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto fez a mesma referência sobre a 13.467, dizendo tratar-se de lei ordinária “em todos os sentidos” e que deve se submeter “ao controle da legalidade”. Para ele, o sentido da lei foi “fazer com que o mau empregador não precise pagar sequer os direitos lesionados”.
Britto sugeriu que os advogados se preparem para as prováveis discussões em torno da lei. “O legislador já concluiu o seu perverso trabalho. A partir de agora, nós, advogados, temos de voltar a estudar mais fortemente, porque os trabalhadores precisarão de nós na busca por direitos”, afirmou, chamando a nova legislação de “aberração”.
Ele lamentou ainda que algumas pessoas, “inclusive algumas que vestem toga”, deixem de ver a Justiça do Trabalho como fator de inclusão social. E disse que a reforma representa um “retorno à servidão”, em que o ser humano é visto como “coisa a ser apropriada pelo menor preço”. Os navios negreiros estão de volta, arrematou. “Esse é o conceito de modernidade? Quanto mais se explora, melhor o país é?”
Menosprezo
A desembargadora Tânia Reckziegel, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região, no Rio Grande do Sul, disse que a “reforma” traz vários prejuízos às mulheres, que historicamente sempre tiveram dificuldade para conquistar avanços e políticas públicas, com lenta inserção no mercado de trabalho. No cotidiano, elas continuam ganhando menos que os homens, mesmo exercendo função equivalente (“Isso a gente vê diariamente no tribunal”), sofrendo discriminação, maior exposição ao trabalho informal e sujeitas a assédio moral e sexual. “O menosprezo às trabalhadoras ainda é um problema cultural em nosso país. Às vezes, são ações muito doídas.”
Ela manifestou especial preocupação com o dispositivo da nova lei que possibilita a gestantes e lactantes exercerem atividades insalubres. “Para mim é o maior dos prejuízos”, afirmou Tânia, acrescentando que além do risco à integridade física existe ofensa ao princípio constitucional da dignidade humana. A juíza lembrou que esse item ainda pode mudar na discussão da Medida Provisória (MP) 808, que muda partes da lei recém-aprovada. A MP recebeu quase mil emendas.
Também para a desembargadora, faltou debate antes de implementar as mudanças. “Lamentavelmente, permanece vivo o conservadorismo dos parlamentares brasileiros, que se mostram refratários a políticas afirmativas de participação feminina na sociedade.”
O presidente da OAB de Minas Gerais, Antônio Fabrício de Matos Gonçalves, acredita que a reforma vai afetar e vedar em grande parte o acesso à Justiça trabalhista. “Vamos ter muito trabalho na compreensão e no entendimento global do texto”, afirmou. Segundo ele, na medida em que trarão perda salarial, as mudanças terão impacto negativo na economia.
O conselheiro federal Bruno Figueiredo, presidente das Comissões de Direito Sindical da OAB federal e de Minas, criticou itens como a exclusão de sindicatos nas homologações, a possibilidade de realizar dispensas coletivas sem negociação prévia e o fim do princípio da ultratividade, pelo qual as normas são mantidas mesmo depois da validade, até renovação da convenção ou acordo coletivo.
Com bancos de horas anual, semestral e mensal, ele acredita que as empresas deixarão de pagar horas extras. E também citou o chamado trabalho intermitente, em que, segundo ele, os empregados não terão mais a garantia do salário no fim do mês, enquanto os custos fixos continuarão os mesmos. O advogado disse recear aumento da inadimplência e mesmo da criminalidade.
Escrito por: Vitor Nuzzi – Rede Brasil Atual
Foto: José Luís da Conceição/OABSP