Na noite desta quinta-feira (26), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) promoveu o seminário Jornalismo, Sim!, que reuniu entidades sindicais, organizações da sociedade civil e docentes da região sudeste do país para debater a proposta da criação de uma Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide) com o objetivo de taxar as plataformas digitais que se utilizam e lucram com o conteúdo jornalístico. O objetivo é destinar os recursos para um fundo de apoio e fomento ao jornalismo.
De acordo com o 1º vice-presidente da Fenaj e diretor do Sindicato dos Jornalistas de SP, Paulo Zocchi, ainda em gestação, o diálogo com as entidades visa a amplificar e trabalhar conjuntamente a proposta, que deverá ser transformada em um projeto de lei a ser apresentado ao Congresso Nacional.
A sugestão em taxar plataformas é uma iniciativa da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) para reverter a queda do investimento nos veículos de imprensa de todo o mundo. Segundo Zocchi, a proposição da FIJ permitiu que a Fenaj formulasse uma sugestão que respondesse às necessidades brasileiras.
De acordo com o diretor do SJSP e da Fenaj, as plataformas digitais são empresas de tecnologia e, por isso, não obedecem às mesmas regras que as empresas de comunicação, que, no Brasil, não podem ser controladas por estrangeiros. Além disso, a própria estruturação do negócio das plataformas tem permitido a demolição das empresas jornalísticas. “A maneira pela qual as redes sociais funcionam faz com que se apropriem do conteúdo jornalístico, em geral a título gratuito, sendo a informação jornalística boa parte do que circula nas redes sociais, turbinando o negócio das plataformas e atacando os veículos de comunicação pela via da circulação paga – sendo mais evidente no caso dos veículos impressos – e, por outro lado, drenam outro tripé de receita das empresas que é a publicidade. E, com isso, vão simplesmente desidratando as empresas de comunicação brasileiras”, explica Zocchi.
Além de afetar o negócio de empresas de comunicação, as plataformas agravaram situações anteriores existentes como a criação de novos monopólios, o aprofundamento dos desertos de notícias, bem como a redução e fechamento de redações. Com isso, a urgência em se adotar medidas políticas cresce e a Fenaj não só se posiciona favoravelmente à criação de projetos que visem a remunerar o uso de material jornalístico como apresenta sua própria proposta.
A proposta da Fenaj
Após reunir-se com diversos especialistas, a Fenaj apresentou o esboço do projeto que, atualmente, está sendo discutido com entidades diversas e que se interessem em construir conjuntamente um projeto de lei que possa ser apresentado ao Congresso Nacional.
A proposta da Fenaj é constituída de quatro aspectos fundamentais e estruturantes, que são:
1. A taxação: Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide)
O projeto apresentado pela Fenaj considera que a forma mais adequada de taxação das plataformas digitais seria a Cide, uma ferramenta fiscal usada para corrigir distorções no âmbito da economia, como as causadas pelas plataformas digitais. Dessa forma, a Cide taxaria as plataformas sobre seu faturamento, criando um fundo de mitigação dos danos causados. A alíquota aplicada sobre as plataformas digitais seria progressiva – de 0,5% a 5% de acordo com o faturamento bruto das empresas – e integralmente destinadas ao Fundo de Apoio ao Jornalismo.
2. Criação do Fundo Nacional de Apoio e Fomento ao Jornalismo
O Fundo, por sua vez, deve ser público, com critérios determinados pela legislação específica, e autonomia, que possibilite a destinação dos seus recursos para a produção jornalística de organizações ou empresas públicas e privadas. O objetivo é de que o Fundo seja capaz de financiar a atividade jornalística a partir dos critérios fixados. Zocchi destacou que as receitas do Fundo podem, posteriormente, advir de outras taxas e contribuições, mas a proposta inicial é de sejam exclusivamente oriundas do Cide.
3. Uso dos recursos
A partir da proposta da FIJ, que estabelece que os recursos do Fundo devam ser destinados prioritariamente à produção nacional de notícias, a Fenaj propôs que o aporte seja dado a projetos que: protejam as condições de vida e trabalho dos jornalistas brasileiros; promovam a democratização da comunicação com produção local e regional de notícias e combata o deserto de notícias e respeite o interesse público e à democracia no critério da produção jornalística e uso para o fortalecimento da pluralidade na produção jornalística com promoção da igualdade de gênero e raça, valorização da soberania nacional e liberdade de imprensa.
4. Composição do Conselho Gestor
A Fenaj sugere ainda que o Conselho seja composto por 18 membros, sendo que dois membros seriam representantes do Executivo Federal, conforme exigido por lei sendo o Ministro das Comunicações e o Ministro da Fazenda; quatro membros do setor empresarial; quatro jornalistas com representatividade nacional; quatro membros ligados à educação e pesquisa jornalística; e quatro membros da sociedade civil de atuação na área.
Debate
Após a apresentação da proposta da Federação, Valci Zuculoto, da Fenaj, mediou o debate entre as organizações presentes.
Arnaldo Cesar, da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e Ana Souto, do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculo de São Paulo (Sated-SP), apresentaram iniciativas em andamento que dialogam com a proposta da Fenaj e dispuseram-se a dialogar na construção e aprimoramento do texto apresentado pela Federação. Enquanto Arnaldo citou projetos de lei correlatos ao tema que estão em tramitação no Congresso Nacional, Ana citou a experiência dos artistas na luta pela conquista de direitos conexos do audiovisual, no qual o Brasil é pioneiro, mas tem sofrido sistemáticos ataques pela retirada desse direito.
Edgar Rebouças, do Observatório da Mídia, pontuou a necessidade de ampliar o escopo do projeto e alertou sobre o foco nas bigtechs consideradas, hoje, chave no processo. Segundo ele, há empresas asiáticas que podem crescer consideravelmente e promover fusões com as atuais plataformas em evidência e, por isso, é preciso mirar ainda mais alto.
Renata Mielle, do Barão de Itararé, elogiou a proposta e considera que o texto ajuda no debate, mas faz uma ressalva de que é preciso tomar cuidado com o apoio de toda e qualquer proposta que vise remunerar a produção jornalística pois há iniciativas desastrosas que não irão promover e aprimorar a circulação do conteúdo.
Já Jota Reis, do Sindicato dos Radialistas de São Paulo, indagou se não seria viável questionar junto ao Supremo Tribunal Federal a imposição de um limite para que as empresas de tecnologia se apropriem do conteúdo jornalístico. Além disso, Reis alertou se a adoção da Cide não pode ser uma taxação que, em algum momento, possa ser suspensa.
Pedro Aguiar da Universidade Federal Fluminense (UFF), Pedro Pomar e Rafael Benaque do Sindicato dos Jornalistas e Paula da Unicarioca sugeriram a inserção de representantes dos estudantes entre os membros do conselho gestor do Fundo. Pedro Aguiar sugeriu ainda a inclusão de associações que representem os profissionais precários e sem diploma entre os membros do Conselho do Fundo. Já Pedro Pomar pontuou a necessidade de incluir outras categorias que atuam conjuntamente com os jornalistas no segmento de produção de notícias e informações, como os radialistas. Além de ressaltar a necessidade de aproximar os estudantes do Conselho, Rafael Benaque alertou que é necessário cuidado para que a Cide não incentive que as plataformas privilegiem conteúdos tendenciosos ou promovam ainda mais conteúdos de fakenews.
José Augusto Camargo, da Fenaj, ressaltou a importância do debate, que pode ultrapassar fronteiras. Guto destacou ainda que o projeto elaborado será o ideal, no entanto, a proposta aprovada será fruto dos acordos firmados no Parlamento.
Victor Pagani, do Dieese, apoia a proposta da Fenaj e considera importante a defesa do exercício profissional. Para debater estratégias, Victor sugeriu que a Fenaj se aproximasse de grupos que fazem discussões no combate à malefícios causados por oligopólios que causam danos, como é o caso do setor de fumo e bebida alcoólica. Além disso, Victor ressaltou a importância da proposta uma vez que o setor de tecnologia cresce sem gerar crescimento do emprego formal, o que prejudica, entre outras coisas, a seguridade social. Neste sentido, Victor reforça que é necessário criar uma tributação que reequilibre e gere alguma simetria econômica a partir dos danos causados pelo setor.
Serviço
O seminário “Jornalismo, Sim!” é realizado pela FENAJ e pelos sindicatos filiados, com apoio da Fundação Friedrich Ebert, da Union to Union (UTU) e da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ).
Confira as datas dos próximos eventos online (horário de Brasília):
30 de agosto – segunda-feira – 20h30 – Centro Oeste
31 de agosto – terça-feira – 20h – Norte