Veio de Saravejo, na Bósnia e Herzegovina, uma informação esperada há décadas, com a identificação da primeira ossada da vala clandestina de Perus, após a retomada dos trabalhos de investigação, em 2014. A instituição contratada confirmou o nome à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, que participa do esforço conjunto de análise das 1.048 ossadas encontradas no Cemitério Dom Bosco, em Perus, região noroeste de São Paulo, em setembro de 1990.
O nome confirmado é o de Dimas Antônio Casemiro, militante e dirigente do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), morto em abril de 1971 em São Paulo, aos 25 anos, e enterrado como indigente em Perus. O seu nome já constava como um dos prováveis desaparecidos no local. Natural de Votuporanga, no interior paulista, Dimas teve um irmão mais velho, Dênis, da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), executado em maio do mesmo ano.
“Em tempos de nova intervenção militar, não haveria melhor notícia para renovar esperanças e a força de resistência”, comemorou, em rede social, Carla Borges, ex-coordenadora de Direito à Memória e à Verdade da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo. “Hoje temos o primeiro fruto concreto desse trabalho tão lindo quanto difícil. Valeu o suor de cada caixa carregada, cada noite mal dormida e o calor de cada briga.”
Depois de um período em que as ossadas ficaram abandonadas, ameaçando qualquer possibilidade de identificação, em outubro de 2014 foi criado o Grupo de Trabalho Perus (GTP), envolvendo as secretarias nacional e municipal de Direitos Humanos, a Comissão Especial e a Universidade Federal de São Paulo. Dessa parceria, também ameaçada com as mudanças de governo no país e na cidade, surgiu o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), responsável pela análise do material – parte dele foi enviada em setembro do ano passado ao país do Leste Europeu para análise do material genético por parte da ICMP, que tem laboratório especializado.
Em 14 de setembro, quando as amostras foram entregues ao laboratório, o coordenador científico do GTP, o perito Samuel Ferreira, disse que aquele momento era um marco histórico, “porque chegamos finalmente à etapa de dar respostas às famílias que esperaram durante mais de 45 anos para localizar e identificar seus amados”. E ali se dava, segundo ele, “outro importante passo quanto a temas como memória, verdade, justiça e direitos humanos”.
Ele viajou ao lado de Helder Nasser, sobrinho de Edgar Aquino Duarte, desaparecido em 1973. O material foi entregue ao diretor do ICMP Thomas Parsons. Até agora, foram coletadas 77 mostras de sangue de familiares de 33 desaparecidos. Aproximadamente 700 das mais de mil ossadas foram analisadas no centro forense.
Segundo a Unifesp, a confirmação definitiva foi concluída na última sexta-feira (16), após o GTP receber os resultados de exames de DNA. “Os resultados indicaram vínculo genético entre os restos mortais pertencentes a um dos casos enviados e as amostras sanguíneas dos familiares de Dimas”, diz a universidade. O laudo foi trazido para o Brasil por Parsons.
“Com esse resultado, o GTP e as entidades que o compõem apresentam resposta concreta à sociedade e especialmente aos familiares de mortos e desaparecidos políticos, os quais, no caso da família de Dimas, poderão finalmente render-lhe honras funerárias e encerrar dignamente o seu processo de luto”, afirma a presidenta da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), a procuradora da República Eugênia Gonzaga. A Unifesp informou ainda que, por solicitação dos familiares, as identidades e contatos serão preservados.