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Justiça separa mães de filhos com base em machismo institucional e poder econômico

Justiça separa mães de filhos com base em machismo institucional e poder econômico


Maioria dos casos de perda da guarda ocorre quando a mãe toma a iniciativa da separação. “Nenhuma apresenta problemas mentais ou envolvimento com crimes”, diz jornalista que lança livro sobre o problema


O machismo institucional impetrado nas famílias e no sistema judiciário, somado à morosidade dos processos e ao poder econômico de algumas famílias levaram pelo menos 300 mães, que se reúnem em grupos de ajuda, a perderem a guarda de seus filhos e a ficarem proibidas de verem as crianças por meses e até anos. Sem terem cometido crimes ou posto a segurança dos filhos em risco, elas são vítimas de decisões consideradas raras e muitas vezes injustas por especialistas no tema.

“Quem nunca viu mãe perder a guarda de filho é porque viu poucos pais entrarem na Justiça para pedi-la”, defende a jornalista Adriana Mendes, de 46 anos, há 12 anos separada de sua filha por uma decisão judicial considerada injusta por especialistas. “Mantenho contato com centenas de mães na mesma situação. Em todos os casos que conheço foram elas que tomaram a iniciativa de se separar dos pais de seus filhos. Nenhuma apresenta histórico de problemas mentais ou envolvimento com crimes e drogas. Todas trabalham.”

Depois de mais de uma década de brigas na Justiça e de ter perdido dois imóveis e um carro para pagar processos e honorários de advogados, Adriana reuniu as histórias que encontrou no livro É Tudo Verdade Mesmo, que será lançado pela editora Liminar. Para publicar o livro até julho, na sua data inicial, ela iniciou um financiamento coletivo para o projeto por meio da plataforma Catarse.

O livro reúne histórias dramáticas e angustiantes, a maioria delas sem final feliz. Em um dos casos, a mãe – que não será identificada para preservar sua imagem – teve a filha levada pelo pai para viver em Portugal. “Ela ficou seis anos sem ver a menina e quando conseguiu ir até lá o pai não deixou que ela visse a criança, porque recebeu uma denúncia de que ela tentaria fugir coma filha”, conta Adriana, que vive hoje em São Paulo, mas morou com a filha em Santos, no litoral sul paulista.

“A primeira mãe que conheci era fotógrafa, estava grávida do segundo casamento e tinha perdido a guarda de seu primeiro filho, que passou a morar em Brasília. Nesse processo ela descobriu um câncer e, mesmo doente, tinha que ir a cada 15 dias para Brasília para a visita. Ela foi uma das poucas que conseguiu rever a situação e em tempo recorde: 9 meses. Mas morreu quatro meses depois”, lembra Adriana. “Outra mãe, do Recife, ficou dois anos sem ver o filho morando na mesma cidade. Ela me disse: ‘se prepare, porque quando eles voltam são outras pessoas.’”

“Muitos dos pais querem a guarda para não pagar pensão. Em muitos casos, os pais, quando conseguem a guarda, mudam de cidade. Às vezes a mãe fica anos sem ver o filho, porque demora até marcar a audiência”, diz. “Todas nós perdemos emprego, dignidade e gastamos muito dinheiro com advogado, perícias, assistente social e psicólogo forense. Sempre ouvimos: ‘nossa, mas o que você fez para perder a guarda? Nem puta perde a guarda’. Fica sempre essa sombra, que mostra grande preconceito, como se ser prostituta fosse a pior coisa do mundo.”

O advogado especialista em direitos da criança e membro do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana (Condepe), Ariel de Castro Alves, avalia que a retirada de guarda das mães não são decisões corriqueiras da Justiça, mas quando ocorrem geram grande sofrimento para as famílias.

“As mulheres têm tratamento prioritário na manutenção da criança. Mesmo com a guarda compartilhada a sede de residência acaba sendo a casa da mãe”, diz. “São casos de extremo sofrimento para as mães e principalmente para as crianças que têm uma relação materna muito forte e não conseguem entender porque foram separadas do convívio com a mãe.”

Adriana lembra, de forma traumática, como foi obrigada a se separar de sua filha: “quando minha filha tinha 3 anos o pai pegou ela nas férias, entrou com pedido de guarda e não me devolveu mais. Ficou viajando com ela por várias cidades para eu não encontrá-los. Marquei uma audiência com provas e recuperei a guarda”, conta.  A partir daí, os dois regularizaram as visitas e o conflito, aparentemente, havia se acertado.

Meses depois, em julho daquele ano, Adriana foi ao Chile entrevistar a então ministra da Defesa chilena, Michelle Bachelet, cotada para ser a primeira presidenta mulher da América Latina, em um contato agilizado por um antigo namorado de faculdade que vivia no país. A filha ficou com o pai durante a viagem e depois retornou para a casa da mãe.

Em agosto, a filha foi comemorar o dia dos pais junto ao ex-companheiro de Adriana, que vive em Ribeirão Preto, filho de uma família bastante influente na cidade. “Ele me pediu para levá-la na Rodoviária, porque ele estava sem carro. Fiz isso, mas o vi entrando com minha filha no carro de sua namorada e achei muito estranho. Na hora que fui buscar minha filha ele não atendia. Sumiram e só entraram em contato para avisar que já tinham a guarda.”

Para a Justiça, o ex-companheiro de Adriana defendeu que ela foi para o Chile sem avisar porque tinha um namorado lá e planejava uma fuga com a criança. “Na iminência de fuga a vara da família reverte a guarda”, conta a Adriana. Mesmo apresentando e-mails com trocas de conversas sobre o trabalho e as passagens de ida e volta, a jornalista não conseguiu reverter a decisão da Justiça: pior, entre os prazos processuais e audiências foram exatos um ano, 11 meses e 27 dias distantes da filha, até que se regularizassem as visitas.

A partir daí, teve início uma batalha judicial que levou mais de uma década e envolveu uma dezena de advogados. “Ouvi argumentos que eu exercia uma forte influência sobre a criança, que eu morava na casa de desconhecidos de favor e que ela não tinha lugar para dormir, nem vida social. Apresentei contrato de aluguel em meu nome, fotos do quarto dela, e atestado da escola de ballet e da escola tradicional. O juiz nem viu. O meu tem 10 volumes, mais de 5 mil páginas, ele só vê o final. Agora me conformei que vejo minha filha de 15 em 15 dias”, lamenta.

Escrito por: Sarah Fernandes – Rede Brasil Atual
Foto: Arquivo/Rede Brasil Atual

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