É preciso respeitar para ser respeitado, diz a sabedoria popular. Sentença que aplica-se à risca aos veículos de comunicação e aos jornalistas que tiveram dificuldades para cobrir o ato religioso e as manifestações políticas realizadas em São Bernardo, no sábado, 7 de abril. As restrições impostas a eles pelo público nada mais foram do que uma resposta aos ataques permanentes e constantes desses meios, por meio dos seus profissionais, aos partidos de esquerda, aos movimentos populares e, neste caso, ao seu principal líder, o ex-presidente Lula.
Disse em outra oportunidade que os jornalistas brasileiros, diante do reduzido e concentrado mercado de trabalho, dividem-se em três grupos distintos. Os sabujos caracterizados por serem porta-vozes dos seus patrões e que, muitas vezes, para bajulá-los sobem o tom e vão além das expectativas daqueles que pagam seus salários. São, por exemplo, os comentaristas políticos da Globonews.
Num segundo grupo estão os que fazem seu trabalho profissional conscientes dos limites impostos pelas empresas mas tentando, dentro desses limites, agir com dignidade, o que não é fácil. Travam uma luta diária entre as obrigações e a consciência. A impressão que se tem é que são cada vez mais raros.
O terceiro agrupamento é formado pelos que romperam com esses limites, deixaram os meios tradicionais e foram buscar formas alternativas de exercer um jornalismo honesto, comprometido com os interesses mais amplos da sociedade. São os que, em muitos casos, têm de viver de outras fontes de renda. Montam sites e blogues, fundam revistas e formam coletivos capazes de ampliar, com competência, a restrita circulação de informações existente no país. Estão todos na internet, com raras exceções como a Rádio Brasil Atual e a TVT, a TV dos Trabalhadores, funcionando com sinais abertos.
A cobertura dos acontecimentos em São Bernardo evidenciou esses três tipos de jornalismo e de jornalistas. Os primeiros, encastelados em estúdios e redações, deitavam regras sobre os acontecimentos, comentando por meio de seu viés político conservador os sons e as imagens que vinham da região do ABC paulista.
Deu-se aí um fato inédito: a Globo não se atreveu a colocar suas câmeras e seus repórteres no chão dos acontecimentos, sendo obrigada a por no ar imagens da TVT, sem o consentimento dessa emissora. Os comentaristas, não só da Globo, mas também de outras televisões e rádios, comportavam-se como torcedores pedindo, por exemplo, uma ação policial contra os manifestantes que impediam a saída do carro com Lula da sede do Sindicato dos Metalúrgicos ou afirmando que o ex-presidente estava “foragido”, mesmo que ele estivesse à vista de todos. Um jornalista chegou a escrever na Folha de S.Paulo que era pequeno o número de pessoas em torno do Sindicato quando as fotos do mesmo jornal o desmentiam.
O segundo grupo de jornalistas, sem a mesma evidência, preparava nas redações os vídeos e os textos a serem publicados pelos veículos em que trabalham. Submetiam-se à linha editorial dos seus empregadores, fechando de forma unânime a favor da prisão do ex-presidente, dando sua contribuição para a aversão vista nas ruas aos veículos em que trabalham. Exceção significativa foi o Jornal do Brasil, criticando em editorial a decisão da justiça.
Coube ao terceiro grupo de jornalistas a transmissão fiel dos acontecimentos do São Bernardo. Destaque para a já mencionada cobertura da TVT. Só nela foi dado ao telespectador a possibilidade de sentir-se no local dos acontecimentos, ouvindo os discursos sem interrupções. A emissora conquistou recordes de audiência, mostrando mais uma vez a necessidade de alternativas em relação às TVs comerciais. Há um grande público à espera dessa possibilidade.
Imagens do coletivo Mídia Ninja também foram importantes, com destaque para o início da noite, quando o ex-presidente se preparava para deixar o Sindicato. A tensão daquele momento transitou com vigor pelas telas dos “ninjas”.
Ao afastarem a mídia tradicional do local dos acontecimentos, os manifestantes deram uma resposta firme ao desrespeito com que são tratados por ela cotidianamente. E fizeram lembrar as assembleias da Vila Euclides, na mesma São Bernardo, ao final dos anos 1970. Recebida cordialmente nos primeiros encontros, a Rede Globo passou a ser, aos poucos, contestada. Os trabalhadores começaram a perceber que os atos dos quais participavam eram distorcidos ao assistirem, à noite, o Jornal Nacional. Foi aí que surgiu o refrão “o povo não é bobo, fora a Rede Globo”, repetido seguidamente cerca de quarenta anos depois quase no mesmo local.