Na tarde desse sábado (1ᵒ), o grupo de trabalho (GT) “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical da Comissão Nacional da Verdade” promoveu no Teatro Cacilda Becker, em São Bernardo do Campo, um ato em homenagem aos trabalhadores vítimas da ditadura, do qual o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Paulo (SJSP), José Augusto Camargo (Guto), o secretário geral André e Freire e o diretor da Corfep, Douglas Mansur participaram. O SJSP tem uma Comissão da Verdade de Justiça do SJSP, onde tem apurado relatos de diversos jornalistas que foram perseguidos e torturados no regime militar.
No dia 31 de março de 1964, os militares iniciavam um golpe contra o governo legalmente eleito do ex-presidente João Goulart, conhecido como Jango, que assumiu o poder após a renúncia de Jânio Quadros. O que viria a seguir se tornou uma das maiores manchas na história do Brasil, com o Estado comandado pelas Forças Armadas à frente de perseguições, torturas e assassinatos.
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Logo na entrada, homens e mulheres indicados pelas centrais receberam um diploma como forma de agradecimento pela luta em defesa da democracia no Brasil. Um dos homenageados pela CUT foi o jornalista e diretor do grupo Oboré, Sérgio Gomes, homenageado pela CUT, que escapou por pouco da morte pelas mãos dos militares.
No início da década de 1970, Gomes integrou uma comissão de jornalistas e artistas que fundaram o Oboré para fazer a comunicação das entidades sindicais e ajudá-las a organizar uma imprensa própria. “Eu fui preso em 1975 e só não fui morto porque antes mataram o Vladimir Herzog, que estava preso junto comigo e era uma pessoa importante, muito bem relacionada, que comandava o departamento de jornalista da TV Cultura. Ao matarem o Vlado, se produziu uma grande revolta na sociedade e aí várias pessoas foram salvas”, lembra.
Empresas colaboraram com a ditadura – Ex-funcionário da Mercedez, preso com o ex-presidente Lula, em 1980, e um dos organizadores do encontro, o diretor da Associação dos Metalúrgicos Aposentados Anistiados do ABC (AMA-A/ABC), Djalma Bom, defendeu que a classe trabalhadora foi a maior vítima dos crimes praticados pela ditadura.
Para desestabilizar o movimento sindical, lembrou, o regime militar utilizou entre seus mecanismos o fim da estabilidade no emprego, intervenções nos sindicatos, arrocho salarial e prisões de lideranças. Além disso, infiltrava agentes nas empresas.
“Vários diretores do sindicato foram cassados, presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional. E algumas empresas de São Bernardo tornaram-se verdadeiros quartéis do exército. A Mercedez Benz tinha o general Queiroz para fazer contato com a diretoria do nosso sindicato. A Mercedez tinha como chefe de segurança o major Saturnino Franco. Se fala muito em Lula, Djalma Bom, em Vicentinho e Zé Ferreira, mas não podemos esquecer que centenas de ativistas foram perseguidos, presos e demitidos por justa causa de seus empregos por conta das malditas listas negras das empresas”, recordou.
Djalma Bom conta que quando foi preso por conta da militância, encontrou vários agentes da Polícia Federal na cadeia. “Eles estavam infiltrados no movimento com carteiras assinadas e esquentadas pelas empresas. Quando fomos presos perguntamos, ‘mas, como? Vocês estavam conosco fazendo piquete!’ E eles diziam, “aqui é outro caso, vocês ficam para lá e nós para cá, porque vocês são nossos presos.”Djalma Bom apontou como as empresas colaboraram com a ditadura (Foto: Roberto Parizott
Ex-ajudante de produção da Volkswagen e da Mercedez e atual dirigente do PCdoB, João Batista Lemos contou como era atuar no movimento sindical antes da redemocratização.
“Em 1980, como tinha relação com o sindicato (Metalúrgicos do ABC), fui orientado a morar longe da fábrica da Volks para a repressão não controlar a gente. Eu não era nem diretor, era da base, mas, mesmo assim, soube que era o segundo nome em uma lista de 30 ativistas sindicais entregue pela empresa ao DOPS (Departamento de Ordem Política e Social, onde ocorreram muitas das torturas de militantes contra a ditadura). Minha militância fez com que eu fosse demitido da Volks e depois consegui entrar na Mercedez. Quando descobriram quem eu era, me deslocaram no pátio da fábrica, onde recebia as peças e ficava isolado dos demais trabalhadores. Até ser demitido de novo”, lembrou.
Responsabilizar os patrões – Com a comprovação de que o golpe foi cívico-militar e não apenas responsabilidade das Forças Armadas, o deputado estadual e presidente da Comissão Estadual da Verdade “Rubens Paiva” Adriano Diogo (PT-SP) destacou que a Comissão Nacional da Verdade (CNV) deva apontar a responsabilidade também dos patrões.
“Sem as multinacionais que preparam, financiaram, usufruíram do golpe e fizeram listas de trabalhadores e dirigentes sindicais para entregar aos militares, o regime não teria a força que teve e nem durado quanto durou. Pela punição aos torturadores, pela identificação do papel das empresas na ditadura e pela abertura definitiva dos arquivos dos militares”, cobrou.
A coordenadora dp grupo dos trabalhadores dentro da CNV, Rosa Cardoso, alertou que, para isso, seria necessário uma atuação mais ampla da comissão.
“Estamos lutando por um processo de Justiça, mas é preciso ter clareza de que não alcançará empresas, porque apenas podemos criminalizar pessoas. Precisaríamos fazer uma construção especial como Argentina e Chile estão fazendo, para buscar reparação das empresas”, explicou.
Heranças da ditadura – Ao contrário do previsto pela organização, o ex-presidente Lula não pode participar do ato por conta dos exames que realizou no mesmo dia na capital paulista.
Diante de um auditório tomado por cerca de 500 pessoas com vários anos de serviços prestados à classe trabalhadora, o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho (PT), ressaltou a responsabilidade da imprensa em mostrar à juventude quantos trabalhadores pagaram com a vida pela democracia brasileira, uma maneira de impedir que novas ditaduras tomem conta do país. Ele tratou também da importância de combater as heranças do período de repressão.
“É fundamental olharmos as ditaduras vigentes, porque somos vítimas de uma ditadura da comunicação. Não é possível dar continuidade a um monopólio tão grande em nosso país. Devemos lembrar do passado para nunca mais termos uma ditadura militar, mas também devemos olhar para o presente para que garantirmos o acesso à informação. Outro segmento que precisa passar por um processo de democratização é o Judiciário brasileiro, que determina ao Congresso Nacional e aos partidos políticos como agir e impõe barreiras ao movimento sindical por meio de penalidades e multas, como forma de impedir a luta”, criticou.
Secretário-Geral da CUT, Sérgio Nobre, destacou os avanços da democracia brasileira, mas ponderou que ainda é um processo inacabado. “Avançamos na democracia política, no direito de votar, mas esta luta estará incompleta enquanto não houver democracia nos locais de trabalho, onde ainda impera a ditadura do patrão, onde o trabalhador não pode falar e discordar. E apesar de todos os avanços sociais nos últimos anos, ainda há muita gente para incluir. Enquanto um único brasileiro estiver passando fome, nossa luta não estará completa”.
Reformas pendentes – Homenageado em nome do pai, João Vicente Goulart, lembrou que o Brasil ainda está em dívida com o povo brasileiro ao não promover as reformas que tiraram João Goulart do poder.
“As reformas tributária, urbana, educacional, bancária, a lei de remessa de lucros são mudanças que este país, 50 anos depois, ainda precisa fazer. É necessário que exumemos as reformas de base para que possamos avançar pelos trabalhadores e por aqueles que ainda são marginalizados. A democracia venceu, mas ainda fala justiça social”.
Papel da Comissão da Verdade – Secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, acredita que a manifestação em São Bernardo foi a primeira de muitas mobilizações para marcar um ano em que a Comissão Nacional da Verdade encerrará o
levantamento sobre os atentados aos direitos humanos durante a ditadura.
“Este ato numa cidade que começou a incendiar as greve e as lutas é um passo muito importante para enterrar de vez o regime militar. Iniciamos este ano registrando nossa indignação e nossa exigência de que a Comissão oriente em seus relatórios a punição aos militares que cometeram crime lesa-humanidade. Porque é essa impunidade que dá liberdade aos militares de hoje para torturarem e para que tenhamos péssimas condições nos presídios. Esperamos que possamos repetir atos como esse em vários lugares do país”, ressaltou.
Durante os próximos meses, o GT dos trabalhadores já tem manifestações semelhantes agendadas no Pará, Bahia, Ceará, Goiás, Porto Alegre e Vale do Paraíba, em São Paulo.
Para as vítimas da ditadura, como o jornalista Sérgio Gomes, o essencial é que o Estado assuma sua responsabilidade e a punição alcance os mandantes dos crimes.
“O importante é a identificação da cadeia de comando, perceber que é o regime ditatorial que engrenda a ditadura, a tortura e que havia pessoas no comando disso. É essencial mostrar os instrumentos, mas também como as várias forças na sociedade brasileira ser articularam para dar o golpe”.
Escrito por: Luiz Carvalho CUT/SP. Fotos Douglas Mansur