É mito o suposto déficit da Seguridade Social que o governo Bolsonaro tem propagado para justificar a “reforma” previdenciária, afirma o sociólogo Victor Pagani, coordenador técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Na palestra A realidade da Previdência. Déficit: fato ou fake?, realizada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) na noite desta quarta (27), Pagani apresentou, entre outros dados e estudos, um gráfico mostrando que as contas da Seguridade foram superavitárias na década entre 2005 a 2015, como mostra a imagem abaixo, e que a situação mudou somente a partir de 2016 com a crise econômica (confira a íntegra da apresentação)
“Durante muito tempo a seguridade garantiu o superávit primário. Devido a políticas econômicas equivocadas é que isso se inverteu nos últimos anos”, disse o sociólogo. Entre os pontos que levaram à atual situação das contas da Previdência Social, o coordenador técnico do Dieese aponta o corte de investimentos do governo federal, o aumento das renúncias e isenções fiscais, os juros altos e a redução do crédito público.
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Caso seja aprovada, a PEC 06/2019 vai afetar profundamente todas as categorias de trabalho, dificultando o acesso à aposentadoria com aumento da idade mínima e do tempo de contribuição, e com redução drástica no valor do benefício. A proposta atinge diretamente os jornalistas ao aumentar a contribuição para quem ganha acima de R$ 4.500 e também ao criar um regime de capitalização, privatizando a Previdência com a transferência das contribuições a bancos sem garantir que, após décadas, o trabalhador terá acesso ao benefício na velhice.
Para trabalhadores urbanos, a idade mínima continua 65 anos para os homens e aumenta para 62 anos no caso das mulheres, com tempo de contribuição progressivo para ambos a partir de 2020. Porém, a proposta ainda permitirá o aumento da idade mínima a cada quatro anos se houver aumento da expectativa de vida.
“A PEC 06/2019 desconsidera as desigualdades entre mulheres e homens, entre trabalhadores rurais e urbanos, entre professores e as demais categorias, entre setor público e privadi, e ainda desvincula o benefício do valor do salário mínimo”, diz Pagani. O sociólogo também alertou que essa desconstitucionalização da Previdência vai permitir outras mudanças sem a necessidade de PEC, apenas por lei complementar e maioria simples no Congresso Nacional.
Entre outras alterações, a “reforma” previdenciária também vai restringir o abono salarial para quem recebe salário mínimo, vai limitar a acumulação de benefícios, e reduzir o Benefício de Prestação Continuada (BCP), que é pago a pessoas com deficiência e idosos de famíllias em situação de miserabilidade, dos atuais R$ 998 para R$ 400.
Benefício reduzido e “pedágio” nas regras de transição
Pelas regras atuais, o benefício da aposentadoria é calculado considerando 80% das maiores remunerações desde julho de 1994. Com a PEC 06/2019, o calculo será pela média de todas as contribuições no mesmo período, levando ao rebaixamento do pagamento, explica Pagani.
Pela nova proposta, o valor do benefício é de 60% da média de todas as contribuições mais 2% a cada ano após 20 anos de contribuição, enquanto na regra atual o valor mínimo do benefício é de 85% considerando a média de 80% dos maiores salários. Na prática, para receber 100% do benefício, seria necessário contribuir por 40 anos.
Quanto às regras de transição para o novo regime, Pagani explica que a PEC propõe um “pedágio” combinado a um fator previdenciário. Por exemplo, uma jornalista, que em 2019 tem 55 anos de idade e 28 de contribuição, se aposentadoria em 2021 pelas regras atuais e recebendo 100% da média das maiores contribuições pagas ao longo de sua carreira. Com a PEC 06/2019, o “pedágio” é de 50% do tempo restante, ou seja, a aposentadoria fica para 2022 e a trabalhadora receberia apenas 67% da média de todas as contribuições pagas desde julho de 1994.
A proposta apresentada pelo governo Bolsonaro traz outro ponto que não tem relação qualquer déficit, ressalta Pagani, que é acabar com o recolhimento do Fundo de Garantia de quem continua trabalhando após se aposentar e desobrigar o pagamento da multa de 40% em caso de demissão.
“Isso não tem relação nenhuma com as contas previdenciárias. É um presente que estão dando para as empresas. É o chamado ‘jabuti’ que se costuma colocar no projeto depois pelo Congresso, mas neste caso já veio com um ‘contrabando’ do próprio Executivo. A intenção é reforçar o apoio do empresariado à reforma”, afirma o técnico do Dieese.
> Acesse a apresentação do Dieese: PEC 6/2019: a demolicação da Previdência pública
Criando alarmismo fake, PEC ignora alternativas para equilíbrio das contas
Segundo Pagani, para criar alarmismo e tentar justificar a “reforma”, o atual governo tem inflado dados da Desvinculação de Receitas da União (DRU), mecanismo que permite que o governo federal utilize livremente 30% da arrecadação de recursos, a maioria tendo como fonte contribuições sociais tais como a previdenciária.
A DRU foi criado em 1994, na época chamada de Fundo Social de Emergência (FSE), instituída para estabilizar a economia depois do Plano Real, mas desde então tem sido usada para outros fins. Parcela significativa dos recursos é transferida para pagamento de juros a pessoas físicas e jurídicas que investem em títulos públicos, explicou o sociólogo.
Além de desconsiderar o peso dessa transferência para pagar juros da dívida pública, a PEC ignora outros caminhos para equilíbrio das contas, critica Pagani. Para ele, as mudanças na Previdência deveriam ser acompanhadas de uma reforma tributária para incrementar a Seguridade Social, por exemplo, criando um imposto sobre grandes fortunas.
O sociólogo ainda defendeu mecanismos para evitar a sonegação fiscal e para cobrar as empresas devedoras, medidas que passam longe da PEC defendida pelo governo Bolsonaro. “Quem já ficou devendo Imposto de Renda sabe o que acontece, assim como quem deve IPVA. Então, como não há mecanismos para fiscalizar as empresas?”, questionou.
Mobilização contra a PEC é fundamental
Presidente do Sindicato dos Jornalistas, Paulo Zocchi ressaltou que a análise do Dieese deixa claro “que o déficit geral é uma cascata, pois o desequilíbrio dos últimos anos vêm de uma recessão profunda. A PEC é para beneficiar os bancos, o capital financeiro e empresariado em geral. Os bancos vão ficar 30 anos com seu dinheiro sem que você tenha certeza de que vai receber no fim da vida”, criticou o sindicalista.
Para dialogar com a categoria, o SJSP elaborou um jornal específico para distribuir nas redações. “Temos a tarefa de debater, conscientizar e dizer o que está acontecendo. Queremos construir novamente uma greve geral como a que ocorreu em 2017 e que impediu que o governo Temer aprovasse a reforma da Previdência. O momento é de defesa da Previdência, da Seguridade, de debater com os jornalistas para derrubar totalmente essa reforma e não deixar a PEC passar”, afirmou o presidente da entidade.
Zocchi recordou que o engajamento da categoria contra as mudanças é essencial, pois a PEC 06/2019 representa mais uma perda para os jornalistas, que já perderam o direito à aposentadoria especial durante o governo Fernando Henrique, revogada em 1997 pela Lei nº 9.528, e até hoje lutam na Justiça por um cálculo diferenciado dos anos trabalhados anteriormente.