As Medidas Provisórias 927 e 936, editadas pelo presidente da República como resposta à pandemia de coronavírus, adotam medidas em favor das empresas, em detrimento de condições dignas de trabalho, permitindo a redução dos salários e dos direitos trabalhistas em todos os setores da economia. Embora sejam destinadas prioritariamente a empresas duramente afetadas pela crise sanitária, empresas jornalísticas em todo o país tentam reduzir direitos trabalhistas de seus empregados ao determinar, unilateralmente, redução de salário e de jornada por meio de acordo individual, suspensão do controle de jornada, adiamento em pagamentos de férias e outras medidas contidas nas MPs.
Para a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a MP 927/2020 vai na contramão de medidas protetivas do emprego e da renda que estão sendo adotadas pelos principais países atingidos pela pandemia, tais como França, Itália, Reino Unido e Estados Unidos. Em nota, a entidade reiterou que “a MP nº 927, de forma inoportuna e desastrosa, simplesmente destrói o pouco que resta dos alicerces históricos das relações individuais e coletivas de trabalho, impactando direta e profundamente a subsistência dos trabalhadores, das trabalhadoras e de suas famílias, assim como atinge a sobrevivência de micro, pequenas e médias empresas, com gravíssimas repercussões para a economia e impactos no tecido social.”
Ao privilegiar acordos individuais sobre convenções e acordos coletivos de trabalho, a Anamatra reitera que as MPs violam a Convenção 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil (e, portanto, com valor legal em nosso país), e a Constituição Federal, que reconhece as convenções e acordos coletivos de trabalho como autênticas fontes de direitos humanos trabalhistas. A proposta de redução de salário por acordo individual contida na MP 936 fere explicitamente a Constituição, que prevê a irredutibilidade do salário, salvo disposto em convenção ou acordo coletivo.
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), aceitou parte da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo partido Rede Sustentabilidade contra a MP 936, e considerou que acordos individuais sobre redução de jornada e salário ou suspensão do contrato de trabalho só serão válidos se os sindicatos forem comunicados e puderem manifestar a sua determinação de negociar coletivamente. A decisão ainda passará pelo plenário da Corte e, segundo o ministro, se o sindicato não se manifestar após receber a proposta das empresas, o acordo individual será válido.
A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), entidade máxima de representação dos jornalistas, afirma em nota que as relações de trabalho são de âmbito coletivo e, por conseguinte, direitos e deveres devem ser sempre ser acertados por acordos coletivos entre os sindicatos (que expressam a vontade organizada da categoria) e as empresas.
Em concordância com o entendimento da Anamatra, a FENAJ considera que acordos individuais não devam ser reconhecidos como expressão de negociação trabalhista – já que o empregador tem poder de mando – e reitera que a redução salarial por acordo individual é inconstitucional e que, caso seja imposta, poderá ser contestada na Justiça.
Levantamento preliminar da FENAJ com sindicatos de jornalistas de todo o país denuncia a adoção das medidas das MPs por parte das empresas jornalísticas, retirando e flexibilizando os direitos da categoria, mesmo que sob a vigência do Decreto Federal 10.288, que estabeleceu o jornalismo como “atividade essencial” neste momento de pandemia de coronavírus, como ferramenta fundamental para informar a sociedade a respeito da doença.
Veja abaixo a adoção de medidas que retiram direitos dos jornalistas em alguns estados brasileiros.
Bahia
Em seu site, o Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba) denuncia a imposição de férias coletivas aos jornalistas no Estado sem negociação com o sindicato e sem o pagamento do adicional de 1/3 do salário, com base na MP 927. Diante da situação, o sindicato oficiou as empresas e solicitou que a concessão de férias seja feita de forma negociada.
“As empresas estão se amparando na crise da covid-19 para precarizar mais ainda as relações de trabalho. Colocar o trabalhador de férias sem conversar com ele, além de não pagar sequer o adicional do salário, é uma medida desumana e antitrabalhista”, diz o presidente do Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba), Moacy Neves.
Espírito Santo
No Espírito Santo, a Record News impõe a redução de jornada e salário em 25% por meio de acordo individual. O Sindijornalistas/ES moveu ação contra a empresa e, em decisão preliminar, a Justiça proibiu a redução dos salários, sob pena de multa mensal equivalente ao dobro do valor reduzido, por trabalhador envolvido, que poderá ser majorada ou reduzida em caso de se tornar insuficiente ou excessiva. A previsão de redução salarial e de jornada consta no artigo 2º da MP 927.
Além disso, a TV Vitória, afiliada da TV Record no estado, demitiu, em 1º de abril, 20 jornalistas.
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Espírito Santo alerta para a ilegalidade das demissões, redução de jornada e salário. Segundo a entidade, o artigo 2º da MP 927 “não representa um ‘cheque em branco’ para o empregador”. O sindicato adotará as providências judiciais e administrativas cabíveis.
Santa Catarina
Por meio de uma circular, o Grupo ND estabeleceu a redução da jornada e dos salários em 25% no prazo de 90 dias a partir de 9 de abril. O Sindicato dos Jornalistas em Santa Catarina (SJSC) defende que as iniciativas sejam sustadas, sob pena de contestação judicial. O Sindicato orientou os profissionais a não assinarem a proposta de acordo individual encaminhada pela empresa.
Em comunicado, o SJSC informa que as empresas devem comunicar a adoção das medidas das MPs 927 e 936 por escrito, por meio de proposta com justificativa de sua implementação por e-mail, com o número de jornalistas abrangidos pelas medidas e seus respectivos contatos. A partir das propostas, o sindicato entrará em contato com a categoria para realizar assembleia e definir posição, que será comunicada às empresas.
São Paulo
No estado de São Paulo, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de SP identificou a adoção de diversas medidas contrárias aos direitos trabalhistas da categoria pelos veículos de comunicação. Desde já, expressou que se opõe frontalmente a qualquer redução de salário, e não vê como seria possível, no atual momento, haver redução de jornada.
A imposição de redução salarial e de jornada por acordo individual está sendo adotada para funcionários das empresas jornalísticas, incluindo os jornalistas, mesmo neste período em que os profissionais têm sido mais demandados. As medidas foram adotadas por empresas do segmento de rádio e televisão, especialmente no interior, até o momento, como o SBT Araçatuba e São José do Rio Preto e a EPTV, afiliada da Rede Globo em Campinas, São Carlos e Ribeirão Preto. O SJSP se opõe totalmente às medidas e defende que mudanças nas relações de trabalho só podem ser feitas por negociação coletiva. O sindicato reforça a importância de reunir a categoria em assembleias para discutir as medidas que as empresas pretendem adotar, sendo que, neste momento, devem ser preferencialmente realizadas por meio virtual.
A Elemídia, empresa que veicula conteúdo noticioso em elevadores e espaços públicos, também se manifestou propondo a redução de 50% da jornada e salário dos profissionais. O sindicato deve reunir com os jornalistas da empresa nos próximos dias para tratar da proposta.
No segmento de rádio e televisão, algumas empresas não cumpriram com o pagamento da Participação nos Lucros e Resultados (PLR), referente a 2019 e prevista em Convenção Coletiva para ocorrer até a folha de março, ou seja, até o 5º dia útil de abril. A alegação foi a crise causada pela pandemia, mesmo num momento de elevação da audiência. A medida foi tomada pelas TVs Bandeirantes São Paulo, RedeTV e TV Mar (afiliada da Record na Baixada Santista e Vale do Paraíba). O Sindicato dos Jornalistas de SP está realizando assembleias com os jornalistas para tentar negociar as condições de pagamento de forma coletiva, e, em último caso, pode mover ações de execução para obrigar as empresas a cumprir a convenção em vigor.
No segmento de impressos, as principais empresas colocaram a grande maioria dos jornalistas em home office, conforme reivindicação do sindicato, mas estão tentando abolir o controle de jornada. A Convenção Coletiva do segmento, no entanto, deixa claro que a jornada do jornalista é mantida mesmo em situação de home office. O SJSP ressalta que as empresas possuem mecanismos tecnológicos que possibilitam manter o controle de jornada mesmo remotamente, mas, mesmo sem isso, é simples controlar a jornada diária de até sete horas. “Os jornalistas não podem permitir que as empresas se aproveitem do fato de que as pessoas estão em casa para fazê-las trabalhar desde cedo até de noite. Claro que há uma demanda enorme, mas a luta do Sindicato é para que haja controle efetivo da jornada”, destacou o presidente do SJSP, Paulo Zocchi. Essa questão se colocou em empresas como “O Estado de S. Paulo” e a “Folha de S.Paulo”. Houve já assembleia com os jornalistas do Estadão.
O texto da MP 927 permite ainda o adiamento do pagamento das férias ─ em vez de pagar antecipadamente salário e 1/3 de férias, as empresas poderão pagar o salário até o 5º dia útil do mês seguinte e 1/3 de férias até 20 de dezembro ─, bem como adiar o pagamento do FGTS dos meses de março a maio, pagando-o em parcelas, até dezembro. Tais medidas foram aplicadas pela Folha de S.Paulo.
Paraná
Com a decisão de grupos de comunicação de reduzir os salários dos trabalhadores, o Sindicato dos Jornalistas do Paraná (SindijorPR) está elaborando um protocolo com o objetivo de agilizar e organizar o trâmite da negociação e, principalmente, preservar os direitos dos jornalistas.
O diretor-presidente da entidade, Gustavo Vidal, destaca a posição contrária do SindijorPR à redução de jornada com diminuição de salários. “Ao lado dos demais sindicatos, centrais sindicais e movimento sociais, fazemos frente a esta medida provisória inconstitucional, que, assim como as demais ações deste governo, tem feito os trabalhadores pagarem a conta da crise”, declara Vidal.
O SindijorPR manifesta-se contrário aos acordos individuais e reforça que aditivos de contrato assinados e não avaliados pelo sindicato são ilegais. Assim, para se utilizarem da MP e buscar a redução de jornada e salário, durante o período de 90 dias, as empresas precisam notificar o SindijorPR e cumprir com os requisitos que justifiquem a necessidade de sua implantação, enviando plano de contingência financeira no período, com dados de previsão de receita e despesa e outras informações sobre escalas e jornadas em teletrabalho.
O sindicato também tem orientado e esclarecido dúvidas dos jornalistas sobre eventuais aplicações da MP 936. Segundo o SindijorPR, todos os jornalistas devem denunciar qualquer tentativa de acordo que não siga as recomendações do sindicato.