A luta pela igualdade de gênero também deve acontecer na mídia. O machismo impregnou-se de tal maneira no cotidiano jornalístico que muitas vezes histórias ou manchetes escritas e planejadas não apenas para informar, mas para “atrair” o leitor, esquecem a perspectiva de gênero que deveriam ter.
Assim entenderam o jornal colombiano El Tiempo e a agência de comunicação e publicidade Mullen Lowe SSP3, cujo diretor Roberto Pombo e presidente Francisco Samper, respectivamente, planejaram uma campanha em que, ao questionar manchetes publicadas por meios do país e do mundo todo, tenta mudar hábitos sexistas do jornalismo.
“Que melhor maneira de fazer isso do que desde um exercício de reescrever as manchetes de que, embora às vezes se pense que estão bem escritas do ponto de vista da geração de informações, se você olhar para elas com um foco muito mais consciente da realidade, pode descobrir que contêm elementos sexistas “, disse Andrés Mompotes, subdiretor do El Tiempo, ao Centro Knight. “E assim não construímos um jornalismo que realmente tenha uma perspectiva de gênero e que ajude a sociedade”.
Durante quase um mês e por meio das peças criativas realizadas pela agência, o jornal usou suas páginas impressas e suas redes sociais para chamar mulheres a escolher uma manchete que consideraram machista e reescrevê-la “do ponto de vista delas”.
“Muitas mulheres estão no noticiário. No entanto, as manchetes foram escritas desde uma perspectiva errada”, diz o vídeo de convite para esta campanha. “A partir de hoje, vamos reescrevê-las”.
Em uma edição especial, em 20 de março, o jornal publicou uma página com 18 manchetes reescritas por mulheres jornalistas e escolhidas pela equipe de Redes Sociais de El Tiempo, liderada por Laura Robles. Embora tenham recebido muito mais, as manchetes publicadas foram reescritas por jornalistas que “poderiam contribuir para a discussão usando seus conhecimentos de comunicação social”, segundo Mompotes.
Este foi o caso de manchetes como “Camille Abily, a jogadora de futebol chilena que disputa o título de gol do ano com Messi e Higuaín”, “As histórias por trás das atletas que se destacaram nas Olimpíadas do Rio” ou “Lydia Valentín faz história como melhor halterofilista do mundo em 2016”. Estas substituíram “Messi, Higuain e uma mulher, candidatos ao melhor gol do ano na Europa”, “As 28 atletas mais sexy dos Jogos Olímpicos do Rio” e “Lydia Valentín, uma hércules com maquiagem”.
O esporte não é o único assunto em que o machismo faz as manchetes. A cobertura de feminicídios é um dos temas que gera mais críticas. Sobre esses casos, foram propostas manchetes como “Martha Barón, a vida que se apagou pela violência contra mulheres em Soacha”, “Novo caso de feminicídio em Tunja” para substituir “Macabro final após 25 punhaladas de paixão: feminicídio pavoroso de jovem sacode Soacha” e “A tragédia os uniu novamente.”
“A mensagem de Hillary Clinton após sua derrota frente a Donald Trump” substituiu “Sem maquiagem e muito abatida, assim apareceu Hillary Clinton após sua derrota” e “Rechaço ante declarações de político ugandense que sugeriu maltratar mulheres” por “Bater nas mulheres para discipliná-las, sugere político a homens em Uganda” foram outros exemplos.
“O que se pôde notar é que às vezes nem reescrevendo [as manchetes] fariam sentido”, disse Mompotes. “Pode-se fazer o exercício de tentar reescrever a manchete, mas não é apenas a manchete, mas o enfoque da história e seu fundo que já tinha um viés muito grande em relação às mulheres, a objetificação das mulheres ou o modo como a sociedade usa as mulheres”.
De fato, havia artigos que, na opinião das jornalistas, não deveriam existir. Tal foi o caso da nota intitulada “Quando Marta Lucía Ramírez teve as pernas mais cobiçadas da Colômbia”. Ramírez – a protagonista da história – teve uma longa carreira na política colombiana, foi a primeira e única mulher ministra da Defesa do país, entre outros cargos, e atualmente é candidata à vice-presidência da Colômbia.
Embora a edição especial já tenha sido impressa, as mulheres (jornalistas e não jornalistas) continuaram a participar da campanha através da hashtag #MujeresReescribenMujeres (#MulheresReescrevemMulheres).
Segundo Mompotes, devido à recepção da campanha, estão pensando na possibilidade de continuá-la, mas não só para mais uma edição ou para terminar de comemorar o mês da mulher. Eles esperam que continue por mais tempo e que outros meios se unam como um compromisso para mudar hábitos jornalísticos sexistas que se tornaram parte da “paisagem”.
“O tema é tão extenso que parece uma paisagem. E como paisagem todos nós podemos apenas apagá-la e desenhá-la melhor mudando alguns códigos de manchetes que foram aceitos, mas que não podem continuar a ser convertidos em uma maneira de comunicar”, disse Mompotes. “Percebemos que não é uma questão de um mês, é uma questão de jornalismo. Não é uma questão de reconhecer algo sobre as mulheres, mas algo que tem a ver com a comunicação mais profunda. Isso tem a ver com como nós fazemos jornalismo.”