Audálio presidiu o Sindicato dos Jornalistas em meio à ditadura militar e participou da luta contra a violência estatal
Familiares, amigos, jornalistas e sindicalistas lotaram o auditório Vladimir Herzog para comemorar os 85 anos de Audálio Dantas, festejados numa emocionante celebração no sábado (8), na sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), no centro da capital paulista.
Presidente do Sindicato de 1975 e 1978, Audálio esteve à frente da entidade no período sombrio da ditadura brasileira e enfrentou o regime ao denunciar a farsa do “suicídio”, forjada pelos agentes da repressão na tentativa de ocultar o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, morto sob tortura no Doi-Codi há 42 anos.
Durante a comemoração, Audálio foi homenageado com o Troféu Indignação-Coragem-Esperança, numa iniciativa organizada pela Agência Sindical, pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e pela Oboré Projetos Especiais, com apoio do Sindicato, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e do Instituto Vladimir Herzog, entre outras organizações. Confira a cobertura do evento na reportagem do Brasil de Fato.
No auditório Vladimir Herzog do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, cujo nome homenageia Vlado, jornalista brasileiro morto pelas mãos da violência do estado durante a ditadura militar, o também jornalista Audálio Dantas, que viveu de perto esse capítulo da história brasileira, recebe o troféu “Indignação-Coragem-Esperança”, uma homenagem por sua atuação histórica em defesa da imprensa sindical brasileira e da comunicação popular. O encontro, que também marca a celebração de seus 85 anos, acontece neste sábado (8), no centro de São Paulo.
“Eu às vezes fico em dúvida se devo receber tanta homenagem, mas há algumas que me deixam realmente feliz. Essa é uma delas, inclusive porque está envolvendo os companheiros de trabalho, de luta. Isso para mim é muito importante”, contou Dantas em conversa com o Brasil de Fato poucos dias antes de receber o troféu.
O jornalista faz referência ao fato de a iniciativa da homenagem ter partido de entidades que pautam a luta do jornalismo como instrumento de defesa da democracia e pilar da transformação social, como a Oboré Projetos Especiais, o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e a Agência Sindical. A elas, se somaram outras, como o Instituto Vladimir Herzog, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Centro Acadêmico Lupe Cotrim da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP.
Com desenho original da cartunista Laerte Coutinho, também presente na homenagem, o troféu, simboliza a imagem de São Jorge, santo que representa a coragem e resistência ao opressor, em seu corcel branco, enfrentando o dragão. No entanto, o santo está na condição de repórter, com um gravador na cintura e um microfone no lugar da lança original.
Para a cartunista, a atuação de Audálio foi fundamental contra as violações cometidas pelo regime militar. “Ele é importante para a história do jornalismo brasileiro, por ser repórter investigativo minucioso e cuidadoso. Pra mim, ele se tornou o Audálio, na época do assassinato do Herzog, quando a condução dele à frente do sindicato foi decisiva junto com outras entidades e promoveu uma reviravolta na ditadura.”
O jornalista Juca Kfouri também participou da cerimônia de premiação neste sábado. “Todos nós somos gratos e o Brasil é grato por ele. O Audálio não é responsável só pelo começo do fim da ditadura no Brasil. Ele não é um jornalista que virou militante, o Audálio é um militante que é o jornalista que sempre foi e nos enche de orgulho. Poder dar um beijo nele ao completar 85 anos é um privilégio”, comentou em homenagem ao jornalista.
Defesa da democracia
Tendo passado por inúmeros veículos de comunicação, o alagoano dedicou sua atuação no jornalismo para a defesa da comunicação como um direito da sociedade. Audálio torna-se presidente do Sindicato dos Jornalistas em maio de 1975, em meio ao golpe militar, e atua como um dos principais responsáveis pela retomada do Sindicato como um órgão combativo e de oposição à violência estatal.
“Assumi um grupo comprometido com as lutas de resistência democrática. No meu caso, pessoalmente, acho que assumi aquela função exclusivamente porque tinha um objetivo: lutar contra a violência da ditadura militar. Foi isso que caracterizou a atuação do Sindicato”, comenta Audálio sobre o período. “Esse comprometimento foi o que levou à atuação do Sindicato não apenas no caso Herzog, mas também a reclamar contra a censura, a política salarial e a política que arrolhava os sindicatos de um modo geral.”
Em outubro do mesmo ano, Vladimir Herzog, então jornalista na TV Cultura e professor da USP, é assassinado por agentes da ditadura militar brasileira e tem as circunstâncias de sua morte forjadas. O Sindicato, que defendia rigorosamente todos os jornalistas que, naquela ocasião, foram atingidos pela violência da Ditadura, foi responsável por impulsionar as denúncias e manifestações contra a morte de um de seus colegas.
À frente da presidência do Sindicato e junto com os demais colegas de gestão, Audálio participou ativamente da construção do culto ecumênico na Praça da Sé, em São Paulo, em memória de Vladimir Herzog, morto uma semana antes. O culto contou com a participação de 8 mil pessoas, tornou-se a maior manifestação de massas ocorrida desde a implementação do Ato Institucional n°5 e foi um dos capítulos que anunciava o início da redemocratização do país.
Hoje
Para o jornalista, que, ao longo de seus 85 anos, atuou veementemente contra a censura e em defesa da liberdade de expressão, a atuação da mídia brasileira na atual conjuntura política nacional é “absolutamente condenável” e descumpre a ética de um jornalismo mantenedor do regime democrático.
“O que está ocorrendo, na grande maioria dos veículos de comunicação, é a negação do princípio da liberdade de imprensa e da informação que se deve prestar, por ser esse o direito da sociedade. O que está ocorrendo é uma negação desse direito. Muitas vezes, se omite a informação em defesa do interesse dos setores econômicos, financeiros, e esse não é o papel da imprensa”, comentou Audálio.
Ele também pontua a importância de manter viva a memória. “É bom lembrar que a chamada ‘grande imprensa’ foi parceira da Ditadura Militar. Foi conivente com a violência, com a censura, prestou um enorme desserviço à causa democrática.”.
O jornalista é autor de livros como Graciliano Ramos; O menino Lula; O Tempo de Reportagem: histórias que marcaram época jornalismo brasileiro; As duas guerras de Vlado Herzog: da perseguição nazista na Europa à morte sob tortura no Brasil, entre outros.
Escrito por: Mayara Paixão – Brasil de Fato, com edição do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo
Foto: Cadu Bazilevski