O bom jornalismo é construído a partir da liberdade. A liberdade de opinião, um direito individual de todo cidadão, está na base da liberdade de imprensa, que é um espaço público, sujeito coletivo e incluído na esfera social que caracteriza o Estado moderno e democrático. Assim, as opiniões emitidas por um(a) jornalista durante o exercício profissional em seu espaço de trabalho, em qualquer mídia, caracteriza-se como uma questão de liberdade de imprensa e não de direito pessoal.
Esta “diferenciação” está na origem de uma corrente de pensamento jurídico que procura harmonizar a responsabilidade coletiva – portanto o dever do jornalista de tornar público as informações – e a proteção individual a que o cidadão tem direito. Em um estado democrático este conflito deve ser resolvido por leis e regulamentos que regem a profissão e o funcionamento das empresas de comunicação social. Infelizmente, no Brasil, estes mecanismos são muito frouxos ou, mesmo, inexistentes.
Mas, independentemente destas regras jurídicas (que cabe ao Estado estabelecer) os jornalistas criaram um método próprio para abordar a questão, trata-se do Código de Ética Profissional. Este código determina posturas que o coletivo dos jornalistas consideram adequadas ao bom exercício profissional. A transgressão desta regra não acarreta punição legal aos infratores, apenas a censura por parte dos colegas e o desprezo da opinião pública (o que, em se tratando de credibilidade profissional para o jornalista não deixa de ter sua importância).
O pensamento de direita tenta esconder este dilema afirmando que não existe diferença entre liberdade de imprensa e liberdade de expressão. Como tudo é a mesma coisa, nada precisa ser regulado. Qualquer incidência neste campo seria uma forma odiosa de “censura”, pois não estamos no campo dos direitos sociais mas sim da “liberdade de opinião individual do jornalista” (que as vezes, marotamente, se transforma na “liberdade” da linha editorial do veículo).
A apresentação destes conceitos têm o objetivo de servir de preâmbulo para a discussão do caso que envolve Rachel Sheherazade, âncora do telejornal SBT Brasil, e suas declarações polêmicas que suscitaram, inclusive, repúdio do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro e sua Comissão de Ética. Ao noticiar a ação de um grupo de “patrulheiros”, que prendeu um suposto assaltante negro a um poste, a jornalista afirmou que: “A atitude dos vingadores é até compreensível. O estado é omisso; a polícia, desmoralizada; a justiça é falha. O que resta ao cidadão de bem, que ainda por cima foi desarmado? Se defender, é claro”, declarou a jornalista. “(…) O contra-ataque aos bandidos é o que eu chamo de legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite”. A condenação ética se baseia, entre outros, no artigo 7º, inciso V, que diz que o jornalista não pode: usar o jornalismo para incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime.
Não é a primeira vez que a jornalista causa polêmica com suas declarações peremptórias, inclusive, segundo alguns de seus críticos, a apresentadora se tornou uma espécie de porta-voz de um reacionarismo incrustado em certas camadas da sociedade brasileira.
O caso pegou fogo nas redes sociais e parece que não vai acabar por aqui. O Psol – Partido Socialismo e Liberdade declarou que pretende fazer uma representação contra a apresentadora no Ministério Público; o deputado federal Marco Feliciano (outro versado em polemizar com os defensores dos direitos humanos) subiu à tribuna para defender a jornalista e as redes sociais pegaram fogo.
Se Rachel Sheherazade, ou o SBT, queriam fazer jornalismo, erraram feio, mas, se o propósito era o sensacionalismo barato o objetivo foi brilhantemente atingido. A polêmica foi instaurada, a âncora obteve a autopromoção e a superexposição que alimentam os egos inflados e a busca desenfreada pela audiência foi alimentada. Alguns podem até obter vantagens com esta história, a população e o jornalismo, certamente, não ganham nada.
José Augusto Camargo – presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP)